Breve reflexão de sabor arendtiano sobre o projeto (consciente ou não) de destruição da oikos pelo juiz Sérgio Moro
Nas últimas semanas, assustado com a “tagarelice democrática” que ensurdeceu a sensatez no país, mais de uma vez senti o impulso de escrever alguma coisa. Mas sou lento e vago, como diz um amigo meu. E quando começava a pensar no que escrever, sentia-me atropelado pelos acontecimentos que se sucediam vertiginosamente. Era como se o próprio tempo tivesse enlouquecido. O que tinha a duração de uma semana se transformava em dia; e depois, o dia se transformava em horas. (No momento em que escrevo [10 horas e 27 minutos de sábado, 19.03.16], com essa guerra de liminares e cassação de liminares a respeito da posse de Lula, as horas estão se transformando em minutos…) Assim, resignei-me a ficar no meu canto, assustado. Na última quarta-feira, todavia, quando assisti à divulgação (não como “vazamento”, mas como uma publicidade dada pelo próprio poder judiciário do país) de incontáveis conversas pelo telefone de Lula com diversas pessoas, petistas e não petistas (Eduardo Paes, por exemplo), o que era um susto privado tornou-se num susto público! Nem que seja pelo fato de que uma dessas gravações envolvia a própria Presidência da República, fato que tem mobilizado juristas de alto coturno, coisa que não sou, e sobre o qual não é exatamente o que quero falar.
Antes de prosseguir, permitam-me dizer de onde falo. Como todo mundo, sou suspeito. Em relação a Lula e ao PT, sempre fui, do primeiro, um admirador; do segundo, um eleitor. Porém, quando Lula chegou ao poder e fui vendo as alianças que ele se pôs a fazer, comecei a me perguntar se, para assegurar a famosa “governabilidade”, ele precisava chegar a tanto. Quando, em 2012, Lula foi à casa de Maluf para selar o apoio deste ao candidato do PT que concorria à prefeitura de São Paulo, escrevi um texto, chamado Ate Aqui Cheguei (evidentemente “plagiando” Saramago), onde escrevi: “A troca de afagos entre o ‘ex-sapo barbudo’ de que falava Brizola e um corrupto de coturno internacional, procurado pela Interpol, foi a gota d´água que, de tão enorme, já não cabia no copo quase cheio”. E deixei de ser, como se diz, um petista. No entanto, em 2014 votei em Dilma! Por quê? Porque sou (como acho que todo mundo no fundo é) um apaixonado. E quando vi, na abertura da Copa do Mundo no Brasil, em São Paulo, a presidente da República ser vaiada por aquele povo que podia pagar ingresso para lá estar, fiquei indignado e disse a mim mesmo: “vou votar nessa mulher”. E votei. Há razões mais inteligentes para se escolher o voto, concordo. Mas a minha foi essa, confesso. Devo, já que estou no registro das confissões, dizer que continuo não me regozijando com o que anda se passando em nossas avenidas. Continuo não conseguindo simpatizar com panelaços na Paulista, em Copacabana e em Boa Viagem. No mínimo, acho um acinte com quem, de fato, precisa pensar, hoje, se vai ter o feijão com arroz para colocar no fogão amanhã. Ou seja: muitos e muitos brasileiros.
Isso não quer dizer que sou indiferente à maneira que Lula encontrou para a formidável ascensão social que é a sua. Afinal, ele deve muito daquilo em que se tornou ao carinho e admiração que lhe devotamos durante tantos anos – de resto, algo que não lhe foi dado gratuitamente: Lula é, para desgosto dos “esfomeados” da Paulista, um personagem importante da história do Brasil. Isso é uma coisa. Outra coisa é toda essa dinheirama em que andava refestelado e que agora o afoga. E não me refiro à dinheirama das palestras que, supostamente, andou dando aqui e ali, no Brasil no exterior. Nisso, ele está na sua. Ou seja, ele segue uma tradição que envolve ex-chefes de estado mundo afora: americanos, franceses, ingleses, brasileiros… Mas a polícia federal, o ministério público, o judiciário federal de Curitiba e a grande mídia querem porque querem fuçar essa promiscuidade para, entre outros desideratos, nos convencerem daquilo que todos sabemos. Aqui pra nós: empresários rodando a bolsa para pagarem 200 mil reais por palestra (verdade ou bravata de Luiz Inácio?) estão interessados em aprender outra coisa senão o “caminho das pedras”? Mas, me digam, será que esses mesmos empresários, ao pagarem a Fernando Henrique para palestras desse tipo, estariam interessados em aprender Sociologia?… Oh! Oh! Como diria nosso “príncipe da sociologia brasileira” (de resto, alguém que sempre admirei), “for god’s sake!”. Isso dito, passo à reflexão propriamente dita.
Foi sobretudo a conversa de Lula com Eduardo Paes, prefeito do Rio, que, no ato, remeteu-me às reflexões de Hannah Arendt sobre o que é do domínio do “político” (a polis) e o que é do “domínio privado do lar” (a oikos). O lar é “um local seguro, sem o qual nenhuma coisa viva pode medrar”. E, entre os homens, por mais forte que seja sua tendência para adentrar a “luz pública”, eles continuam precisando da “segurança da escuridão”. Aí, “escolhemos aqueles com quem desejamos passar a vida, os amigos pessoais e aqueles a quem amamos”; aí, o exercício da discriminação e dos preconceitos é legítimo. No domínio público, não. Aí, para começar, estamos submetidos às leis da Cidade. Se as respeitamos por adesão sincera ou mera hipocrisia, isso não tem importância. Num certo sentido, isso sequer faria sentido, porque agir “sinceramente” ou “hipocritamente” exige que sejamos algo com uma identidade fixa e que saibamos o que esse algo é – em relação a que seríamos “sinceros” ou “hipócritas” quando falamos na Praça. Mas não sabemos. Para Arendt, “é altamente improvável” que sejamos capazes de conhecer, nós mesmos, a essência do que somos: “seria como saltar a nossa própria sombra”. Daí que, segundo ela, a esfera pública é o domínio da aparência: o espaço que “passa a existir sempre que os homens se reúnem na modalidade do discurso e da ação”, os “modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros”. Ou seja: na Praça, só o que aparece existe. E, porque aquilo que é do domínio do lar está imerso na escuridão, o que “somos” na oikos não pode, nem deve ter, ingresso na polis. Simples assim.
Pois bem. Desde tempos imemoriais, aquilo que escrevemos aos amigos está protegido pelo direito ao “sigilo de correspondência”; modernamente, aquilo que falamos ao telefone também está protegido por idêntico direito. O juiz Sérgio Moro mandou tudo isso às favas quando, por exemplo, autorizou a divulgação da conversa de Lula com Eduardo Paes, onde, para deleite da Caverna (estou citando Platão, evidentemente), o prefeito do Rio, que não estava falando num palanque, lá pelas tantas disse coisas como “o senhor me para com essa vida de pobre…” Oh! Oh! De minha parte, confesso que achei engraçado. Disso, evidentemente, deduz-se que ele tem nojo de pobre. Se tem? Sei lá! Pode até ter. Mas isso é lá com as negas dele, como se diz. As interpretações podem ser as mais diversas. Que importa a minha? O que importa, para a polis, é a aparência. (Se a essa altura, algum leitor estiver achando que estou fazendo uma apologia da hipocrisia, infelizmente não me fiz entender.)
