Gosto da Argentina. E dos argentinos. Sempre bem recebido em Buenos Aires. Para onde levo a perspectiva de prazerosa estada. E de onde trago muitos livros. A ponto de, certa vez, ter de comprar uma malinha com rodas para os carregar.
Argentina já foi referência na economia. Anos 50. Por causa de um trinômio: petróleo, carne e trigo. Comida para a população. E óleo para exportação. Na fartura, elegeram Peron. Com ele, de contrapeso, veio o corporativismo sindicalista. Que foi colado ao corpo do Estado. E dele não saiu mais.
Então, a coisa mudou. O populismo foi inoculado no sistema sanguíneo da política. E a retórica demagógica distorceu o funcionamento da economia do país. Anos 80, 90. De lá para cá, com exceção do período Nestor Kirchner, a inflação saiu de controle e a produção caiu. O peso passou a ser levado em bolsas. E não nos bolsos.
É verdade que os argentinos alcançaram troféus. Que lhes trouxe alegrias. E melhorou sua autoestima. Campeonatos mundiais de futebol, sob comando de MM, Maradona e Messi. A reinvenção da música sob inspiração de Astor Piazzolla. A energia literária de Jorge Luis Borges. O Nobel da paz, de Esquivel. And, last but not least, a ocupação do Vaticano. Com o Papa do fim do mundo, na generosa e humilde declaração de Francisco Bergoglio.
E, agora ? Domingo tem eleição. De um lado, um populista de extrema direita. Matéria da historiadora Sylvia Colombo, informa que ele, Javier Milei, entrou no elevador do prédio onde reside. Uma vizinha lhe perguntou: – O senhor ensina ? Ele respondeu: – Leciono Adam Smith. Ela fez a segunda e última pergunta: – E Keynes ? Milei surtou. E, aos berros, disse: – É comunista, vocês são comunistas.
De outro lado, está Sergio Massa. Atual ministro da Economia. Um político que manteve um sistema de fartas subvenções sociais. Que vão desde bandejões populares até benefícios para famílias de menor renda. É este sistema de ajuda, à base de recursos fiscais, que sustenta a popularidade do ministro-candidato. Alimentado pelo temor dos beneficiários. De que venham a ser retirados. Numa eventual derrota de Massa.
O historiador argentino, Federico Finchelstein, vê um descompasso “entre o que os argentino de meia idade pensam e a história que vivem, que vai sendo apagada da memória”. E acentua: “O fato de ninguém se importar com o fato de que a vice de Milei é uma negacionista da ditadura, que visitava o ex-ditador Videla na prisão e hoje pede anistia a genocidas, é sinal terrível de degradação da democracia argentina”.
Pois é. País que perde a memória dá nisso. Um papel em branco no qual qualquer populista de esquina escreve as piores barbaridades. É uma pena. Para toda sociedade nacional. E, especialmente, para a Argentina. Que tem recursos naturais, recursos produtivos, cultura e vocação criadora.
Certa feita, fomos visitar o Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires – MALBA. Ao entrarmos, pensávamos estar num museu brasileiro. Havia uma exposição da Semana de Arte Moderna de 22, do Brasil. E, magistral, no centro do espaço, a tela Abaporu, de Tarsila do Amaral. Soubemos, depois, que um colecionador argentino o havia comprado.
Um dos marcos da hidrografia argentina é o rio da Prata. Para mim, rio não divide. Rio une. No caso do Prata, agora une cinco países. É um estuário de intensa beleza natural. Acolhendo desde a leveza de suaves borboletas até variedade de cardumes da região. Recebe contribuição das águas dos rios Paraná, Uruguai e do oceano. A Argentina é terra e mar, o pampa e o Prata. Corpo e alma, a Ricoleta e certo tom nostálgico. Na prática, projeta a eterna luta entre passado e futuro. O que foi e o que poderá ser.
Como escreveu o poeta, T.S.Eliot, o que poderia ter sido e não foi permanece perpétua possibilidade.
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