A “Salla de Dançar no Clube da Aeronáutica é um encontro dançante de grupos formados por entidades e organizações de pessoas da boa idade e turistas, onde buscamos entretenimentos e lazer no happy hour das quintas feiras com boa música tocada pela banda ‘Como Antigamente’ e outras atrações”. Assim diz o site onde consultei o endereço.
Há tempos acalentava a ideia de ir a esse baile, freqüentado por colegas de ginástica. Na minha rotina madrugadora, caminho até o Segundo Jardim, onde me incorporo à “Academia da Cidade”. Grande idéia, ao tempo do prefeito João Paulo. Um projeto em prol da saúde e que se desdobra em lazer, pela natural sociabilidade que se estabelece entre os (sobretudo as) frequentadores.
Jacira é uma líder pela própria natureza sua: expansiva, agregadora, alegre, comunicativa. Ela quem sempre insistia para eu ir ao baile. A princípio tentou me catequizar para participar da ginástica coletiva. Expliquei-lhe da minha escoliose, da especificidade de meus exercícios e alongamentos. Mesmo assim, terminei sendo adotada pelos alunos e professores, nas comemorações, na cumplicidade. Posso deixar tênis, short, I-pod, boné, para um mergulho, que certamente encontrarei tudo na volta. Entro no grupo nos períodos pré-carnaval e pré-São João, quando a professora encerra a aula colocando músicas de frevo ou forró para esquentar as baterias.
Os que malham nas academias outras, não sabem o que estão perdendo. Em vez de uma TV e/ou um barulho ensurdecedor, a vista do mar ao nascente do sol ou ao poente, a brisa natural e não ar condicionado. A música é mais baixa. Tudo de graça, com direito ainda a um banho de mar. Às águas frias do oceano de manhazinha ninguém se atreve. Só eu.
Entrei no Clube da Aeronáutica com o mesmo espírito com que saio dos concertos de Brandenburg de minha caminhada para ouvir as escolhas musicais dos professores de ginástica do Segundo Jardim (às vezes tem música boa…).Cheguei pelas 20 horas, depois de hora e meia aguardando taxi. Clarice Lispector me fez companhia. Afinal, não tinha pressa.
Pronta para o baile. Um vestido colorido, comprado em boa loja, de corte elegante, porém um estampado tipo Sulanca. Salto alto, bem ajustado aos pés, bom para dançar. Pensei: com essa roupa eu serei igual.
Como na quinta feira 07 de novembro tinha a atração especial de um cantor (desconhecido para mim), todos os salões estavam lotados, me explicaria Jacira. Fui caminhando por entre as mesas até encontrar minhas colegas. Não foi uma tarefa fácil. Mas também ali não tinha pressa. A atitude de procura me permitia observar os freqüentadores.
O lugar das moças, embora atrás, ficava no salão maior e melhor, com janelas abertas à brisa do mar. Fui recebida com cerveja bem gelada, num misto de alegria e espanto de eu estar lá, mesmo tendo sido convidada. Como se não fosse o meu lugar. O prato de salgadinhos estava acabando. Os garçons servem bebida. Comida, só no selfservice. Nova circulada pelos salões. Optei pelos queijos. Sem habilidades de garçom, quase derrubo o prato passando por um casal que dançava entre as mesas.
Fotografei minhas companheiras da noite. A única magra estava discreta em calças compridas e blusa pretas, com um colar colorido. Todas as demais, vestidas mais de acordo com a grande maioria das moças do lugar. Calças compridas, saias ou vestidos justíssimos, blusas idem. Muito brilho. Numa mesa próxima uma moça fazia uma síntese exagerada da moda feminina: calça dourada; blusa preta com fios dourados; cinto dourado; sandália de saltos muito altos; bijuterias combinando com a roupa; pele morena, cabelos louros lisos e longos.
Em finais da década de 1970 e começos da seguinte, a esquerda intelectual vinda de 1964 e 1968 passou a freqüentar clubes populares. Aqui no Recife sei do Clube das Pás. Em São Paulo, predominavam as gafieiras (copiadas do Rio de Janeiro, tanto quanto as Escolas de Samba). Formávamos como um enclave, perfeitamente confortável e à vontade.
Não foi assim no Clube da Aeronáutica. Ilusão minha que ficaria igual. Lembro de minha avó Palmira. Em meados do século passado, criticava a moda de verão, onde as mulheres de classe, pela vestimenta, se misturavam às sem classe. Engano dela. Há uma distinção sutil que perpassa a linguagem, o modo de andar, de se portar, de se vestir. Muitos sociólogos já se debruçaram sobre detalhes esses e outros, diversos da propriedade ou não dos meios de produção, a diferenciar as classes sociais.
A música era razoável, tipo Roberto Carlos. Acompanhei a alegria das companheiras de mesa dançando sozinhas. Uma foi convidada ao salão, a mais farta em carnes. Vendo-me fora do padrão, não alimentei esperança. Mas um negão alto, calado e bem apessoado me tirou para dançar. Quando me cansei, permaneci no salão. Luzes verdes e vermelhas vindas do palco cruzavam os casais. Celular na bolsinha, bati várias fotografias. Timidamente no começo, até perceber que os fotografados não se incomodavam e até faziam pose. Já que diferente, poderia ser uma repórter. Essa foi a descoberta da noite. Assumido esse papel, tudo ficou mais fácil.