Pois bem. Fiquei pensando em mim mesmo e em conversas telefônicas que tantas vezes tenho com amigos, em que dou azo a esse tipo de “incorreção política”. Como não consigo saltar sobre a minha própria sombra, acho (apenas acho) que sou um homem de esquerda. E, no entanto, já tirei tanto sarro de Marx em conversas telefônicas com amigos comunistas!… Também acho que não sou machista. Mas já gozei (êpa!) tantas vezes falando das feministas!… Igualmente acho que não sou racista. Mas já ri tanto de piada com negros!… Homofóbico? Também acho que não sou. Mas tem cada história engraçada com gay!… E por aí vai. Sei muito bem que o que estou escrevendo levantaria várias questões. Por exemplo: e as quebras de sigilo telefônico que possibilitaram lançar a luz pública sobre tantos “crimes de colarinho branco”? “Questão prenhe de questões”, como diria o velho Machado. Mas não se pode dizer tudo. “Seria muito longo” – como diz o personagem C. S. Lewis no filme Terra das Sombras. Com o que, para concluir, volto à “velhinha irritante”, como gosto de me referir a Hannah Arendt. (Depois de escrever isso, fiquei pensando: será que chamar alguém de “velhinha irritante” infringiria algum dispositivo do Estatuto do Idoso? Do jeito que as coisas andam, é bem capaz.)
Mas enfim! Arendt tinha como uma de suas características principais a disposição para enfrentar questões difíceis sem medo de enfrentar o que hoje chamaríamos de “politicamente correto”. Se nunca hesitou em chocar seus compatriotas judeus, por exemplo, também nunca hesitou em chocar seus amigos liberais – no sentido americano do termo. Quis imprimir análoga coragem (no meu caso, miúda) no que acabo de escrever. Como ela disse certa feita a propósito de uma das inúmeras polêmicas em que se envolveu, minha “intenção não é esgotar o assunto ou mesmo resolver os inúmeros e difíceis problemas que ele implica”. Mas, ainda citando-a, não escondo a pretensão de que minha tentativa, “mesmo desajeitada”, de enfrentá-los, “possa ajudar a quebrar a perigosa rotina na qual, dos dois lados, a discussão dessas questões ameaça se atolar”.
Parabens Luciano. Excelentes reflexões. abraço
Meu caro Luciano
Sua análise e argumentação são irretocáveis. Tem uma única falha (mas, a ver, grave): NÃO SE APLICAM AO CASO DAS ESCUTAS TELEFÔNICAS DE HOMENS PÚBLICOS TRATANDO DE COISAS PÚBLICAS. Não parece pertinente comparar as conversas do homem publico Lula com as suas brincadeiras na intimidade com amigos. Nem os personagens citados são cidadãos comuns; são cidadãos sim mas são, antes de tudo, por escolha, homens públicos, cujas atividades e discursos, mesmo quando escondidos, são de interesse geral da sociedade, nem os assuntos tratados são privados. Mais ainda quando falam de assuntos públicos ou de interesse público. Não sei até que ponto o Juiz exagerou mas não podemos julga-lo com o argumento do direito à privacidade de um homem público falando de coisas públicas. A vida privada de Lula, mesmo ele sendo um homem publico, deve ser preservada. Mas estas conversas do ex-presidente tratam de temas públicos e não da sua vida privada. Se houver exceção, deve ser criticado mas não me parece correto condenar genericamente a escuta telefônica e a suspensão do seu sigilo. Sergio
Sérgio, seu argumento seria válido se a escuta fosse legal. No caso da escuta divulgada, temos uma dupla ilegalidade. Foi gravada após a determinação de suspensão pelo juiz, o que obrigaria a autoridade policial a destruir a gravação, independentemente de seu conteúdo. Se a presidente aparece na gravação, a autoridade policial deveria interrompê-la, pois ela goza de foro privilegiado (apenas o STF pode autorizar investigação contra Presidente).
Quanto à divulgação pelo juiz, trata-se de clara ilegalidade.
Primeiro, porque é prova ilícita.
Segundo porque ele mesmo afirmou que no conteúdo da conversa não havia nada de antirepublicano, o que elimina o interesse público qe serviu de justficativa para a quebra de sigilo.
Além do prazer da leitura de teus textos, Luciano, a reflexão é muito pertinente, num momento em que as paixões tomam conta da discussão política e se corre o risco de transformar o juíz Sérgio Moro em novo salvador da pátria.
Caro Luciano, nesses tempos de ódios e certezas, especialmente certezas em caixa alta, como as de Sérgio, sua lucidez mais uma vez me acalma.
Caríssimo Sérgio,
Concordo com você: Lula e Dilma, e Eduardo Paes, não são pessoas comuns. Mas… pôxa!
Deixo pra lá a evidente ilegalidade daquela divulgação da conversa com a presidente da república, já devidamente admoestada (a divulgação, não a presidente) pelos ministros Teori e Carmem Lúcia (ontem, em entrevista a Roberto D´Ávila).
E, observo, meu texto não contém uma condenação ao instituto da escuta telefônica em si. São essas escutas que têm possibilitado à justiça no Brasil lançar luz sobre as bandalheiras dos nossos criminosos de “colarinho branco”. Se passamos a vida toda criticando sua impunidade, não é agora, porque o PT está sendo devassado, que irei mudar minha opinião. Sei muito bem que há uma fúria justiceira em cima do PT por ser PT. A fúria (aquela de historiadores de baixo calão como Marco Antônio Villa, por exemplo) me parece menos motivada pelo amor à justiça do que pelo ódio a Lula. Mas… como dizem os franceses, “tant pis!”. Se o pessoal da Paulista, de Copacabana e de Boa Viagem está comendo com gosto o fígado do “sapo barbudo”, é porque ele fez por onde. E no entanto, não consigo me comover com gente que não sabe o que é fome batendo com a colher em panela vazia… Sou um esteta. E a imagem me parece esteticamente grotesca.
O que me indignou mesmo foram aquelas moças bonitas da Globo News ostentando uma indignação de “Filhas de Maria” ao ouvirem e enfatizarem, no ar, a linguagem chula do “Filho do Brasil”.
Ai, Jesus!
De resto, estou contente com o fato de que, mesmo não escondendo nossa discordância, estamos divergindo como pessoas civilizadas. Acho que pessoas como você estão acima dessa baixaria que envenena o ar que respiramos.
Com minha admiração e renovado afeto,
Luciano
Caro Luciano,
Mesmo um praticante da “sociologia de cabra macho” (como você costumava se referir a mim, se não me engano “plagiando” Heraldo Souto Maior; será que essa expressão também se tornou intolerável ao “politicamente correto”?) vai aos escritos para encontrar o sentido das coisas, buscar entender um momento alucinante como esse que vivenciamos. Este teu artigo, me permita dizer, já incluí entre tais escritos.
Em junho de 2014, postei um comentário a um artigo de Sérgio aqui na Será, na qual eu argumentava que havia da parte de Lula um ressentimento em relação à “elite” e que (pelo menos) uma importante fração desta — a saber, a chamada “classe dos profissionais especialistas”, fazendo uso do conceito cunhado por Erik Wright — o via com certo desconforto. Hoje, estou convencido, não se trata só de desconforto, mas também de ressentimento dessa “elite profissional” com relação a Lula. Isso justamente por ele ter se tornado uma figura história de uma estatura insuportável para os “‘esfomeados’ da paulista”. Afinal, é a esse estrato social que o falecido Edmundo Campos Coelho se referia, quando, no início do último capítulo de As Profissões Imperiais, afirmou: “É difícil não se deixar impressionar pela permanente disposição de nossos profissionais para o despotismo… São histórias de elites saturadas de valores excludentes, antidemocráticos, antipovo”. Há anos atrás, um brilhante aluno de pós-graduação que tive no PPGS da UFMG fez um trabalho final de minha disciplina de Estratificação e Mobilidade Social no qual mostrava — a partir da estimação de um Modelo Loglinear (coisa de “sociologia de cabra macho”) — que a menos permeável das três classes sociais de “elite” (na classificação de Wright, além dos “profissionais especialistas”, a elite é formada por “empresários empregadores” e por “gerentes e supervisores”) no Brasil é justamente a dos “profissionais especialistas” (é de amplo conhecimento dos pesquisadores da área em nível mundial que, na concorrência entre as hipóteses de Parsons e Sorokin sobre o efeito da universalização do acesso à educação sobre a dinâmica da mobilidade social, o segundo levou a melhor; a universalização do acesso à educação por si só não é suficiente para tornar as sociedades mais permeáveis, apenas muda os mecanismos de reprodução intergeracional da desigualdade; o concurso público, no caso brasileiro, é um excelente exemplo de mecanismo aparentemente “meritocrático” de reprodução intergeracional da desigualdade). Para mim, é bastante evidente que a mais impermeável das classes sociais brasileiras (e sempre disposta ao despotismo, como ressaltou Edmundo) não engole o “sapo barbudo”.
