Uma quarta feira prosaica. Nublada. Nada recifense. Insisto em concluir os planos de aula do semestre. Estou no computer. São dez horas de uma manhã inodora.
De repente, a tela avisa que há mensagem. Paro. Abro a caixa de entrada. Vem de Rafaella, minha nora. Informando que acaba de tomar a vacina contra o covid. Dito assim, parece que o dia continuou o mesmo. Não. O dia se iluminou. Nuvens foram embora. Uma fresta azul surgiu no céu. E um facho de sol iluminou a monotonia do cinza.
Não se trata apenas do fato de Rafaella ter tomado a vacina. Acontece que ela é médica. Trabalha em duas instituições. Uma, hospitalar. Contato direto com ambiente de risco. A outra, uma indústria. Interagindo com dezenas de pessoas.
Rafaella é trabalhadeira. Não só como profissional. Mas, um dia, chegando a sua casa, encontrei-a pintando o quarto de Valentina, sua filha, minha neta. E se dedica com esforço continuado à ciência que abraçou. Outro dia, me disse que estava fazendo curso de especialização em uma das áreas da medicina.
Fiquei confortado. Por ela. Pela filha. Por meu filho, Tiago. Pelas famílias pernambucanas. Pelo Brasil. Tão estiolado. Tão afrontado. Tão pouco cuidado na pandemia. Não fora a experiência notável do SUS, não sei o que seria da população. À mercê da ignorância e da incompetência.
Mas, voltemos à minha manhã de quarta-feira. Agora, reinaugurada. Em outras bases. Revigoradas. Convidei Conceição para almoçar. Fomos à praça de Casa Forte. No carro, botei Piazzolla. Interpretado pelo violoncelista chinês, Yo Yo Ma. Comemos uma tilápia. E, para não perder o hábito, fiz uma escala na livraria.
Uma olhada aqui, outra ali. Descubro o Ensaio Autobiográfico, de Jorge Luís Borges. Pronto. O dia está completo. Compra feita, tenho a Argentina em corpo e alma. Nos olhos, nos ouvidos e na mente. Hoje, transportei-me a Buenos Aires. Só falta ver Francisco. Mas, este, presta serviço além do pampa.
Vacina?
(Tomar ou não Tomar)
Meraldo zisman
Médico Psicoterapeuta
O vocábulo medicação nos remete a uma interpretação mais ampla do que o simples ato de tratar um paciente. Nele está incluído o emprego de agentes terapêuticos como caminhadas, panos quentes, massagens, fisioterapia, além de qualquer outro recurso.
O princípio da não-maleficência no tratamento para aliviar ou melhorar, quando possível, um sofrimento ou uma doença ou na profilaxia, no caso da vacina, exige, antes de tudo, o respeito à regra “primum non nocere” ou “primum nil nocere”, expressão latina usada na bioética que significa “primeiro, não prejudicar”.
Sem desejar banalizar, estamos saturados ou inteiramente desinformados sobre a eficácia das vacinas contra o coronavírus. Um dos argumentos é que têm um efeito protetor em 50% ou 70% dos vacinados, além dos milhares de efeitos colaterais indesejáveis, que podem levar à morte de quem tomar a tal da vacina, seja ela fabricada na Rússia do Sputnik, na China ou na norte-americana da Pfizer. Lembro que medicamentos são apenas parte da arte-ciência médica, aquela que combate o mal, a dor, a doença, o sofrimento e que se espera seja 100% eficaz, como se fosse um cálculo da resistência de uma pilastra de sustentação de uma ponte, um edifício ou uma simples marquise.
Vamos ao título desta crônica.
Desde os anos de 1940 constatou-se, do ponto de vista epidemiológico, o aumento da incidência de patologias, sejam elas os tumores neoplásicos (cânceres) ou as doenças infectocontagiosas, que são aquelas de fácil e rápida transmissão, provocadas por agentes como um vírus ou um bacilo que causa sífilis ou tuberculose, que atemorizaram a população global em diferentes instantes da História.
