A defesa da democracia é um feito coletivo e não de uma única instituição. Sua defesa deve ser acompanhada de práticas concretas, cotidianas, sistemáticas e permanentes. Além de incorreta, pois intelectualmente desonesta, a tese de que a democracia brasileira estaria salva é um perigo. As instituições brasileiras precisam funcionar de modo regular e sistemático, sem medidas extraordinárias ou coisas do tipo. O país, certamente, carece de normalidade institucional, mas isso ainda está longe de ser possível.
Seria salutar o abandono do “centralismo democrático” por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), pois a concentração de poderes na corte tem levado a choques com outros poderes e tribunais. A regulamentação do vínculo de emprego entre motoristas e aplicativos gerou embates entre o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o STF. O ponto alto se deu quando a Primeira Turma do Supremo acionou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em virtude dos reiterados descumprimentos do TST em relação à sua jurisprudência.
O definitivo retorno dos militares à caserna e a garantia de sua permanência seriam outros componentes essenciais à equação. Em democracias avançadas, a carreira militar é incompatível com a política partidária. Essa escolha está indicada no desenho institucional do Ministério da Defesa, pasta criada no governo FHC para que as Forças Armadas ficassem sob controle civil, modelo funcional entre 1999-2018, mas não entre 2019-2023, e retomado este ano por Lula, com a indicação de José Múcio, nas atuais circunstâncias.
De nada vai adiantar essas discussões se medidas concretas não forem adotadas. Na gestão Bolsonaro, o Estado comprou viagra, próteses penianas e outras excentricidades para usuários do plano de saúde do Exército!? O que de concreto saiu disso? Não se sabe ainda. Essa é uma pauta que poderia e deveria ser esclarecida para o cidadão-contribuinte. Vale lembrar a fala do vice-presidente, hoje senador: “Eu não posso usar o meu Viagra, pô? O que são 35 mil comprimidos de Viagra para 110 mil velhinhos? Não é nada”.
Duas saídas institucionais estão em andamento no momento. Uma, a PEC dos Militares, considerada prioritária pelo Ministro da Defesa, mas vista como a “trigésima prioridade” pelo líder do governo no Senado. A aprovação do novo Código Eleitoral é a outra via possível, pois há um dispositivo de quarentena para membros do Judiciário, Ministério Público, forças policiais e militares que desejarem concorrer a cargos eletivos. Seja qual for o caminho das pedras, o Parlamento deveria barrar o acúmulo de funções e salários.
Uma condição imprescindível para isso é uma reforma do Estado brasileiro. Evidentemente não aquela estrovenga elaborada no governo Bolsonaro, que basicamente desmontava tudo a pretexto de “modernizar” o Estado. O Ministro da Economia bem que tentou, mas a sua incapacidade de diálogo civilizado com as instituições não permitiu a tramitação do projeto. Não é preciso dizer que este ano não sai, pois temos as eleições, além de uma pauta repleta de questões complexas esperando votação pelos congressistas, então… Entretanto, supondo que um dia saia, considero essencial esses princípios: (i) o desnível salarial entre os profissionais de nível de formação, quando em poderes distintos; (ii) eliminar os acúmulos de “penduricalhos”, jetons e outras tantas invencionices criadas para furar o teto constitucional.
No último dia 25 de março completaram-se 200 anos da Constituição de 1824, a primeira do Brasil como nação independente. Simultaneamente, a sociedade brasileira acompanha um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o infame artigo 142 da Constituição, mobilizado por bolsonaristas para justificar uma suposta “intervenção militar constitucional”. Há uma ligação simbólica entre os eventos, na medida em que se começou a falar em Poder Moderador a respeito dos militares. Não existe tal coisa. Bobagem. Delírio.
Por conseguinte, os militares não têm um papel superior para arbitrar conflitos entre os demais poderes. A Constituição de 1988 prevê apenas três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário, simples assim). Haveria algum desavisado que andou lendo a Constituição de 1824 e não se deu conta da confusão? E que confusão! Erro de século, de regime político etc. Pois bem. Não se trata de confusão, não é mesmo? Trata-se de subterfúgio, mas, se se preferir, pode-se chamar de malandragem mesmo. Como dizia Bezerra da Silva, malandro é malandro, mané é mané, e eu nessa não caio. E você?
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