Editorial

Que ninguém se iluda.  O verdadeiro propósito da Lei de Abuso de Autoridades é intimidar juízes, procuradores e policiais, e inibi-los para o exercício regular de seus misteres.  Pois suas disposições são, ou inócuas, por inexequíveis, ou redundantes, por repetirem regras da legislação vigente.  Para disfarçar, foram incluídos alguns casos de “abusos” do Poder Executivo e do Legislativo, neste último caso ainda mais etéreos, pois os parlamentares nem judicam nem executam.  Tomemos alguns exemplos.: 1) No caso de “abusos” do STF, a objeção é peremptória: quem os julgaria?  O próprio Supremo Tribunal?  Fosse isso viável, o velho Lewandowski estaria condenado, pelo seu ignominioso aval ao “fatiamento” da punição da presidente Dilma Rousseff no processo de impeachment, em flagrante agressão ao espírito e à letra da lei:  “… perda de mandato COM suspensão de direitos políticos …”  2) Na hipótese de abusos de juízes, ao determinar prisões preventivas fora das exigências legais (riscos de fuga do acusado, destruição de provas e coação de testemunhas), a quem caberia o juízo de tais circunstâncias?  Ao próprio juiz.  E de uma hipotética decisão errada caberia recurso à instância superior.  3) Em se tratando de ações policiais, a imposição de algemas ao prisioneiro justifica-se para evitar fuga ou reação violenta.  E a quem cabe a avaliação de tal risco?  Ao agente policial, não pode ser outrem.  Excessos, também neste caso, são puníveis “a posteriori”.  E assim se verifica em quase todos os demais casos.  Ainda que os agentes da lei visados – magistrados, membros do MPF, PF, etc – não se deixem intimidar, os investigados e criminosos, pelo subjetivismo no entendimento das situações, terão sempre a possibilidade de processá-los, entulhando a Justiça e agravando seu principal problema: a morosidade.  A verdadeira motivação da manobra dessa lei, que já vinha sendo articulada há alguns anos, é a revanche contra a Operação Lava Jato, e a verdadeira revolução que ela vem promovendo contra a corrupção endêmica das autoridades públicas, vergonha histórica do nosso país.  O momento atual, com a ofensiva deflagrada contra juízes e procuradores com apoio em gravações de ligações clandestinas, pareceu propício à investida final.  Resta apenas a quem tem a responsabilidade de sancionar ou vetar a lei, o gesto de supremo tirocínio.  Nosso presidente, cujas debilidades são notórias, e têm sido expostas e agravadas a cada pronunciamento destemperado de sua parte, tem a oportunidade de demonstrar algumas de suas alardeadas virtudes: a autoridade e o destemor.  A lei, em sua integralidade, deve ser vetada.