O despotismo da elite profissional brasileira chega a seu ápice no que eu e alguns outros costumamos chamar, com inegável galhofa, de “Sistema U”, que seria formado pelos órgãos de controle do estado brasileiro (já faz tempo que implico com esse povo, implicância essa que se tornou ainda mais enfática depois que fui por 4 anos diretor da FAFICH-UFMG e pude sentir na pele o despotismo burocrático dessa elite profissional). Dentro do “Sistema U”, o crème de la crème é formado pela turma do data venia, ou seja, em particular os membros do MP e os magistrados. Ao ler a mais importante análise da época sobre a destruição da República de Weimar e a ascensão e queda do nazismo (Behemoth: The Structure and Practice of National Socialism, de Franz Neumann), encontro os seguintes trechos:
“O judiciário foi elevado à mais suprema função política…Direitos fundamentais foram denunciados como incompatíveis com a Filosofia Democrática…” [Direitos fundamentais… Hum, acho que, no fundo, teu artigo trata disso].
“Uma lei natural não expressa veio a ser aplicada sem restrição ou inibição. O período de 1918 a 1932 foi caracterizado pela aceitação quase universal da doutrina da livre discricionariedade (Freirechesschule)… Se deu aos juízes poderes discricionários inacreditavelmente amplos …”.
O juiz Sérgio Moro cometeu o escárnio de comparar sua decisão sobre a liberação dos grampos ao caso Watergate! Naquele caso, as gravações (feitas pelo próprio Nixon) só foram tornadas públicas após 40 dias de intensos debates na Suprema Corte. Moro conta com a ignorância de todos quando quer comparar sua decisão monocrática tomada em tempo exíguo (com elementos de ilegalidade que ele próprio reconhece, pois parte das gravações divulgadas foi feita após sua ordem de interrupção do grampo) com o caso Watergate. Sua decisão se baseia num pressuposto de discricionariedade que, como vemos na citação acima, só encontra precedentes em um regime jurídico fascista.
Caríssimo Alexandre!
Seu longo e generoso comentário me lembrou aquela música que Ney Matogrosso gravou:
“Nunca vi rastro de cobra /nem coro de lobisomem / se correr o bicho pega / se ficar o bicho come/ porque eu sou é homem / porque eu sou é homem / porque eu sou é homem / porque eu sou e homem… / e como sou…”
Cuidado, bicho!
Essa história de “sociologia de macho” pode gerar um processo. Como pode um doutor em sociologia falar coisas desse jaez!
E se for para Curitiba então!…
Abração, velho!
Luciano
Caro Luciano,
Quanto ao tamanho do meu comentário, foi mal. Minha esposa disse que eu era muito cara de pau, que fiz um comentário quase do tamanho do seu artigo. Mas, eu me empolgo e, pronto, termino escrevendo demais. Só não me sinto mais culpado porque acho que esses exageros cabem na “Será?”.
Quanto a essa história de “sociologia de macho”, se me processarem, indicarei você e Heraldo como cúmplices ou mesmo autores intelectuais do crime.
Grande abraço!
Jorge Alexandre
Luciano: Como este país sem pé nem cabeça aparenta haver perdido os dois, sobretudo a segunda, convém restringir o comentário ao estilo das patacoadas que tanto nos divertem. Você muitas vezes já me lembrou, como convém às patacoadas nacionais, que papel aceita tudo. A frase é de Graciliano Ramos, mas finjamos ser nossa. Acrescentaria, a propósito, breve memória de uma dama que a esquerda tingiu de muito maus costumes. Refiro-me à dialética. Pois, après Lula
c´est le deluge (com o perdão do francês que por certo merece sua correção), a hermenêutica passou a ocupar com as devidas honras o lugar vazio daquela dama desprezada. Em suma, papel aceita tudo e a hermenêutica faz dele e sobretudo dos fatos o que quer.
Professor! Professor!
Você está certo… quanto ao francês a merecer correção: a palavra é “déluge”, com acento agudo, não “deluge”, sem acento.
Como vê, continuo adorando uma patacoada.
É ela que nos salva do mau humor que tomou conta da República dos Bruzundangas, como diria nosso querido Lima Barreto.
Quanto à troca da “dialética” pela “hermenêutica”, pra mim é tudo grego. Há-há-há!
Mas, pensando bem, também “polis” e “oikos” são gregos. E usei-os. Então, não posso me refugiar no argumento de que não entendo do assunto.
Aliás, pensando melhor, talvez não entenda mesmo…
Como todos nós, exilados num dos “subúrbios da Europa” (acho que a expressão é de Borges), gosto de me exibir demonstrando um conhecimento que detenho apenas superficialmente. Para fins retóricos, digamos assim.
Mas de Graciliano acho que entendo um pouco. Aliás, graças muito a você, interlocutor valioso e constante num momento da minha vida em que fiquei fascinado pela “rabugento” das Alagoas, e trocávamos muitas idéias sobre ele e o “bruxo” Machado – autor de uma célebre apóstrofe que você adora: “Tudo, meu amigo, menos ser empulhado!”.
Voltando a Graciliano e ao famoso “o papel aguenta tudo”, estamos plenamente de acordo: aguenta mesmo!
Inclusive um despacho do juiz Sérgio Moro jogando à patuleia da Caverna as conversas de Lula com seu irmão “Vavá” a respeito dos “coxinha”. (Acho que é assim, afrontando a concordância de número, que Lula fala. Como vê, todos nós podemos derrapar na gramática…)
Impagável “Vavá” que, se a memória não me falha, quando Lula foi eleito para o Planalto mandou imprimir uns cartões de apresentação dizendo: “Irmão do Presidente”.
Ah… Vavá.
Malandro amador, muito certamente não tem nada a dizer à justiça brasileira sobre a malandragem profissional dos que estavam ao redor do seu irmão…
Ri um bocado ao ouvir a conversa dos dois.
E não lhe dei a menor importância.
Sérgio Moro e as “moças bonitas da Globo News”, deram.
Bem, professor, como lhe disse certa vez momentos antes de um debate que iriamos ter sobre uma questão de interesse universal (afinal, “Cidadão Kane” é uma “obra aberta” ou “fechada”?), sobre a qual divergíamos, “ótimo! Agora vamos ter um verdadeiro debate”.
Desde então ouvi de você várias vezes a observação de que foi essa discordância de então que selou nossa amizade. Espero que a de agora aprofunde-a.