Não são poucas as evidências científicas a sugerir que estados emocionais, como a perda de esperança, a resignação, a repressão da agressividade, a depressão decorrente de desemprego, guerras ou matanças podem constituir-se em fatores prognósticos do risco evolutivo de determinadas patologias. O sistema imunológico pode ser considerado como um órgão difuso no nosso corpo; é como se cada um de nós possuísse um eixo neuro-imunológico. Diria ademais que as adversidades vitais alteram o “self” emocional, aumentando ou diminuindo nossa resistência ou fraqueza contra entidade viral, bacteriana ou até os tumores neoplásicos. A Medicina atual dialoga com todas as áreas do conhecimento humano e a maneira arcaica de pensar o ser humano como uma corporação física e singular continua nos fazendo pagar um pesado tributo pelo não reconhecimento das individualidades da pessoa.
Oportuno será lembrar que números são importantes, mas não se prestam para narrativas das nossas vidas, que não se resumem a estatísticas, algoritmos. Números não contam narrativas, são apenas dados e nada mais. Bastaria lembrar que os dados coletados são publicados ou trocados por conveniência histórica, além de serem utilizados politicamente, e que as doenças, do mesmo modo que os figurinos, são modismos de determinadas épocas. Lembrem-se de que a tuberculose já foi a doença dos grandes escritores e compositores: basta lembrar dois: Chopim e Kafka. Já pouco antes do aparecimento da presente gripe/epidemia as grandes preocupações eram com a “Síndrome do Esgotamento Profissional” e a Depressão. Alie-se ainda a essas agressões à estabilidade emocional das pessoas a divulgação de dados nas redes de comunicação de todas as categorias, que informam sem avaliar as consequências atemorizantes de suas narrativas, fato já comentado por mim em outro escrito. http://www.chumbogordo.com.br/32580-pandemidia-por-meraldo-zisman
A dúvida entre tomar ou não a vacina, quando ela estiver disponível para todos nós, faz-me lembrar uma lenda sufi intitulada NASRUDIN E A PESTE, já mencionada num artigo de minha autoria (www.chumbogordo.com.br/32580-pandemidia-por-meraldo-zisman) que conta assim:
“A Peste ia a caminho de Bagdá quando encontrou Nasrudin. Este perguntou-lhe: — Aonde vais? A Peste respondeu-lhe:— Bagdá, matar dez mil pessoas. Depois de um tempo, a Peste voltou a encontrar-se com Nasrudin. Muito zangado, o mullah disse-lhe:– Mentiste. Disseste que matarias dez mil pessoas e mataste cem mil. E a Peste respondeu-lhe: — Eu não menti, matei dez mil. O resto morreu de medo”.
O sufismo é conhecido como a corrente mística e contemplativa do Islão. Os praticantes do sufismo, conhecidos como sufis, procuram desenvolver uma relação íntima, direta e contínua com Deus, utilizando-se das práticas espirituais transmitidas pelo profeta Maomé, conferir no site https://pt.wikipedia.org/wiki/Sufismo, para maiores detalhes.
Nesta era das comunicações o medo, mais do que qualquer outra coisa,
serve como fundamento para aterrorizar a população global.
Diria até que as forças midiáticas que modelam as nossas mentes não perdem nem para a Natureza, aqui entendida como universo, mundo, meio ambiente. E isso tem muito a ver com a nossa triste polarização política, que é mais perigosa do que qualquer pandemia, inclusive a atual, da qual estou convalescendo.
Feliz, bonita, a crônica. Entendo o contentamento: fiquei contente quando soube que minha sobrinha, enfermeira-chefe numa UBS na periferia de São Paulo, tomou a vacina semana passada. E esta semana o marido dela, que trabalha em outro posto de saúde. Estão passando bem. Foi a Coronavac. Digo brincando que são “meus cobaias”. Na verdade, cobaias, foram os voluntários da 3a fase, a dos testes clínicos. Contente, também, com a vacinação da sua nora. Afinal está caminhando a vacinação. Vai chegar a minha vez na fila .