No começo da humanidade, a deusa Iustitia reinava. Nessa Idade do Ouro, deuses e mortais andavam juntos em banquetes e festas. Homens não conheciam a velhice. Quando chegava o tempo de morrer, simplesmente adormeciam. Em paz. Mais importante é que “nada tinham a esconder e o roubo não existia”, lembra Pierre Grimal (Dicionário da Mitologia). Já não é assim. Ao menos por aqui, hoje.
A história se repete, e nem sempre como farsa, razão tinha mesmo Maquiavel (O Príncipe) no seu debate com Marx (18 Brumário). Em 2009, na Operação Castelo de Areia, 4 diretores da Camargo Correia foram presos. E muitos poderosos corriam risco de lhes fazer companhia. Até que entrou em ação Marcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça de Lula. E o ministro do STJ Cesar Asfor Rocha encerrou o processo usando um argumento pífio, de serem anônimas as fontes da denúncia. Sem se incomodar com o fato de que as investigações confirmaram haver mesmo corrupção, grande, no governo de então. Palocci depois confessou que o PT premiou Asfor com grana, muita, isso ainda veremos algum dia. Ou não, tudo é mistério.
Há só duas consequências importantes, nesse HC 193.726 de agora. O mais são detalhes. 1. Prescrição. Lula não voltará à prisão. Todos sabem disso. Que, com mais de 70 anos, prazos se contam pela metade. Está livre. Pode comemorar. 2. Ficha limpa. Lula poderá ser candidato; o que, para a democracia, é sempre algo bom. Como ensina Grândola, Vila Morena, de José Afonso, “o povo é quem mais ordena”.
Na essência, uma Corte de Justiça respeitável teria que decidir o que é importante para o Brasil. E deveria ser o combate à corrupção. Mais que tudo. A decisão de Facchin baseia-se numa tecnicalidade discutível. A grana do triplex era da OAS, que tinha vários focos de atuação. Pode-se sustentar que veio da Petrobrás, e a Vara certa seria a de Curitiba. Ou não haver certeza disso, e iria para Brasília (domicílio de Lula). Sabendo que o preço de uma decisão assim corresponderia à desmontagem de todo o trabalho de combate à corrupção no país, e jamais a decisão da Corte poderia ter sido a que foi. É desalentador.
Voltando à lenda romana, sabemos que a deusa Iustitia, por conta de crimes que passaram a ocorrer, foi obrigada a abandonar a terra. E se refugiou no céu, onde acabou sendo uma constelação – a de Virgem. O céu. Bom lugar para se estar, agora.
Governantes e parlamentares que não honram seus cargos podem ser mudados em eleições a cada 4 anos.
E quanto ao estamento jurídico-burocrático das cortes superiores, como efetivamente chamar à responsabilidade um ministro do STJ, como o acima citado neste artigo?
Destaco no texto o corajoso posicionamento do Dr. José Paulo Cavalcanti Filho, que pra mim é muito caro: “Na essência, uma Corte de Justiça respeitável teria que decidir o que é importante para o Brasil. E deveria ser o combate à corrupção. Mais que tudo.”
A prática da corrupção no Brasil acontece em quase todos os níveis dos negócios da nossa sociedade que envolvam usos de recursos públicos oriundos do recolhimento de impostos. O que acentua a conhecida e brutal ineficiência resultante do duro trabalho dos brasileiros na construção do nosso País. Por isto, fico com a impressão que a maioria dos estudiosos e acadêmicos em geral preferem ‘jogar pra platéia’ nas discussões sobre o futuro da nossa sociedade.