Com meu abraço sempre afetuoso,
Luciano
Professor Lulu (como dizem suas cativas): Você continua com a pena afiada. Adoraria espichar essas patacoadas, mas receio gastar verbo e espaço numa revista que tem bem mais o que fazer. Além da retórica sedutora com que arrebanha até seus supostos opositores, pois sobre a sua lavra fina chovem apenas elogios numa revista já bem mal vista em cercos círculos como de direita, você não se afasta uma linha de uma das nossas virtudes nacionais ameaçada pelas turbulências intolerantes: a patacoada, o humor de patacoada. Então fiquemos por aqui, Luciano. Você ri de lá, eu rio de cá. Espero que nossa reles pública sobreviva a mais esta provação. Aliás, que Deus, brasileirinho da silva, assim nos guarde antes que o bloco dos golpistas de fato convoque mais uma vez as forças armadas para botar ordem numa casa que nunca primou pela civilidade e muito menos a civilização. E assim dou por ponto final minha arte da desconversa.
A legalidade da escuta, e a legalidade da divulgação, deixo à Justiça do país, que ainda está funcionando, por enquanto. Já o conteúdo das conversas deveria merecer a atenção de todos. Mostram que Lula da Silva de democrático não tem nada. Sem falar no baixo calão. Mostram que o “pai dos pobres” é mestre no conchavo para se manter no poder e salvar a própria pele. A máscara caiu: é uma gravação mais espantosa que outra; “nunca antes neste país”. Por isso mesmo, incapazes de defender o conteúdo, os defensores de Lula ficam discutindo a legalidade das gravações. Só que o que o mundo ficou sabendo já não pode mais ser jogado debaixo do tapete. A tentativa de obstrução da justiça é evidente.
Gostaria de lembrar que, no final de 1998, foram divulgadas as gravações do chamado “grampo do BNDES” (http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/pre_sp_3.htm). Tirando a questão da linguagem chula (algo que FHC jamais faria, dada a sua fleuma aristocrática), pode-se ver ali um flagrante escandaloso de promiscuidade patrimonialista (caso bem didático, por sinal). Todavia, como hoje, a gravação foi feita de forma ilegal por órgão do Estado (em 1998 pela ABIN e hoje pela PF, com autorização totalmente irregular de um juiz com fortes traços despóticos). Também como hoje, não deve servir para provar culpa de ninguém, visto que instrumento ilegal. Caso contrário, estaríamos jogando no lixo o Estado Democrático de Direito.
O único reparo que tenho a fazer ao excelente artigo de Luciano diz respeito à alegada intenção dos ouvintes de Fernando Henrique em saber mais sobre sociologia ao comparecer às suas palestras. E, por extensão, ao pretenso cinismo do ex-presidente em colocar ciência no pacote. Ele não precisaria engendrar tamanho embuste.
Quando empresários, consultores, acadêmicos, banqueiros e formadores de opinião vão ouvir FHC, eles o fazem para compartilhar uma cosmovisão. Para entender as entranhas de um processo político tortuoso e apreciar a contextualização por certo original de um raro homem que esteve tanto na academia quanto à frente de um país representativo.
Solidário à saudável (e rara) tendência do autor de não perder a piada, pergunto: quantos casos temos no mundo de combinação tão original? Bem poucos, imagino. Coisa bem diferente é jogar com o peso político do cargo para tentar viciar processos e defender interesses pontuais sob a rubrica de palestras. Tirando essa comparação, parabéns.
Como se pode ter tanta certeza da diferença de intenções? Se, como bem lembrou Luciano em seu artigo, citando Arendt, é altamente improvável que conheçamos por completo a nós mesmos (seria ‘como saltar a própria sombra’), imagine-se conhecer os outros, suas intenções ou volições. Quanto à suposta extraordinária combinação que seria representada por FHC, de um intelectual de referência que se torna chefe de governo, há vários exemplos semelhantes, inclusive na América Latina. Por outro lado, alguém com uma trajetória semelhante à de Lula é algo bem mais raro. Talvez porque eu viva cercado de acadêmicos, prefiro ouvir o ex presidente Lula do que o ex presidente FHC. Bem, mas isso é uma questão de gosto e de gustibus non est disputandum.
Devemos encarar mesmos essas questões. E no caso, se trata da questão do público/privado. Uma questão que precisa ser aprofundada. Na minha singela opinião, o uso do telefone é um ato privado, independente se está falando sobre coisas públicas com outras pessoas. O seu uso só pode ser tratado como público se a pessoa o consentir. Por que o tratamento de assuntos públicos no telefone é só um tratamento de assuntos públicos. Não pode ser tomado como um ato público portanto não pode ser violado. Até por que, a justiça terá que ouvir toda a conversa para saber se se trata de assunto público ou não. Até aí, muitas coisas privadas podem aparecer. Para aqueles que usam o argumento de que grampear telefones serve para ajudar a justiça, penso que há outros meios mais justos para se chegar a justiça. Meios esse que não violem a privacidade das pessoas.
Professor Luciano Oliveira,
O senhor se confessa um “apaixonado”, o que, em certa medida, constitui fator limitante para mediar uma disputa entre apaixonados. Além disso, permita-me a opinião, tal postura não favorece o trabalho de quem é, como no seu caso, essencialmente, um pensador.
Afirmar, por exemplo, que votou em uma criatura só porque ela foi vaiada num estádio “por pessoas que podiam pagar o ingresso” – como se tal condição desqualificasse a opinião dessas pessoas – é atitude que merece nova reflexão, de quem a tomou. Como também a antipatia aos panelaços, como livre manifestação da numerosa classe média brasileira, pede esclarecimento. O panelaço, como as vaias e os assovios, são demonstrações de insatisfação popular, que nada têm a ver com panelas vazias ou cheias. Ninguém está sendo hipócrita ao bater panelas.
Tenho a convicção de que o professor não partilha a opinião de certa filósofa, ligada ao PT, que declarou seu “ódio à classe média”, a que pertence ela e nós todos que aqui debatemos. Esta, acho que até perdeu o respeito do seu grupo profissional, ao ser flagrada, por José Guilherme Merquior, em evidente plágio do pensador francês Claude Lefort, num dos seus livros. Então, onde procurar a razão do desconforto com o som das panelas, das vaias ou dos assovios, a não ser no abismo da subjetividade?
Também não entendo – e aqui o alcance de minha crítica é mais abrangente -a antipatia do mundo acadêmico por Fernando Henrique Cardoso. Segundo Arnaldo Jabor, polemista de talento, é porque ele configurou um caso raro de intelectual bem sucedido na política, e despertaria inveja dos colegas de profissão. Seria isso? Mais um caso para “exame de consciência”.
Sérgio Buarque, Helga Hoffmann e Fernando Dourado: alinho-me plenamente com o pensamento de vocês, e lhes rendo minhas homenagens.
Minha amiga Teresa Sales: discordo de sua restrição ao juiz Sérgio Moro.
Ele pode mesmo ser um “salvador da pátria”. Não devemos desprezar o valor dos indivíduos na construção da História. Churchill salvou a Inglaterra da submissão ao Nazismo. De Gaulle resgatou a honra da França. Adolfo Suarez e o rei Juan Carlos garantiram a continujidade da democracia na Espanha. E até o beberrão Bóris Yeltsin teve o inegável mérito de liderar a resistência à tentativa de deter a “perestroika” e impedir a evolução da URSS para um Estado moderno.
O juiz Sérgio Moro está mudando a cara do Brasil. Até já escrevi sobre isso, nesta revista.
Prezado Professor Jorge Alexandre,
Acho que a continência verbal de FHC não deriva tanto de fleuma aristocrática. Não era ele próprio quem dizia que “tinha um pé na cozinha?” É portanto mais uma questão de educação doméstica. Se a memória de Dona Lindu merece todo meu respeito – aquele que devo a uma senhora briosa que partiu da mesma cidade onde vim a mundo – , é fácil deduzir que o palavreado ensandecido (em que “porra” e “caralho” são usados como vírgulas) deriva da proximidade de Lula com valhacoutos onde é norma espezinhar a língua para granjear respeito. De acordo, não é? Vamos ao próximo.
