
Mujica
O mundo lamenta a morte de José “Pepe” Mujica, o grande humanista e emblemático líder socialista que abraçou e ajudou a construir a democracia no Uruguai. Governou seu país com civilidade e espírito democrático, honestidade e sobriedade no trato da coisa pública. E, como disse a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, sempre soube que o poder é um instrumento e não um fim em si mesmo — um meio, e não um objetivo da luta política.
De dirigente tupamaro na juventude, preso por 14 anos durante a ditadura uruguaia, Mujica tornou-se uma referência para a esquerda democrática da América Latina e do Brasil. Defendia os valores democráticos e, sistematicamente, criticava e rejeitava os populismos autoritários da região, como os da Venezuela e da Nicarágua. “A democracia — disse Mujica — não é perfeita. A democracia está cheia de falhas porque são nossas falhas humanas, mas até agora não encontramos nada melhor. Portanto, é fácil perdê-la e é difícil ganhá-la novamente. Nós temos que cuidar disso.” Enquanto o presidente Lula da Silva, por diversas vezes, elogiou Nicolás Maduro e até o sistema político venezuelano, Mujica sempre foi um crítico duro e direto: “Maduro é um ditador” e existe um “governo autoritário na Venezuela”.
Como um filósofo político, Mujica também criticou duramente o consumismo da sociedade moderna e assumiu, com coerência, uma vida frugal, digna e distante dos encantos da sociedade de consumo — o que era consistente com seu engajamento na defesa do meio ambiente. “Para mim — afirmou ele — a frugalidade é uma maneira de viver […]. Porque, se eu deixar que as necessidades se multipliquem ao infinito, tenho que viver para cobrir essas necessidades, e não me sobra tempo para fazer as coisas que me motivam. […] Pobre é quem precisa de muito.” A opção pela frugalidade, sabia ele, não era sequer acessível a milhões de cidadãos da América Latina — vulneráveis, vivendo à margem da sociedade e excluídos mesmo do consumo frugal. Se ele não disse, pode-se acrescentar: a inclusão desses milhões de vulneráveis será possível apenas com a frugalidade da sociedade como um todo.
Quantas lições Mujica deixa para a esquerda latino-americana, e particularmente para a esquerda brasileira: a civilidade no trato político; a defesa da democracia como valor civilizatório; a compreensão do poder como um meio de servir à sociedade — e nunca como um fim político; a preferência por uma sociedade frugal, que, por fim, exige uma vida simples e despojada dos militantes e políticos.
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