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O coração, como órgão vital ou emblema de sentimentos, tem uma longa história no imaginário humano. Tem inclusive uma bela carreira literária, que dispensa citarmos autores, tantos são os que o evocam e o homenageiam. O órgão biológico e sua mitologização se abraçam e se confundem. Ele “tem razões — para citar a conhecida frase pascaliana — que a própria razão desconhece”.

Em face, por assim dizer, da centralidade cultural e poética do coração, o cérebro é uma “invenção” recente. Mais célebres são as caveiras, que evocam a morte e seu enigma e não passam de caixas cranianas… já descerebradas. O cérebro é invisível e secreto. Foi como que eclipsado, por força das religiões e da cultura, por palavras e seres mais “prestigiosos”: alma, espírito, demônio, coração…  Só há mais ou menos um século, a medicina pôde ir em busca do cérebro, que, apesar de iluminado pelos avanços tecnológicos, continua a ser um instigante labirinto. Não só labirinto, mas a verdadeira sede da alma, do espírito e dos nossos demônios. A rigor, ele é o mestre invisível, o responsável por sermos como somos. Em sua discrição, nada lhe escapa: linguagem, pensamento, consciência, caráter, comportamentos…

Há mais de uma década (me perdoem esta nota pessoal), me tornei um leitor voraz de neurociência. Ainda que de leigo, minha curiosidade e meu fascínio me levaram a uma grata e relativa intimidade com o mais fascinante de nossos órgãos. Mal sabia eu que, em 2016, por grata indicação do grande neurologista Sergio Novis, precisaria passar por uma cirurgia de um neurinoma do acústico, que foi realizada com pleno êxito por Dr. Paulo Niemeyer Filho e sua equipe. Esses tumores, embora geralmente benignos, são uma bomba-relógio, pois crescem com o tempo, pressionando o restante do cérebro com consequências devastadoras para a vida do paciente. Hoje, digo brincando que, depois que Dr. Paulo abriu minha cabeça, estou com as ideias mais arejadas…

Não foi, portanto, sem uma dupla alegria que li “No labirinto do cérebro”, que Dr. Paulo Niemeyer acabou de lançar. Livro que não posso deixar de recomendar, inclusive por ter virtudes que o tornam extremamente acessível ao leigo: clareza, simplicidade e tom de conversa, mas conversa em que não faltam um didatismo sem afetação e aquele saber de “experiência feito” tão louvado por Camões. Por trás dessa voz de conversa entre amigos, em que não faltam oportunas referências literárias, está, como se sabe, um grande médico, um dos maiores, senão o maior, dos neurocirurgiões brasileiros.

Em meio à profusão de casos clínicos narrados, no labirinto mesmo das diversas morbidades e condições que afligem os pacientes, chama a atenção os valores por que se pauta o autor. Sua dedicação e transparência são incondicionais. O recurso de dar esperança aos que sofrem é uma constante. A participação do cliente nas decisões é outra. Na qualidade de médico, sua aposta, como ele próprio diz, é sempre no doente e nunca na doença.

Didático, como já dito, “No labirinto do cérebro” vai como que respondendo ao leitor as mais frequentes perguntas, iluminando temas que estão em nosso dia a dia antes, por assim dizer, de estarem nos consultórios e centros cirúrgicos: o coma, a epilepsia, os acidentes vasculares cerebrais, os aneurismas, a doença de Parkinson, as demências. Mas nada desse “cardápio” desafiador é tratado com aridez acadêmica, mas com o “molho” que se derrama da paixão e da humanidade do seu autor. Por isso, o olhar do mestre também se volta para os aspectos estéticos, para a psicanálise, a tecnologia, a literatura e para, de passagem, a história de sua própria área, na qual seu pai, Paulo Niemeyer, foi um grande e pioneiro inovador, tendo sido inclusive um “autodidata no início da sua carreira”.

Enfim, deixamos a leitura de “No labirinto do cérebro” com a sensação de encantamento. Não há perdição nesse labirinto, só há ganhos e conhecimento. Conhecimento também é saúde! Assim, sem dúvida, os corredores e câmaras desse “labirinto” estão dia a dia mais iluminados. Se “é um perigo estar vivo”, como diz Dr. Paulo a nos lembrar Guimarães Rosa, também é bom recordar, como escreveu Hölderlin, que “Onde mora o perigo também mora a salvação”.