V – Armando Mendes
No ano de 1968, participei, como observador da FUNDINOR – Fundação para o Desenvolvimento Industrial do Nordeste, da reunião de criação da SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia. Na verdade, um belo passeio pelo rio Amazonas, com o rótulo de “seminário”, a bordo do navio Rosa da Fonseca, começando em Manaus e terminando em Belém.
Ao final da alegre vilegiatura, já na capital do Pará, tratei de reencontrar um velho amigo, que se havia transferido para ali, com a família. Aleksei Turenko, filho de um russo emigrado de mesmo nome que trabalhava como químico de um curtume em Campina Grande, era companheiro de grandes aventuras náuticas e esportivas na Praia Formosa, onde nos conhecemos. Almocei com ele e sua família, e ele me convidou para um jantar com um dos seus professores do curso de economia que estava fazendo (ou havia concluído, não lembro mais). E foi assim, degustando um pato ao tucupi, que eu conheci o Dr. Armando Mendes, o “Celso Furtado da Amazônia”.
Nossa conversa foi trivial, tanto que não guardo memória dela. E da importância do meu interlocutor, só fui ter consciência muito tempo depois.
Em 1988, eu fazia parte de uma comissão de técnicos constituída pela SUDENE para acompanhar os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte. Passávamos semanas inteiras em Brasília, assessorando os constituintes do Nordeste, formulando dispositivos relacionados ao velho princípio do tratamento diferenciado para a Região. E como o pessoal da Amazônia também circulava por lá, com propósito semelhante, tivemos alguns encontros com eles. No primeiro, distingui um senhor de mais idade, de aspecto elegante e respeitável, que logo me cumprimentou:
– Como vai, Clemente?
Incrível! Só então o identifiquei! E ainda surpreso, correspondi:
– Tudo bem, Dr. Armando. E o senhor? Quanto tempo, hem?
– Pois é. Vinte anos.
Fantástica, a memória do homem, e a atenção a um garoto mal saído dos cueiros! Talvez o fato de ter ele um filho de mesmo nome, jornalista em Brasília, casado com uma prima minha – o que só fui saber depois – ou a possível leitura de algum dos poucos textos que eu havia publicado em jornais do Rio ou São Paulo, tenham contribuído para avivar-lhe a minha lembrança. Não sei.
Tivemos alguns entendimentos com ele, em ótimo clima, no cumprimento da nossa missão. Recordo algumas observações interessantes suas sobre a região Amazônica:
- A palavra “Amazônia” seria a segunda de maior curso no mundo, só perdendo para a ”coca-cola”.
- “Amazonense” era o habitante do Estado do Amazonas. “Amazônidas” eram todos os habitantes da bacia, incluindo o Pará (terra dele), Amapá, Roraima, Acre, Rondônia, Mato Grosso e Tocantins.
- A primeira experiência de planejamento regional do Brasil não foi a da SUDENE, mas sim a da SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia), ao tempo em que a palavra “desenvolvimento” sequer tinha notoriedade, daí falar-se em “valorização econômica”. (Cabe a ressalva de que a experiência da SPVEA foi infeliz, e não o foi menos a sua substituição pela SUDAM, obra do então ministro de desenvolvimento regional, João Gonçalves de Souza).
Tempos depois, em uma conferência no Recife, diante de público numeroso, ouvi-o lançar um desafio à plateia. Falava-se de órgãos públicos de desenvolvimento regional, e a experiência da TVA (Tenessee Valley Authority), caso talvez único nos Estados Unidos, era frequentemente referida como modelo. Para demonstrar as limitações de tal exemplo, afirmou ele que o vale do Tenessee era comparável ao nosso vale do Uraricuera. E provocou:
– Quem souber onde fica, levante o braço!
Ninguém levantou. Eu mesmo já tinha conhecimento do tal rio, pela leitura de “Macunaíma”, de Mário de Andrade, mas não sabia exatamente onde ficava. E ele:
– O Uraricuera é afluente do rio Branco, que é afluente do rio Negro, que é afluente do Amazonas!
E assim reduzia a importância do modelo da TVA para a abordagem dos nossos problemas.
Não tive mais a oportunidade de conviver com o Dr. Armando Mendes. Li, em algumas revistas, artigos dele, sempre antenados com as questões candentes da atualidade. Para os “amazônidas”, ele continuará sendo uma figura emblemática. Par mim, uma perene referência de sabedoria, integridade e empatia.
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