Biden

Biden

“Eisenhower, em dois mandatos, 1953-57 e 1957-1961, foi o Clark Kent da presidência norte-americana. Ele assumiu o ar de um inocente político bem-intencionado. Mas emergiu com consciência própria de sofisticada liderança política oblíqua”.

Fred Greenstein, em The Presidential Difference, Princeton University Press, New Jersey, 2004.

 

Dois ex-presidentes da República, nos Estados Unidos, renunciaram a suas candidaturas para reeleição: Harry Truman, dois mandatos, 1945-1949 e 1949-1953. E Lyndon Johnson, dois mandatos, 1963-1967 e 1967-1969. Mas, nenhum dos dois, dentro de circunstâncias dramáticas como a da eleição americana deste ano.

O contexto sensível, em que se encontra envolvido o processo político na América, apresenta duas características. Uma, do lado Democrata, e a outra, do lado Republicano.

Do lado Democrata, o Partido vem de uma recuperação importante com a eleição de Barack Obama. Oxigenando a política partidária. Possibilitando sua reeleição e a eleição de Joe Biden. Que renunciou a sua candidatura. Por causa do baixo desempenho nos debates da campanha.

Do lado Republicano, o Partido foi tomado pela liderança obscura e autoritária de Donald Trump. Que se elegeu presidente. E perdeu a reeleição. E, ao perder, tentou aplicar um golpe de Estado. Ele realça potencial de êxito, este ano, segundo as pesquisas eleitorais. Diante de Biden. Que já não é mais candidato.

Este é o ponto em que estamos. Que fatos precederam o quadro atual ? Trump foi alvo de um tiro de AR-15 que lhe conferiu perfil de vítima. E Biden retirou-se da disputa indicando sua vice, Kamala Harris, o fator K, como substituta.

Biden, durante o governo, ocultou Kamala numa clausura. Uma espécie de meia-luz política. Para que não nascesse, ali, um elemento concorrencial. Não contava com o fator biológico.

Com a provável aprovação do nome de Kamala para concorrer, o cenário acentua dois aspectos relevantes. O primeiro aspecto é a volta de esperada competição entre os candidatos, a democrata e o republicano. O segundo aspecto é o reforço à perspectiva de institucionalidade à eleição. Considerando que Trump é uma liderança populista e xenófoba. E não um candidato com feição institucional. Seu vice, J.D. Vance, é senador por Ohio. Jovem e preparado. Habilitado a ser ideólogo. E herdeiro.

O pesquisador Fred Greenstein analisou o desempenho político de alguns ex-presidentes da República americanos. Sob quatro critérios: 1. Talento de comunicador; 2. Capacidade de organização; 3. Habilidade política; e 4. Inteligência emocional.

A maior referência como presidente americano é Franklin Delano Roosevelt (FDR). Inspirador, charmoso, bom na comunicação, enfrentou os efeitos da crise de 29 com o repertório econômico de John Keynes (1883-1946). Segundo o qual o Estado deve ampliar investimentos toda vez que a economia tender à estagnação. Deu certo. FDR elegeu-se quatro vezes presidente.

Dwight Eisenhower foi o comandante das forças aliadas na II Guerra Mundial. Militar de carreira, seu triunfo bélico o levou a eleger-se presidente (1953-1961). O que seria político improvável, mostrou-se hábil e inovador. Criou o staff político para a Casa Branca. E o cargo de assistente presidencial para política externa. Saiu maior do que entrou.

John Kennedy foi uma estrela hedonista que aterrissou na Casa Branca (1961-1963). Orador talentoso, discursou no Muro de Berlim. E pronunciou a frase que ficou marcada na política europeia à época: “Eu sou berlinense”. Usufruiu o prazer no poder. E mostrou disciplina e racionalidade na presidência. Enfrentou com êxito a crise dos mísseis de Cuba contra Khrushchov. E foi traiçoeiramente assassinado em Dallas.

Richard Nixon exerceu a presidência de 1969 a 1974. Quando sofreu impeachment. Foi um presidente que mostrou clara ambiguidade. Na miudeza de política provinciana e na grandeza da visão internacional. Perdeu-se na subtração dos papeis de Watergate. E consagrou-se na abertura do caminho para a China. Anunciada em 15 de julho de 1971. Em fevereiro de 1972, desembarcou em Pequim. Levava a tiracolo o estrategista de política externa, Henry Kissinger. Terá sido um Disraeli conservador.

William Jefferson Clinton. Bill Clinton. Notáveis inteligência, energia, oratória. E dificuldades com a autodisciplina. Governou o país de 1993 a 2001. Construiu acordo importante sobre o orçamento nacional com o Congresso; patrocinou pacto sobre a reforma do sistema de saúde; inaugurou o acordo de livre comércio com Canadá e México, o NAFTA; e instalou, durante dois dias, na Casa Branca, a sede da paz mundial. Com a assinatura de entendimento entre o judeu Iitzhak Rabin e o palestino Yasir Arafat. Saxofonista, sua passagem pelo poder deixou rastro de brilho especial. De um astro.

Outros presidentes trabalharam no Salão Oval. Nenhuma presidenta. Até agora. Parece ter chegado a hora. Não apenas pela maturidade política de ingresso de uma mulher. Para sentar-se na cadeira presidencial. Mas porque tal gesto significaria a continuidade de uma rotina de institucionalidade. Democrática.

A saída de Joe Biden da disputa presidencial tem uma nota de melancolia. Porque ele deixou legado importante na política interna. Fortaleceu a infraestrutura, dinamizou a economia, gerou emprego. E honrou o cargo que ocupou.

E coloca na porta da Casa Branca um aviso aos sucessores: não saia daqui depois da hora.