Quanto aos tais grampos do BNDES, já não os tenho tão vivos na memória. Mas se foram os que escancaravam preocupações com as privatizações, deveriam ir para o panteão do civismo – ainda que tenham sido considerados ilegais. Ou o senhor queria que um telefone ainda estivesse custando o preço de um carro popular? Ou que a Vale tivesse caído nas unhas do aparelhamento político ao invés de se tornar a segunda maior mineradora do mundo e gerar impostos? Já imaginou o que não teriam feito com a Vale, um maná de “cash” na veia? E os navios Sonrisal que teriam encomendado aqui?
Quanto às intenções das plateias, acredito que efetivamente elas sejam várias. Já ouvi de Juan Luiz Cebrián, do “El País” – talvez o segundo jornal mais completo do mundo – que FHC é o melhor conselheiro que o grupo Prisa já teve. Conheço-o, aliás, há quase 40 anos. Já naquela época, em Cambridge, ele encantava audiências qualificadas. Não nego a beleza da trajetória de Lula. Mas, tal como lhe deve suceder, deploro o epílogo e, até por sermos de Garanhuns, coro de vergonha. Melhor aderir às ideias (sic) dele do que a ele estar ligado por local de nascimento. O senhor pode mudar. Eu, não.
Quanto às preferencias, aqui bem óbvias, elas são por demais subjetivas para nos preocuparmos em dissecá-las. Se pudesse escolher entre os dois, optaria por ouvir FHC, mas meu bolso não chega a tanto e a idade pouco a pouco lhe limita a agenda. Lula é mais jovem, terá mais gás, mas é possível que venha a ter constrangimentos de liberdade de circulação. Em qualquer dos casos, a História dirá quem legou ao País melhor herança. No mais, creia-me, entendo a imensa angustia que deve acometê-lo num momento tão dramático.
Até admito que é mais verossímil termos intelectuais no comando de países representativos – apesar de nomes de peso me escaparem no G-20 desse século – do que sindicalistas. Mesmo quando estes são operosos, além de operários. O próprio Walesa – do velho “Solidariedade” polonês, hoje acusado de ter estado envolvido com espionagem e delação – já vaticinava ao próprio Lula que a experiência da partidarização do credo de padres faria água, quando alçada a projeto de governo. Mas, até pelo já dito, Walesa tampouco merece algum crédito.
Em tempo: minhas preferências jamais recaíram sobre FHC depois do primeiro mandato. O Brasil teria merecido Serra, talvez o quadro político mais bem preparado do mundo. Um homem que brilhou no Executivo e que, dentro de qualquer painel de medição de contribuições ao Legislativo, só deve perder em capacidade de formular para Ted Kennedy – maior legislador de todos os tempos, segundo os historiadores. Com Serra, não teríamos chegado a essa deterioração de perfil africano. Desperdiçar Serra foi sim o ato mais perdulário da Pátria Mãe Gentil. Aí perdemos o bonde, Professor.
Abraço cordial,
FD
Prezado Fernando,
Vamos por partes. Primeiramente, nada mais revelador da fleuma aristocrática de FHC do que fazer, na polis (é bom ressaltar, pois como disse Luciano em seu artigo, há muita diferença entre o que é dito na polis e o que é dito nas comunicações privadas), uma afirmação tão elitista e até com fortes traços racistas como essa de que tem “um pé na cozinha”. Já emendando uma coisa com a outra, a linguagem chula de Lula foi dita em conversas privadas, o que muda muito o caráter da coisa. Adicionalmente, confesso que, é muito mais doloroso para os meus ouvidos uma fala elitista e racista como a que você citou de FHC do que os palavrões como “porra” ou “caralho” ditos por Lula (que eu faço uso e já ouvi dos mais sofisticados intelectuais com quem já convivi; tanto no meu caso quanto no deles, expressados em momento de indignação e ira, circunstâncias que, penso eu, também emolduravam as falas gravadas de Lula). No mais, sinceramente, acredito que a maior parte daqueles (acho admirável alguém que jamais faça uso desse tipo de palavrões em conversas privadas, e estou certo que seja o seu caso e o de Helga Hoffman) que estão expressando indignação pela linguagem chula de Lula não passam de grandes hipócritas, pois eles próprios também fazem uso do mesmo tipo de linguagem.
Quanto à questão das privatizações, lamento ver na sua afirmação o que me parece o mesmo traço autoritário dos que estão a defender que as ilegalidades cometidas pelo Magistrado Sérgio Moro são justificáveis diante do suposto bem que buscaria, qual seja, a prisão do maior malfeitor de todas as galáxias. Ora, se os benefícios trazidos pela privatização do Sistema TELEBRAS são relevantes ao ponto de justificar crime de responsabilidade do presidente da república, o que diria alguém com preferências políticas como a minha, do que se poderia justificar do comportamento de um presidente que desenvolveu políticas públicas que colaboraram significativamente para tirar dezenas de milhões de pessoas da pobreza, abriram espaço para que famílias de baixa renda consigam enviar seus filhos para universidades públicas e privadas e levou o coeficiente de Gini da distribuição de renda de um patamar superior a 0,60 para 0,50 (a: estou consciente das pesquisas de meu amigo Marcelo Medeiros do IPEA e da Unb e de seus colaboradores sobre o Gini, todavia, aquele calculado a partir da PNAD continua sendo o mais adequado para comparações internacionais, até que organizações como o Banco Mundial consigam usar a metodologia de Piketty para um grande número de países; b: também sei que cerca de 80% da queda do Gini se deveu a fatores relacionados à queda da desigualdade salarial, todavia, ao contrário do que muitos pensam, isso não foi consequência prioritariamente de forças de mercado, mas sim da política específica de valorização real do salário mínimo). Ou seja, do ponto de vista das minhas preferências políticas (mais uma vez, “de gustibus non est disputandum”), os avanços sociais do Governo Lula foram muito mais importante para o Brasil do que as privatizações do Governo FHC, mas, ainda assim, não acho que esses extraordinários avanços do Governo Lula devam servir para justificar grandes crimes.
Quanto à sua admiração por José Serra, confesso que avalio muito positivamente sua passagem pelo Ministério da Saúde (onde demonstrou grande sabedoria ao manter “os inimigos” do PT em funções chaves do ministério, algo que Lula replicou ao chamar Henrique Meireles para sua equipe). Todavia, a postura que assumiu (entre outros pontos, a coisa toda, junto com a esposa, na discussão do aborto) na campanha presidencial de 2010 me fez ter por ele hoje a mais profunda rejeição. Politicamente, ele deu em 2010 uma guinada à direita que me deixou sinceramente chocado.
Você teria que ser mais específico sobre a minha angústia, pois não sei exatamente em que momento de tudo que já escrevi aqui revelei estar angustiado. Não acredito que esteja angustiado. Embora esteja passando uma jornada fora do Brasil (na Universidade do Texas-Austin), estou é bem atento ao que está ocorrendo no país e tenho buscado refletir sobre todos os acontecimentos. A única coisa que me aperreia é ver a perspectiva de um retrocesso democrático no Brasil ou de uma reversão de médio ou longo prazos no processo de desenvolvimento social do pais, que o estava encaminhando para uma situação mais civilizada de formação da cidadania.
Quanto às intenções, continuo achando impossível ter toda essa certeza sobre o que, de fato, pensam os outros.
Prezado Clemente!
