A violência política no Equador, com o assassinato do candidato a presidente, Fernando Villavicencio, e os resultados surpreendentes das eleições primárias na Argentina são sintomas do terremoto que sacode a América Latina, abrindo um horizonte de enormes incertezas. O crime no Equador mostra a penetração do crime organizado na sociedade equatoriana, e a sua tentativa de influenciar na política do país, semelhantemente ao que vem acontecendo em outros países do continente. Turbulência muito maior vem das eleições da Argentina, com a vitória, ainda que preliminar, do populista de ultradireita Javier Milei, e a derrota acachapante do peronismo. A emergência de um candidato antissistema de extrema-direita é uma decorrência direta do fracasso dos políticos e das lideranças argentinas nas últimas décadas, que está afundando a Argentina. Um país que, no início do século passado, estava entre os mais avançados do mundo, vem sofrendo uma profunda e contínua crise econômica e social, e um empobrecimento acelerado, convivendo com uma inflação de mais de 100% ao ano, e com um elevado índice de pobreza (quase de 40% da população está abaixo da linha de pobreza e 8,9% na extrema pobreza). As propostas de governo de Milei são uma coleção de despropósitos altamente reacionários, e inadequados para lidar com os enormes desafios da Argentina. Ele promete liberar o mercado de órgãos humanos e eliminar vários ministérios, incluindo os ministérios da educação, da saúde e do desenvolvimento social, entre outras aberrações, além de medidas disruptivas na economia, como a dolarização e o fechamento do Banco Central. Não parece exagero dizer que Javier Milei é um Bolsonaro descabelado, sem a ligação militar deste e sem a defesa direta da ditadura, deixando para sua vice a apologia dos governos militares.
A eventual eleição de Milei em outubro, longe de recuperar a decadente economia argentina, deve agravar a crise econômica, aprofundar o desastre social e acender os conflitos e a violência política na segunda maior economia da América do Sul. Além disso, vai provocar uma grande turbulência nas relações políticas, diplomáticas e comerciais da América Latina, acabando com as pretensões de liderança continental do presidente Lula da Silva. O anarco-capitalista, como Milei se autodefine, promete tirar a Argentina do MERCOSUL (no que é acompanhado pela segunda colocada, Patrícia Bullrich), congelar as relações com a China, e se distanciar dos BRICS, todo o contrário do que pretende Lula. Sem a Argentina, o que sobra do MERCOSUL? O Uruguai já está buscando negociações bilaterais independentes, inclusive com a China, e o Paraguai, além de muito pequeno, não aceita a ligação com os BRICS.
Os argentinos votaram com raiva dos políticos e distanciando-se do peronismo. Mas não parecem ter aprendido com o desastroso e degradante governo de Jair Bolsonaro, que, por pouco, não destruiu as instituições democráticas do Brasil. Quem sabe, pensam um pouco mais agora nos meses que antecedem as eleições de outubro. Embora, é verdade, as alternativas não sejam nada inspiradoras.
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