XII – Malaquias Batista
Leio, em jornal da Paraíba, que meu amigo Malaquias Batista Filho vai receber – ou já recebeu – o título de Cidadão de Pernambuco, concedido pela Assembleia Legislativa desse Estado. E, de repente, me dou conta de que estava faltando alguém na minha “galeria de notáveis”. Corrijo agora o lapso.
Professor emérito das Universidades Federais de Pernambuco e da Bahia ele já é. E já recebeu homenagem de sua cidade natal, São Sebastião do Umbuzeiro (a terra do Presidente João Pessoa), que instituiu a Comenda Malaquias Batista Filho, além de outras honrarias. Sobre ele, já escrevi e publiquei no Jornal do Commercio , de Pernambuco (24.07.2008) e no jornal O Norte, da Paraíba (05.08.2008) o artigo “Um Professor e o Nordeste”, louvando seu passado de lutas políticas e sua atuação no IMIP – Instituto Materno-Infantil Fernando Figueira, na linha dos ilustres antecessores Josué de Castro e Nelson Chaves. Li alguns de seus livros – “Viabilização do Semiárido Nordestino”, “Alimentação e Nutrição no Nordeste do Brasil” e “Sustentabilidade Alimentar do Semiárido Brasileiro” – e tive breve passagem em um dos seminários que promoveu sobre o tema, no Recife. A propósito, ouvi-o agora anunciar que pretende realizar o 12º e último desses seminários em Umbuzeiro, sua não esquecida querência.
Devo, em parte, a Malaquias uma inflexão na minha vida intelectual e política. Sendo ele um dos três filhos que se formaram – em família de 16, como conta seu irmão José Fernandes, Diretor Geral do Correio da Paraíba – era estudante de Medicina em João Pessoa, e trabalhava no periódico “A União”, do Governo do Estado, para sustentar-se. Como escrevia bem, logo tornou-se o editorialista do jornal. E escreveu um texto em que criticava o meu grupo de poetas, conhecido como a “Geração 59”, pela nossa “alienação”, pois não praticávamos – ainda – a chamada “poesia social”, a que fizeram concessões tantas figuras ilustres, como Vinícius de Moraes, Moacyr Félix, e até mesmo Drummond e João Cabral de Melo Neto. Segundo ele, éramos como passageiros de “sputniks”, girando longe da realidade terrena dos deserdados. E isso foi o bastante para reorientarmos nossas experiências poéticas, resultando até no engajamento de alguns – como no meu caso – em lutas políticas universitárias.
No meu primeiro ano de Faculdade de Direito, tentei ainda – por breve tempo – conciliar a crença religiosa de família com as seduções e revelações de uma realidade de adulto jovem. E ouvi, em um dos “encontros” da JUC – Juventude Universitária Católica, da boca do líder Weber de Melo Lula (depois médico conceituado), o reconhecimento de que “ninguém havia feito mais pela Escola de Medicina do que Malaquias Batista, um comunista”. Não demorou muito para que eu trocasse a JUC pela UJC (União da Juventude Comunista).
Nesse processo de politização, em 1961, após o serviço militar, fui indicado para representar a União Estadual dos Estudantes da Paraíba – UEEP em um Seminário de Estudos do Nordeste promovido pela UNE no Recife. Meus companheiros eram José Bezerra Cavalcante, Tarcísio Burity (depois Governador da Paraíba) e Malaquias Batista. Levamos alguns textos sem grande importância, mas o trabalho de Malaquias foi diferenciado: um estudo sobre as condições de nutrição do trabalhador rural da Zona da Mata paraibana. Neste, ressaltava-se a ironia do destino daqueles pobres camponeses: sua quase exclusiva fonte de energia era a farinha de mandioca, que eles mesmos produziam, de forma primitiva, compondo um círculo vicioso de miséria, que se impunha romper. Com a modesta colaboração nossa, a Paraíba se destacou no Seminário, equiparando-se à Bahia, que contou com a verve de Nailton Santos.
Por sua participação aberta e destemida nas manifestações em defesa dos camponeses, denunciando proprietários rurais mandantes de crimes, nos primeiros anos 60 do século passado, Malaquias, após 1964, não teve condições de permanecer em João Pessoa, e foi trabalhar no Recife, no IMIP. Durante anos, sofreu a pena de só ver a família nos fins de semana. Mas, ao lado das figuras heroicas daquele Instituto, desenvolveu uma obra talvez mais reconhecida no Exterior do que em seu próprio país. Trabalhou incansavelmente, na América Latina e na África, sem nunca perder a perspectiva política do seu trabalho, nem o gosto e a proficiência no velho ofício de escrever.
Hoje, aos 85 anos, com o tardio reconhecimento dos seus méritos e as honrarias recebidas, continua a trabalhar e a fazer planos. A ele dediquei, já faz algum tempo, meu livro “Coco de Roda – Treze Ensaios Iluministas”, na companhia dos nomes respeitáveis de Sérgio Paulo Rouanet, Carlos Nelson Coutinho e Sebastião Simões Filho. E a ele volto agora a prestar minhas reverências.
Bela homenagem, Mestre Clemente.
Abraço grande.