Existem muitos motivos para criticar o Estado de Israel ao longo da história de ocupação de terras palestinas por colonos judeus, intensificada nos últimos anos do governo de Benjamin Netanyahu. Mas não se pode esquecer que o Estado de Israel é uma das poucas democracias do Oriente Médio, cercado de monarquias religiosas, autocráticas e retrógradas, com uma oposição ativa, que rejeita o expansionismo israelense, uma imprensa crítica e instituições políticas e jurídicas (que Netanyahu está tentando sufocar), incluindo a participação política de palestinos-israelenses. Existem muitos fatores que explicam o ressentimento e o ódio dos palestinos em relação aos judeus israelenses, principalmente quando alimentados pelo fanatismo islâmico, misturado com as emoções religiosas. Como diz o intelectual Yuval Noah Harari, em artigo recente sobre o atual conflito entre o Hamas e Israel, “os israelenses estão pagando o preço por anos de soberba”, e “há muito o que criticar a respeito da maneira que Israel abandonou a tentativa de fazer paz com os palestinos e mantém há décadas milhões de palestinos sob ocupação”. 

E, no entanto, é intolerável o horror executado pelo Hamas nas cidades e comunidades judaicas fronteiriças com Gaza, atrocidades com crianças, mulheres, jovens e velhos, incluindo o ataque de puro terror a uma festa de jovens israelenses, com centenas de mortos e o sequestro de cidadãos. Como acrescenta Harari no citado artigo, a soberba de Israel “não justifica as atrocidades cometidas pelo Hamas, que, de qualquer forma, nunca contemplou nenhuma possibilidade de algum tratado de paz com Israel, e fez tudo o que pôde para sabotar o processo de paz de Oslo”, que levaria à formação de dois Estados independentes.

Para além do terror do Hamas e da violenta resposta de Israel, esta nova fase do velho conflito árabe-israelense reabre o campo de batalha geopolítico das grandes potências. A inesperada, brutal e muito bem planejada ofensiva do Hamas seria mesmo uma reação à aproximação entre Israel e a Arábia Saudita, que poderia mudar o panorama político na região, e que não interessa aos radicais de nenhum dos dois lados, menos ainda, ao Irã. Nada impede mais a escalada da guerra. Por isso, vale a pena o apelo do presidente Lula da Silva, de criação imediata de um corredor humanitário para proteger a população vulnerável, especialmente crianças, da Faixa de Gaza, sufocada pelo embargo e pela artilharia israelense.