Tempo é história. O tempo existe na medida dos fatos. A humanidade levou um milhão de anos para passar da cata de alimentos à agricultura. Levou dez mil anos para substituir o neolítico pela civilização urbana. Levou dois mil anos para sumir com a visão mágica dos egípcios. E trazer o olhar racional dos gregos.
No início do século 19, a locomoção dos homens dependeu do cavalo, em terra. E do vento, no mar. A partir da Revolução Industrial, com o progresso científico e tecnológico, chegou o veículo a motor. E, junto com maior velocidade, veio a aceleração do tempo. E da história.
No século 20, descobertas científicas converteram-se em processos tecnológicos. Então, a internet acelerou o terciário moderno. E, com ela, a história. Acelerar a história significa acelerar fatos relevantes. Mas, na medida em que a história (e os fatos) vão ganhando mais velocidade, tornam-se menos relevantes.
Na prática, os fatos (e a história), velozes, vão se sucedendo no tempo. E nos transmitem a sensação de que o tempo está passando rapidamente. O que ocorre é que a tecnologia acelera a vida. Os fatos da vida. E a história. Temos a impressão, nesse turbilhão, de que o viver é quase uma passagem cosmética. Ou não ?
O fato é que a relação entre homem e natureza determinava um certo ritmo ao tempo. E, agora, a relação entre homem e tecnologia, fixa cadência de outra natureza. Com a natureza, o ritmo era de 33 rotações por minuto. Com a tecnologia, a cadência é de 78 rotações por minuto.
Esta alteração de ritmo muda a qualidade de vida. Precisamos ficar atentos. Porque, quando entramos no outono da existência, como eu, impõe-se restaurar a cadência de 33 rpm. Para sentir melhor o gosto das estações. E o sabor do tempo.
Hoje de manhã, por exemplo, tomei uma lição sobre as sinfonias de Beethoven. Aprendi que ele buscava, acima de tudo, a felicidade. Tanto na Eróica (sinfonia 3), quanto na Pastoral (sinfonia 7). E quando diziam a ele que a oitava sinfonia não tinha nada de extraordinário, ele respondia: “É por isso que ela é notavelmente diferente”. Não terá sido por outra razão que Beethoven incluiu na nona sinfonia poema de Schiller sobre a alegria dos homens.
No final da tarde, fui buscar umas compras no supermercado. Deslizei calmamente pela área de bebidas. Dedo a dedo, fui olhando, salivando. E escolhi uma champanhota. E tenho justificativa: o insólito frio recifense. Ele exige proteção. É o que faço, agora, enquanto ouço Charlie Haden.
Mas, como escrevia Nelson Rodrigues, o que eu queria dizer mesmo era o seguinte: na vida acelerada em que estamos, é essencial que recuperemos o sentido legítimo da vida. Basta de violência, de incompreensão. Selemos a paz com o mundo. Como faz bem fazer o bem ao outro. O pequeno grande gesto. Ajudar uma senhora a atravessar a avenida Rui Barbosa. Faz um bem …
Tanto quanto ler Carlos Drummond de Andrade:
“Para você, desejo todas as cores desta vida, todas as alegrias que puder sorrir, todas as músicas que puder emocionar”.
Boa noite.
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