Podemos imaginar um ser vivo mudo falando. A maior floresta tropical do mundo é um ser vivo. Mas se falasse faria alta homenagem a duas instâncias da humanidade. Certamente que aos índios, os nativos, que nela vivem e dela fazem parte, a respeitam e a preservam. Seriam o primeiro grupo. Eles, os nativos, como grupo e individualmente, entendem que nela está sua morada e dela vem a sua alimentação. O segundo grupo seria inteiramente diferente. Primeiro, pela exceção de ser um grupo unitário, de um indivíduo. Segundo, por ser constituído de um exemplar de descendentes dos invasores europeus. Sim, portador de um dos títulos usualmente vendidos pela Coroa, para fins de caixa. Não quer dizer que o título de barão dele tenha sido dos comprados. Mas o Barão do Rio Branco comporia este excepcional grupo de tamanho unitário. 

A Amazônia certamente se explicaria: não me importa como ele tratava seus familiares; o que pensava sobre religião; como tratava os outros seres humanos, de mesma etnia ou as diferentes. O caso é que a minha integridade deve estar em prioridade máxima ao olhar para quem me fez bem ou mal. E houve um momento em que minha integridade esteve sob um grande risco. E ele a garantiu quando firmou os limites territoriais do Brasil. Evitou guerras que me queimariam e deixou a máxima possível percentagem de minha extensão territorial sob a territorialidade brasileira que, como maior nação do Sul da América, pode melhor me defender. Inclusive dos avanços de mentalidades coloniais que, como lobos com pele de cordeiro, pretendem me explorar irresponsavelmente, como ocorre em outras florestas úmidas. Não é difícil descobrir que existem. Basta ouvir a absurda e anacrônica afirmação que sou o pulmão do mundo. E precisam defendê-lo. Se não sou hoje uma imensa floresta estável, que não cresce mais, portanto liquidamente não consome mais CO2, é justamente pelas mudanças causadas na atmosfera pela poderosa e incessante agressão à Terra de um modelo econômico irresponsavelmente predador dos seus dotes naturais, adotado e firmado pelos chamados países neocolonialistas. 

Vegetais foram desenvolvidos para viver num mundo onde a atmosfera tem 280 ppm de CO2. Foram tantos séculos com esta concentração que se pode dizer, os que não foram desenvolvidos com ela, estão a ela adaptados. Agora, rapidamente, em termos do tempo requerido para adaptações, chega a 424 ppm, medido pela National Oceanic and Atmospheric Administration – NOAA, em 2022, um nada desprezível aumento de 50% em relação à concentração vigente no início da Revolução Industrial. Como o vegetal vai combinar o carbono que obtém por meio da fotossíntese com outras substâncias para formar suas folhas e suas demais partes está determinado pela sua natureza da espécie específica a que pertence. Realizar a fotossíntese num meio aéreo com 50% a mais de carbono muda a forma de operar. Para as plantas de mecanismo C3, que perfazem 95% dos vegetais, há um relativo excesso de carbono, efetivamente injetado, resultando num expressivo maior crescimento das folhas, em tamanho e espessura, com redução da quantidade de proteína. A madeira nova cresce mais rapidamente do que a anterior, mas é menos densa, menos resistente. A fauna que se alimenta destas folhas termina por ingerir maior quantidade de alimento, na busca de compensar o menor teor proteico. A estas transformações estou exposta, passando, então a ser uma floresta em constante adaptação. 

Uma pata-de-vaca plantada num jardim, em Aldeia, em 2002, exemplifica bem. Até antes da pandemia de Covid19 era podada a cada dois anos, para manter adequada a proporção de altura e largura de copa. A florida pata-de-vaca sempre foi preferida por alguma iguana da área, que se dirigia a suas folhas mais tenras. Recentemente, no meio da pandemia, uma mudança tornou-se visível. Os ramos novos não mais resistem ao peso das iguanas. Antes, apontavam para cima,  Sob a peso de uma iguana, quebram-se,  dobram para baixo. E o crescimento da copa passa a se dar perto da sua base, engrossando-a. Bate com o esperado maior peso médio das iguanas, sugerindo compensação delas ao menor teor proteico das folhas. E aparente menor resistência dos novos segmentos de galho da pata-de-vaca. Pode ser pura coincidência. Pode ser que resulte, nas condições de solo em que está a pata-de-vaca, do limite de adaptação dela, a partir do qual a qualidade de sua madeira nova tenha sofrido uma visualizável perda de resistência. O certo é que, crescendo mais rapidamente a copa no sentido horizontal, mudou a sua forma. De – a grosso modo – representável por um pirulito cônico, passou à impensada forma um espesso disco voador. Rapidamente se achega ao telhado da residência, tornando obrigatória, nestes anos vinte, a poda anual. 