Seu “post” mereceu, acredite ou não, minha respeitosa atenção. De fato, para um “pensador” (epíteto com que você me lisonjeia), decidir votar numa candidata à presidência da República porque ela foi vaiada num evento público, soa demasiadamente uma rendição à “paixão”. Na sequência da sua argumentação, sou beneficiado com a dúvida de que não me alinho com certa filósofa paulista, desmoralizada ante seus pares por ter “plagiado” Claude Lefort (como trabalhei sob a orientação dele, teria alguma coisa a dizer sobre o assunto – mas não é o caso), de que “tenho ódio à classe média”, classe a que todos pertencemos etc. etc.
Pois é, caro Clemente. Como não sou sanguíneo como Marilena Chauí (pois é dela que se trata), não diria que tenho ódio. Direi apenas que dela não gosto. E que a manifestação em São Paulo na abertura da Copa me pareceu um exemplo expressivo de suas odiosas maneiras de pôr para fora sua mundividência escravocrata. Certo ou errado, foi isso que senti. E, devo acrescentar, esse meu sentimento sobre a classe a que estruturalmente todos pertencemos não é coisa nova. Volto a trinta anos atrás.
Nos anos 80 tive a ocasião (na verdade um privilégio) de fazer um doutorado na França custeado pelo nosso povo. Foi lá que me dei conta, ao morar num mesmo prédio onde morava uma faxineira, ao não ter nenhuma empregada para limpar meu banheiro, que o Brasil era uma sociedade escravocrata. Na ocasião cheguei a escrever um livro que até hoje, porque não achei editor, continua na minha gaveta. Ele se chama “Brasil via Paris”. E tem um subtítulo: “Como descobri que a classe média brasileira está chorando de bariga cheia”.
É daí que vem minha “paixão”, Clemente.
É claro que ao dizer, no texto que você comenta, que minha decisão foi motivada pela paixão que assomou naquele momento (o da via), fui excessivamente elíptico. Nesse caso, claro que você está certo: uma vaia motivando o voto de um “pensador”? Não faz sentido. É a demissão do pensamento.
Um parêntese. Toda história contada á uma história recontada. Da mesma maneira que ao dizer que deixei de ser petista em 2012, quando Lula visitou um corrupto notório para buscar apoio eleitoral, estava simplificando as coisas, ao dizer que decidi votar naquela mulher naquele instante também as simplifiquei. Como gosto de dizer, não se pode dizer tudo. “Seria muito longo” (C. S. Lewis etc.).
O que aconteceu foi que aquela vaia pareceu-me, como já disse, a manifestação de uma classe média, a brasileira, que tem uma mentalidade de sinhozim e de sinhá; que engoliu, mas que no fundo achou um descalabro, que um operário alfabetizado às pressas tivesse chegado ao mais alto cargo da república; que tem vergonha de ser o que é; que acha lindo quando seus filhos vão fazer intercâmbio na Europa e lavam pratos para ganhar um dinheirinho a mais, e não ficam escandalizados quando, de volta, eles deixam cuecas sujas pelo banheiro porque uma empregada vai recolhê-las…
Pois é, meu caro Clemente, meu voto foi, por mais que isso esteja fora de moda, um voto de classe!
Mas como?, se eu sou dessa classe média de que não gosto?
Ah… Clemente!
Faço uma distinção entre “sujeito empírico” e “sujeito epistemológico”. A questão nos levaria longe, exigiria muito espaço e não é o caso de abordá-la aqui.
Só para finalizar, veja: “não gostar” da classe média brasileira, a que estruturalmente pertenço, não significa dizer que, empiricamente, não gosto dos meus irmãos, dos meus primos, meus compadres e meus afilhados. Eu os amo! Minha mãe, uma senhora do sertão sergipano, nascida num mundo que desapareceu, que aprendeu que existia lesbianismo assistindo às novelas da Globo nos últimos anos de vida, e que era racista… eu adorava minha mãe!
Não sei se me fiz compreender, caro Clemente.
No momento em que que escrevo, o governo Dilma está acabando. O PMDB, rato velho, pulou do barco. Daqui para a frente, é só uma questão de tempo. Como me sinto neste momento?
Em 1989, quando Collor ganhou a eleição (eu estava na França), escrevi para um amigo meu dizendo que tinha a impressão de que o pior do Brasil tinha chegado ao poder. Mas, acrescentava, como brasileiro só me restava torcer para que ele fizesse um bom governo. Algo assim. Hoje digo algo análogo. Parodiando a mim mesmo, a impressão que tenho é a de que com Dilma e Lula não deixam o poder o que de pior o Brasil tem. Mesmo assim, continuo na mesma tecla: espero que os que virão depois façam um bom governo. Que o Brasil passe o mais rapidamente por essa tormenta, e que sejamos, finalmente, um país onde a lei e a democracia finquem raízes profundas.
Com minha mais afetuosa saudação,
Luciano Oliveira
Meu caro Luciano: Dava já toda essa poeira por assentada quando de repente meu querido amigo Clemente, que me privou de sua amável e especial companhia no último almoço chez Teresa Sales, reacendeu essa atordoante guerra civil travada pela classe média lulista contra a classe média que odeia a classe média, isto é, a classe média petista. Perdoem o embaralhamento dos conceitos, mas ele é apenas um pálido reflexo do samba de crioulo doido que estamos vivendo no Brasil. É por essas e outras que não consigo levar o Brasil a sério, fato que talvez irrite até meus amigos da Revista Será?
Mas prometo agora ser sério sem ir ao extremo de ser tedioso. Postei dois comentários a seu artigo deliberadamente metidos à patacoada por estar cansado de argumentar contra as hostes petistas. Quando leio mesmo você, que sempre passa ao largo dessas disputas ideológicas tão envenenadas de absurdo e disparate, invocando a vaia a Dilma na abertura da Copa do Mundo para justificar seu voto nesse patético fantoche de Lula… Bem, noto agora que o enredo não foi tão simplório, mas ainda assim não saio convencido de suas razões. Quando leio você surrando a classe média brasileira nos termos desse antagonismo grotesco PT-partido dos pobres vs. classe média que odeia os pobres… Novamente, provando que está apenas ocasionalmente mal acompanhado, você faz agora algumas distinções devidas quando evoca seu ensaio que há muitos anos tive o prazer de ler e louvar: Brasil via Paris. O que você escreve contra a classe média brasileira retomando a argumentação geral do ensaio é coisa séria e no geral correta. Mas não confunda os argumentos contrapostos aos de Clemente, nos quais você recobra juízo, com esse antagonismo grotesco que o PT transformou em cavalo de batalha para desqualificar toda a classe média que contesta a classe média do PT. Se você acredita mesmo que o PT é o partido dos pobres… bem, isso faria dele apenas um partido populista na linhagem maldita, evocando certo chavão que vocês conhecem, do populismo getulista com extensões generalizadas na história política da América Latina. É uma das desgraças desse subcontinente que o impedem de ingressar na modernidade. Nesse sentido, Nostromo, de Joseph Conrad tem muito mais a nos dizer do que toda a historiografia e a ciência política produzida pela academia brasileira. O PT se tornou tão igual às piores oligarquias que ameaçou combater que trocou um antagonismo de classe capitalista vs. trabalhador (não é afinal o partido dos trabalhadores?) pela polaridade PT dos pobres vs. classe média que odeia os pobres. Meu trote vai longo, por isso encerro sem dizer tudo que tenho em mente. Antes de ser o partido dos trabalhadores, o PT é o partido da classe média. Seria uma outra simplificação grosseira confundir essa fração da classe média, a petista, com a banda boa da classe média. Como já estou mais cego do que cego que apoia o PT, concluo repetindo (mais uma vez) o dito sábio e bem humorado de um gênio da classe média brasileira: Tom Jobim. Tom detestava política, no que fazia muito bem, e jamais se confundiria nem com a trilha das almas honestas da classe média que se veem como proletárias nem com a classe média que odeia os pobres. Tom cuidou simplesmente de compor a mais completa versão musical do Brasil. Diabos, acabei esquecendo a citação dele que não me canso de repetir: o Brasil não é para principiantes. Como estou sempre principiando e sei que vou morrer antes de completar qualquer coisa, deixo que vocês fermentem, um século mais tarde, a Revolução Brasileira de 2017. Os russos vão morrer de riso ou de dor.