Pois meu encantamento nesse baile se passou dentro de mim. Ver, olhar indiscretamente para o entorno, para os casais dançando. Palavras não têm o poder de expressar o que para mim começou com um certo estranhamento e aos poucos se tornou quase arte. Como se estivesse num dos museus de Londres, onde vi pela primeira vez ao vivo e não nos livros, algumas pinturas de Lucien Freud. Ele teria ali modelos melhores do que no seu studio londrino.
A maioria das pessoas era da cor que o IBGE classifica como pardos, como são na praia do Pina em frente ao meu apartamento, aonde quase não chegam turistas. Uma das colegas de mesa quis saber se eu era japonesa ou nissei. “Por que?” Quis saber. “Você tem os olhos puxados”. Todos que me conhecem sabem que não tenho nenhum traço oriental. Seu modo de perceber a diferença.
Pelo sapato de uns (preto e branco, como dos dançarinos de salões de baile tradicionais), pela diferença de idade entre jovens desembaraçados e velhinhas alegres, dava para reconhecer os novos tipos de casais que não existiam ao tempo em que os intelectuais invadiam as classes populares nos bailes de gafieira, numa tentativa vã de parecerem iguais.Ou simplesmente para uma diversão melhor.
Passei a observar esses e outros casais. Os bailarinos saídos dos cursos de dança de salão para alugarem suas horas a mulheres que gostam e podem dançar acompanhadas é uma grande invenção que veio pari passo com os movimentos de libertação feminina. Mostrar as formas do corpo sem preocupação com gordurinhas a mais é outra conquista. Essa é, porém, privilégio das moças que freqüentam as praias do Pina, os bailes desse tipo de clube. E que hoje inauguram outro padrão de beleza, valorizado pelos homens que com elas partilham a mesma sociabilidade.
Teresa, espero não esquecer de tocar no ‘enviar” pois a cada “rememoração” que a leitura de sua crônica me provoca, as vezes escrevo algo que no entanto tende a se perder para sempre, ficando como os computadores portugueses daquela velha ( também), piada: uma vaga lembrança… Será que sempre esqueço do toque no enviar? ou é um boicote ao público daquilo que de meu, deixaria de ser privado? Como já lhe disse antes em conversa, quem sabe não seja a revista com sua postura de “forte abraço falocrático” provocadora dessa inibição? De qualquer forma Teresa, você é admirável no quesito sociologia aplicada: nem toda branca teve o prazer de desfrutar uma dança de salão com belo negrão!
TERESA SALES , realmente relembrar os bons momentos da infancia e da adolescencia, nos proporciona bons momentos de felicidade e alegria.
Na minha opiniao, as musicas dos anos 60, 70 e 80 sao agradaveis.
Mais um avez , solicito que informe o nome do seu pai , voce deve ter orgulho dele e eu posso o ter conhecido.
Nao entendi o porque nao me informou .
Aguardarei.
Deus nos proteja e nos de saude , paz , sucessos e sorte, sempre , amem.
Abraco.
ITO CAVALCANTI
Rancho Cordova , California, U.S.A..
Tereza, P^xa,, adorei. Isto não é artigo. Isto é “diário de campo”. Você evoluiu: de seguir de longe os exercícios da “Cademia da Cidade”, você incorporou-se a ela, indo parar num “baile da terceira idade”. Nem foi por curiosidade, nem como pesquisadora. Simplesmente atendeu a um convite… Claro que “conhecer o ambiente” não é previlégio de cientistas sociais, é humano. Gostei muiiiito, pois está na minha pauta frequentar estes lugares porque ADORO DANÇAR! Com negão, jovem, velho! Olhos puxados? Quero puxar os meus, sÔ!
Teresa, Gostei muito da sua crônica. Principalmente porque você descreve a academia onde faz ginástica – Academia da Cidade do Primeiro Jardim de Boa Viagem – de uma maneira que me dá água na boca:
“Os que malham nas academias outras, não sabem o que estão perdendo. Em vez de uma TV e/ou um barulho ensurdecedor, a vista do mar ao nascente do sol ou ao poente, a brisa natural e não ar condicionado. A música é mais baixa. Tudo de graça, com direito ainda a um banho de mar.”
Realmente é uma academia e tanto!!! Além disso tudo os frequentadores também promovem bailes animados. Gostei também das dicas para evitar “chá de cadeira”.
Teresa, raramente conseguimos misturar as experiências pessoais com reflexões. Você conseguiu de maneira emocionante. Sem faltar humor. É deste tipo de textos que precisamos. Parabéns e obrigado.
Cristovam
O baile, na verdade, foi uma escolha proposital para dar sequência às crônicas “Noites recifenses”. Nas anteriores, como decorrência de uma programação intencional de lazer, a crônica surgiu depois. Nessa, ao contrário, fui ao baile com a intenção de escrever a crônica. E para mim, a descoberta da noite, afora uma certa sociologia do cotidiano que subjaz a todas as minhas crônicas, foi achar beleza numa estética de corpo e de vestir das mulheres (diversa da minha classe social), que me levou a um museu londrino.