O grosso da pesquisa agropecuária se concentra na busca de objetivos que se mantêm desde a revolução verde de meados do século passado. Como intervir para manter e, se possível, aumentar a produtividade de colheitas comerciais. No estágio atual, as pesquisas, em geral, não se referem a outros conhecimentos adicionais, relativos às mudanças ambientais a que estão expostos os vegetais, em função do processo de mudanças climáticas em curso e ao próprio Aquecimento Global, em si. Estudar isto já seria suficiente para demandar um orçamento de pesquisa a grosso modo idêntico ao atual, o que equivaleria a dobrar o orçamento do gasto com pesquisas na área agropecuária. Quem financiaria tal aumento de gasto? Na verdade pouco se sabe  acerca dos impactos, sobre os vegetais, do aumento do teor de carbono na atmosfera, ainda mais quando tal aumento tem vez concomitantemente com elevação das temperaturas.

Devemos considerar, ademais, que o conhecimento sobre o comportamento de unidades isoladas de vegetais não pode ser diretamente usado para prever o comportamento de um complexo conjunto de vegetais, principalmente quando se tem, como tenho, Amazônia, solos diferentes, latitudes diferentes e até altitudes diferentes. A interação entre os vegetais e a fauna muda as regras do jogo. E a pesquisa é mais difícil, mais demorada, mais cara. Portanto, mais rara. 

É preocupante que situações extremas estejam se abatendo sobre mim, Amazônia, derivadas de mudanças climáticas induzidas pelo Aquecimento Global. Em 2006 uma pesquisa sobre o trabalho nas Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária – OEPAs, importante parte do sistema de pesquisa agropecuária nacional, incluiu as unidades da Embrapa nos estados da Amazônia, que não tinham OEPAs. Pode-se afirmar que tal inclusão se deu porque estas unidades de pesquisa faziam na Amazônia as vezes das OEPAs. Mas havia uma razão adicional. Não seria bom os brasileiros amazônicos se sentirem fora de uma pesquisa vista como de âmbito nacional. Amostras de beneficiários das pesquisas foram ouvidas também cá. E os meus nativos, que chamam de índios, não foram descartados, mas devidamente incluídos. Foi interessante, numa reunião de validação dos resultados encontrados,  a emergência de duas importantes observações, por caciques: era a primeira vez que brancos, em trabalhos de pesquisa desta natureza, ouviam nativos, índios;  e expressavam preocupação com mudanças, como a gravidade relativa maior da última seca, a qual transbordara os limites  registrados em suas histórias orais. Os vivos, depois destes praticamente vinte anos, devem estar mais preocupados ainda. Tenho resiliência a cheias, mas secas deixam estragos profundos. E comprometedoras  chances de incêndios incontroláveis.

As secas que vão batendo recordes, vão me debilitando. O presente El Niño, deste 2023, está desenvolvendo seca recorde nos meus rios. O aumento do teor de carbono vai deixando sua marca, de forma crescente, a cada seca recorde. Cada parte minha que se recompõe é, compreensivamente, menos resistente a secas. Material orgânico seco é combustível esperando combustão. É possível, não obrigatório que  ocorram, em uma destas grandes secas, incêndios causados por raios, ou combustões espontâneas, estas resultantes de elevada temperatura do combustível exposto ao sol, podendo tal temperatura ser ainda mais elevada por reações químicas que venham a se dar no material exposto. Pode se tornar gigantesca a proporção de um incêndio iniciado em condições tão favoráveis ao fogo. 

Diante dos fatos urge que se estabeleçam duas providências básicas. Uma, estudar e aplicar ações viáveis que minimizem a possibilidade de incêndios incontroláveis, para o que devem ser acompanhadas estudos similares que venham a ter vez, referidos às demais gigantes florestas tropicais úmidas. Outra, não hesitar na execução de ações bem pensadas e planejadas, caso uma catástrofe desse porte venha a ocorrer. Representa estudar a ingente tarefa de como abrigar as populações locais. E como garantir a retirada dos que venham a ser sitiados pelo fogo. Se tenho que encolher, que o seja sem o sacrifício dos nativos que me entendem e protegem. Nem dos brancos que acreditam estar em paz em meu seio. Em ambas espero que não tenha vez a usual arrogância com que sou tratada. Que dos estudos, da concepção e do desenvolvimento das ações, não sejam meros ouvintes expectadores – participem plenamente – os meus nativos e os bem-intencionados imigrados.