Luciano,
Agradeço a elegância e o tom amistoso como me respondeu. É certo que não partilho uma visão tão sombria de nossa classe média. O que há, para mim, são mesmo resquícios da sociedade escravocrata que tivemos no passado, mas que vão desaparecendo. Também tive uma tia racista, apesar de ser bisneto de uma mucama afrodescendente. No entanto, observo que esses preconceitos não são exclusivos da classe média: já os vi em pessoas humildes, camponeses, trabalhadores urbanos, sem falar nos grandes burgueses e senhores rurais.
Quanto ao novo governo que se avizinha, sem grandes ilusões, estou claramente otimista. Difícil ser pior do que este. (Esclareço que minha visão é jurídica e econômica, fruto de minha formação híbrida. Além de política, como de todos).
Grande abraço.
Clemente
PS – Também votei em Lula, contra Collor, e lamentei a vitória deste. Foi a única vez, aliás, que o grande líder sindical mereceu meu voto.
CR
Meus caros Fernando e Clemente!
Grato pelo humor e elegância com que, respectivamente, me responderam.
De minha parte, acompanharei o que disse o primeiro: vou dar essa poeira por assentada.
Como Jobim, não gosto de política. Mais exatamente, “da” política. Ela nos força a uma fuzilaria de trincheira: eu atiro em você, você atira em mim. E não fazemos um movimento em direção um ao outro… Não gosto disso!
Serei um pusilânime?
Talvez.
De toda forma, acho que todo esse imbróglio de dimensões nacionais pertence agora ao campo da história.
Gostaria, no momento em que realmente dou os trâmites por findos, de agradecer aos amigos da Será por terem aceitado que minhas posições, nem sempre coincidentes com aquelas dos que fazem a revista, tenham aparecido e tornado possível este debate.
Luciano
Amigos Fernando e Clemente!
Obrigado pela elegância e bom humor com que, respectivamente, me responderam.
Valendo-me de uma imagem do primeiro, vou, de minha parte, dar essa poeira por assentada.
Agradeço aos amigos da Será o espírito de tolerância e arejamento com que, mesmo alguns divergindo de minhas posições, acolheram o meu texto.
Luciano
Volto a este debate apenas para uma observação pontual.
Ao afirmar que “tinha um pé na cozinha”, valendo-se de uma expressão claramente elitista e racista, Fernando Henrique Cardoso não a estava avalizando, na medida que se referia a ele próprio. Estava, sim, fazendo pouco caso dela, desqualificando-a, desprezando-a.
Para entender isso de forma diferente é preciso muita prevenção de espírito contra o intelectual bem sucedido na política, o “presidente acidental” que, independentemente da má disposição dos seus ex-companheiros de Academia, já tem o seu lugar assegurado na História.
Professor Jorge,
Onde estamos, hein? Acabo de ver minha mãe na exuberância de seus 84 anos bem vividos – até Pilates faz, imagine – e, depois de ler seu comentário, por um momento a olhei com ressentimento. Pois eis que cá comigo, pensei: em que medida ela tem culpa por ter me dado uns cocorotes quando eu proferia um palavrão em detrimento da riqueza de nossa língua? Quase digo: vê, mamãe, por conta do que a senhora tinha por educação e bons modos, do que isso me vale hoje? Pois já digo: ser acoimado de “hipócrita” por um douto senhor, abespinhado com os que se recusam a vocalizar a indignação com vitupérios chulos, como faz seu chefe de fila, mesmo quando sóbrio.
Bem valente é o senhor, professor, isso reconheço. Não imagino quantos anos tenha nem de onde venha, mas certamente que não é de minha época nem de minhas latitudes. Se fosse, demonstraria um pouco mais de contenção ao assacar certas palavras contra quem nunca viu mais gordo. Acho que tudo começou quando as televisões passaram a veicular os nefandos “Vale Tudo” na boca da madrugada. Dedos nos olhos, cotoveladas no queixo e joelhadas na partes pudendas. Envelheço, professor. Nos meus tempos, as modalidades eram mais puras e realçavam a nobreza dos esportes. Ninguém chamava o outro do que se lhe aprouvesse impunemente.
Hipócrita…Veja só, com meio Lexotan, relevei seu deslize. Mesmo porque talvez seu açodamento venha da vizinhança com as terras de John Wayne e o laivo de inspiração que pode lhe trazer as cercanias do faroeste. Da próxima vez, se houver, vou começar a ler sua missiva pelo fim. Mas, obrigado, de qualquer forma. Vou admitir que, dada a circunstância, “hipócrita” aqui é galardão. Vamos ver se posso agregar alguma coisa a seu cabedal, na impossibilidade de o senhor poder fazer ao meu. O que não me impede de achar que possa fazer melhor figura junto aos futuros “Brazilianists” que o ouvem. Explicando “pé na cozinha”, inclusive, na acepção arejada de Clemente, e não na enviesada.
Pois bem, por todos os quadrantes do mundo por onde as pernas me levaram, caro professor, sempre ouvi que a liderança é um composto bem balanceado de conhecimento, visão e virtude. Não adianta ter dois deles e faltar um terceiro. Será uma mesa que não se sustentará, entende? Com virtude, mas sem visão e conhecimento, temos os mártires e santos. Com visão, desprovida de conhecimento e virtude, teremos os demagogos. Agora, atente: com conhecimento sem virtude nem visão, temos os tecnocratas. Interessante que ouvi o conceito de fontes bem credenciadas no tema, na Costa Leste de onde vosmecê está,
Para exemplificar a patologia da tecnocracia cujo pasto parece deleitá-lo, imagine que ele exemplificou-o justamente com o Coeficiente de Gini a sair pelos cotovelos. Não falou de Piketty porque este ainda estava nos cueiros. Para corroborar aberrante coincidência, lá vem o senhor citar o IPEA. A instituição que ficou manietada aos humores políticos e que só atestou que a tal nova classe média tinha soçobrado nos caprichos do populismo uns poucos dia depois das eleições. Onde a virtude, professor, se a visão é hipotecada ao carreirismo a às litanias do contracheque? Imagino o quanto não o tenha deleitado essa simpática “pedalada estatística” que livrou a face de Dilma Vana. Já o vejo com o sorriso cúmplice para os pares. Ufa, escapamos por pouco.
Se não lhe negarei conhecimento e, por certo, alguma virtude – pois, pelo menos, valente o senhor já mostrou que é -, vejo que a tecnocracia lateja como viés dominante. Embora o paralelo entre o acolhimento de Serra a quadros petistas – por mérito e para engavetar visões sectárias – e o de Lula a Meireles – por absoluta indigência de quadros em suas hostes – seja sofismar ao extremo. Nessas horas, aflora a tal angústia de que o senhor não se dá conta, professor. Retrocesso democrático? Faça-me o favor. Se quiser saber como golpes são urdidos, recorra aí mesmo ao livro de Phyllis R. Parker “Brazil and the quiet intervention -1964”. Foi escrito na mesma biblioteca onde o senhor descansa.
