Oscar Coutinho provocou, “Medicina é mais difícil que Direito”. Respondi: “A diferença é que o erro do advogado fica no processo. E, o do médico, se enterra junto com o paciente”. Isso para dizer que não vou falar da vacina, propriamente. Assunto para grandes médicos, como ele. Mas se deve, ou não, ser obrigatória. Problema dos advogados.
Para começar, vacinas, em adultos, não são obrigatórias em nenhum dos 193 países da ONU. Até a OPAS é contra, entendendo ser suficiente metade da população. Em poucos países da Comunidade Europeia, como França e Itália, assim se dá só para proteger crianças contra pneumonia ou doenças contagiosas. Nos Estados Unidos, os Centers for Disease Control and Prevention estão sendo pressionados para que algumas sejam aplicadas em crianças nas escolas. Apesar desse consenso, o Presidente do Supremo afirmou (em 23/10) “ser necessário que o Judiciário decida sobre a vacinação”. Trazendo a brasa para sua sardinha. Mais um erro, no horizonte da converter cada um de nossos 11 Supremos em donos do país. Quando, em nenhum lugar do planeta, o judiciário está decidindo isso. Trata-se, não pode haver dúvida, de atribuição do Executivo. E do Legislativo. Por exemplo, na Europa, certos países (como Portugal) têm até leis que simplesmente proíbem essa obrigatoriedade.
O culpado, nesse debate bizarro, é o Presidente Bolsonaro. Tivesse dito que a vacina deveria ser obrigatória e a Grande Mídia, na mesma hora, estaria contra. Diria ser uma atitude autoritária. De Ditador. E defenderia, ardentemente, sua não obrigatoriedade. Como se fosse um embate da liberdade contra o totalitarismo. Só que a posição dele, num espasmo raro de sensatez, é de não ser obrigatória. E os grandes jornais passam a defender que seja. Como autômatos. Capazes só de fazer oposição. E, nessa tarefa, tudo vale. Um deles fez graça, “Bolsonaro acha que vacina obrigatória é só para seu cachorro Faísca”. Pouco, para quem defendeu sua morte como solução para todos os problemas do Brasil.
No meu caso, antecipo que não tomarei. Porque já tive. O laboratório Genomika/Einstein atestou que sou “IgC reagente” e “IgM não reagente” para a Covid19. A partir daí, não posso mais ser contaminado. Nem contaminar ninguém. Já tendo, meu corpo, a proteção ao vírus que decorreria da tal vacina, é como se já fosse vacinado. Não sou ameaça para os outros. E tenho direito de não correr os riscos, assim considero, que uma vacina como essa representa para quem não é jovem. Como já decidiu o próprio Supremo, no HC 71.373/96, ao reafirmar o “princípio da intangibilidade do corpo humano”. Traduzindo, ninguém pode enfiar agulha, no braço de ninguém, sem consentimento do próprio. Não tomarei, ponto. Se o Supremo assim determinar, posso até ser preso. Fiquem à vontade. Preso eu, enquanto André do Rap está solto. Em resumo, amigo leitor, posição mais sensata é mesmo desejar que a grande maioria dos brasileiros aceitem a vacina. Com respeito àqueles que não devam, por razões médicas. Ou não queiram, por razões íntimas. Democracia é isso.
Sem pôr em questão o aspecto jurídico da obrigatoriedade, ocorrem-me duas questões:
1) A campanha conduzida por Osvaldo Cruz contra a febre amarela no Rio, com os seus agentes invadindo domicílios e quebrando recipientes de água descobertos, teria tido êxito se os habitantes das áreas fiscalizadas se tivessem oposto ao trabalho de prevenção da doença?
2) A varíola, hoje extinta no mundo, estaria em tal condição se a vacinação tivesse sido voluntária? E me lembro de Amanda, mãe preta de duas gerações de meus familiares, que morreu centenária, cercada do nosso carinho: quando jovem e ignorante, teve de ser levada à força para a vacinação. Para o bem dela e nosso.
Antes de mais nada quero expressar minha satisfação com a notícia de que o renomado jurista José Paulo Cavalcanti Filho tenha tido Covid e tenha se restabelecido felizmente sem sequelas. Mas a bravata de que não tomará vacina, porque ninguém pode obrigá-lo, é só isso mesmo, bravata, porque é claro que ninguém vai obrigar a celebridade, levá-la amarrada, ainda mais com um governo de liberais de fancaria. Nem vou discutir argumentos a favor ou contra a vacina obrigatória, ou se podem existir grupos em que a obrigatoriedade se justifique e outros grupos em que não se justifique. Só anoto que liberdade de não tomar vacina não tem nada a ver com liberdades democráticas, isto é, com democracia, nem com liberalismo político. Não precisamos ir tão longe quanto recomendar a leitura de John Rawls, quando explica longamente que “as liberdades básicas não só limitam umas as outras como são autolimitantes”. Basta lembrar algo mais simples, que ouvia em criança: “a liberdade de um termina onde começa a liberdade do outro”. Claro que é simplista comparado com a noção de liberalismo político, justiça igual e democracia de John Rawls. Mas até isso já indica que a “liberdade” de não tomar vacina não pode ser defendida invocando a democracia e o liberalismo.
Meu caro, Zé Paulo
Raramente eu discordo da sua opinião. Em grande parte, porque a lógica e a competência da sua argumentação simplesmente me convence. Embora utilize argumentos bem contundentes, não concordo com a sua posição no artigo “Vacina, sim. Obrigatória, não”, publicada nesta edição da Revista Será? A democracia não pode tolerar que um cidadão se comporte contra os interesses da sociedade. E, embora ninguém pode defender que a policia entre na casa das famílias com a seringa na mão, é necessário definir restrições e punições para os que não quiserem tomar a vacina, exceto, claro, os que já estão imunes, como você, ou que mostrem razões de saúde. Peço a permissão para desenvolver este pensamento num artigo para o próximo número da revista. Abraços, Sérgio