Fernando Dourado

Memorial “Sapatos às Margens do Danúbio”.

A semana que passou tinha tudo para ser a mais feliz de 2020 – até agora, pelo menos, a despeito das circunstâncias anormais.

Como tenho tentado fazer ano após ano, os últimos dias de abril assinalariam o lançamento de um livro novo em Portugal, onde as editoras são menos preguiçosas.

Fazendo imenso esforço desde dezembro, cheguei à Europa depois do Natal, e sacrifiquei todas as festas em inúmeras sessões de retrabalho em Girona, Belgrado, Timisoara, Vichy e Paris. Voltei por uns dias a São Paulo, e retomei a labuta em Viena, Budapeste e Praga – tendo feito um último esforço de revisão de novo aqui em Paris onde, de comum acordo com o editor, liberei “Escuta, Israel” para impressão.

Para não dizer que não fiz uma celebração nesses meses, tomei uns bons copos de vinho em homenagem à coragem e ao desassombro de Carlos Ghosn, que se evadiu das masmorras em que o haviam jogado infamemente em Tóquio. E durante dez dias, confraternizei na Europa Central com um casal de amigos. O restante de meu tempo foi de trabalho insano para finalizar o livro, inclusive em Vichy, a cidade mais modorrenta da Europa, uma prévia para quem teria pela frente um confinamento. Isso porque Vichy é o próprio confinamento, comparando-se à Garanhuns dos anos 1940, e olhe lá.

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Nesse contexto, nos empenhamos – eu como autor, a Glaciar (Lisboa, Portugal) como editora, e o parque gráfico do norte do País, em Braga – para que tivéssemos na data aprazada o meu “Escuta, Israel” em todas as livrarias importantes de Portugal. Para além do esforço logístico levado a efeito pela distribuidora Wook, a melhor, era minha intenção lançá-lo em belo evento em Lisboa, possivelmente na Fundação Mario Soares, ou na Livraria da Travessa.

Feito isso, iria para o Norte, onde teríamos eventos na Póvoa de Varzim, na tradicional livraria Theatro, ademais de outro endereço no Porto. Em homenagem às judiarias de Belmonte, até lá queria fazer um evento, já acordado com uma entidade judaica de São Paulo.

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O coronavírus acabou com os sonhos e devaneios de meio mundo. Por que haveria de ser diferente comigo? Menos mal que o livro está pronto e muito bonito, em esmerado trabalho do editor Jorge Reis-Sá e de sua equipe de arte. A partir da próxima semana, ele já chega fisicamente a 100 livrarias portuguesas, e está aberta a pré-venda pelos sites das principais livrarias, caso da FNAC, Bertrand e Almedina.

Para um escriba dos velhos tempos, nada de mais frustrante. Como ocultar a tristeza de abdicar dos 300 exemplares que negociara para mim, e que lançaria no Recife, em evento privado, só para a família pernambucana? Quando é, aliás, que teremos algo que sequer vagamente se assemelhe a um congraçamento humano?

Mesmo assim, adiante.

“Escuta, Israel” é um livro de 20 contos disseminados por quase 200 páginas. Contrariamente ao que alguns podem julgar, nada tem de religioso. Pelo contrário, retrata a dimensão humana e quase mundana de personagens – os principais, coincidentemente, todos eles judeus e judias -, que protagonizam as histórias. A capa é belíssima e alude a um traumático episódio da história dos judeus de Budapeste, na Segunda Guerra Mundial.

Como é de se esperar, o livro não tem data de lançamento no Brasil, mesmo porque constará do catálogo de outra editora, que no momento está sem bússola, como quase todas elas.

Ambientadas em lugares como Tóquio, Toronto, Rio de Janeiro, Nova York, Recife, São Paulo, Paris, Buenos Aires e Telavive, eis um livro que tem ampla diversidade de cenários e de tipos humanos. E mais, por enquanto, preferia não dizer.

Aos amigos de Portugal, espero que procurem-no nessa reentrada precária de temporada. A começar por vocês, creio que agradará à maioria.