Por fim, uma ressalva. Qualquer que seja o desfecho desse lodaçal (merda, como o senhor consagra), o fato é que o Brasil jogou fora o bom arranque do século. Não surfou a onda virtuosa da economia mundial porque Luiz Ignácio estava siderado pela combinação do palanque com o hidromel. E bem sabe o senhor que mudanças de patamar só podem ser qualificadas como tal quando se sustentam na nova plataforma. Ninguém é ex-fumante por ter passado uma semana sem cigarro durante uma hospitalização. O que foi feito, o foi porque em 2002 o país estava saneado e pronto para navegar por águas profundas.
Então veio a catástrofe (a “bosta” como é de seu agrado) que nos terá valido o escárnio geral. Se quiser voltar ao Brasil, professor, eis um momento abençoado. Estão laçando ministro e tecnocrata até em banheiro de superquadra. Corra para cá antes que entronizem Palocci de novo, pela terceira vez, até que o peguem em recidiva peralta. Acautele-se contra a concorrência que lhe pode fazer Mantega, um quadro subserviente e em liberdade, o chamado ciclista passivo – nova figura jurídica que ouso ajudar a batizar. O País que seus correligionários legam ao mundo é motivo de chacota, professor. No pôquer dizem: se depois da terceira rodada, você não sabe quem é o “pato” da mesa, pois bem, ele deve ser você. Logo, não se iluda com o sorriso benevolente de seus pares, professor. Melhor ser chacota aqui do que aí. Volte que o momento é bom.
FD
Prezado Fernando,
Sou de Olinda e tenho 48 anos. Fiz graduação em ciências sociais e mestrado em sociologia, ambos na UFPE. Assim como Luciano, fui agraciado com uma bolsa de doutorado financiada pelo povo brasileiro, no meu caso para fazer estudar na Universidade de Wisconsin-Madison, aqui nos EUA, há mais de 20 anos atrás. Outra vez, fui agraciado agora com uma bolsa de estágio sênior financiada pelo povo brasileiro para desenvolver um projeto aqui na Universidade do Texas-Austin. Acho que tenho bastante experiência com os acadêmicos americanos para saber se estou sendo levado a sério ou não. Além daqui, tenho dado conferências em outras universidades, como Vanderbilt, em Nashville, e estou indo em maio para proferir uma nova conferência na Universidade da Califórnia-Los Angeles. Essas instituições (ao contrário da UT-Austin) têm pago minhas viagens para que eu apresente os resultados de análises que têm muito a ver com minha última postagem. Não acho que eles gastariam seu dinheiro se não me levassem a sério. Até o final de agosto, estarei de volta às minhas funções de professor e pesquisador na UFMG.
Dito isso, gostaria de esclarecer que fui sincero quando disse que acredito que tanto o senhor quanto Helga Hoffman sejam pessoas que jamais fazem uso de “palavrões”, mesmo na esfera das relações pessoais. Também fui sincero ao dizer que não é o meu caso e estou certo não sê-lo o de muitos que estão mostrando ojeriza com relação às palavras pronunciadas por Lula. Pelo menos alguns casos de acadêmicos conhecidos que vi revelarem sua repulsa na mídia sei tratar-se da mais pura hipocrisia, pois no convívio pessoal em congressos e outras ocasiões já os vi fazer uso de linguagem equivalente. Portanto, quero garantir-lhe que não me referia ao senhor, mas me resguardo o direito de chamar de hipócritas pessoas que sei por convivência pessoal estarem agindo com hipocrisia (não irei aqui, contudo, citar nomes).
Finalmente, não posso deixar de cometer a sinceridade de dizer que não vejo as condições fiscais do Brasil ao final do governo FHC como tão boas assim. Esses são dados sobre os quais tenho me debruçado, em função do trabalho que estou desenvolvendo aqui. Por outro lado, ainda farei análises mais refinadas para poder ter uma ideia mais robusta (pois acredito que preciso controlar a questão dos preços das commodities), mas não acho que seja um dado empírico desprezível o fato de que o crescimento médio do PIB durante os governos Lula tenha sido 111% do crescimento médio do PIB mundial (calculado pelo FMI), ao passo que durante o governo FHC o percentual comparativo foi de 75%. Assim sendo, não fico convencido de que durante o período Lula o Brasil tenha perdido uma oportunidade. Pelo contrário, penso que pela primeira vez foi feita uma escolha política que levou o orçamento do Estado brasileiro a deslocar um pouco mais de recursos para a população com níveis de renda mais baixos e que isso trouxe grandes benefícios de curto, médio e longo prazos.
Sinceramente, vejo em vários movimentos que ocorrem hoje no Brasil traços fortes de formação de elementos autoritários no estado brasileiro. Não vou me deter em detalhes disso aqui, mas estou escrevendo trabalhos acadêmicos sobre o assunto (só para deixar claro que meu problema não está só no ataque ao PT, me incomodou demais um vídeo que me enviaram com a chegada de parlamentares nossos conterrâneos no aeroporto de Recife, lembro-me de ter visto Jarbas Vasconcelos e Fernando Bezerra Coelho entre eles — pessoas que julgo de valor, com serviços prestados a Pernambuco e ao Brasil — sendo agredidos por uma turba fascista).
Concluo me desculpando por ter, em algum momento, dado a impressão de que me referia ao senhor quando chamei algumas pessoas de hipócrita.
Alguém lembrou os grampos feitos de conversas de FHC ao tempo em que ele era presidente. Ora, naquela época o Presidente não veio com essa patacoada de que estava ameaçada a segurança nacional, ninguém falou em segurança nacional quando se divulgou o conteúdo da conversa. Mesmo que fosse considerado ilegal o grampo da conversa do cidadão Lula, já não dá para tapar o sol com a peneira, isso é o que importa. Aliás, privacidade, hoje, já não é o que era no passado, antes do 11 de setembro. Nem mesmo na Europa, muito mais cuidadosa com os direitos civis.
Mais duas observações pontuais:
1) Comparar o percentual de crescimento do PIB brasileiro entre os governos FHC e Lula/Dilma sem levar em conta a conjuntura internacional é de um primarismo que não condiz com os títulos acadêmicos do ilustre professor. Houve, ao menos, pressa no juízo feito.
2) A turma que vaiou o deputado Jarbas Vasconcelos e outros no aeroporto do Recife era adepta do deputado Jair Bolsonaro, fascista, homofóbico e anti-feminista, que estava sendo aguardado para um conferência que iria fazer em Pernambuco. O pequeno grupo de seguidores de Bolsonaro, que igualmente se opõe à nossa “presidenta”, não desqualifica a grande frente de quase 80% da população brasileira (segundo as pesquisas)que luta pelo fim deste governo, por vias legais, evidentemente. E o deputado Jarbas Vasconcelos, ao lado do senador Cristovam Buarque e do deputado Raul Jungmann, é um dos grandes líderes desse movimento de dimensão nacional.
Prezado Clemente,
Tanto levei em consideração o cenário internacional, que comparei o crescimento do PIB brasileiro nos dois períodos de forma relativa, ou seja, como percentual do crescimento do PIB mundial (ainda ressaltei que pretendo refinar minha análise controlando a questão do preço da commodities, mas isso irar exigir a aplicação de uma modelagem estatística mais sofisticada). Portanto, com todo respeito, acho que você não leu com atenção o que escrevi.
Quanto à cena que me referi dos deputados pernambucanos, o que estou querendo chamar a atenção é que eles não foram só vítimas não apenas dos eleitores de Bolsonaro, mas de uma estratégia, ao meu ver irresponsável e absurda, de vazamentos de documentos obtidos por investigações de órgãos do estado, que levam as pessoas a sofrer julgamentos sumários e a sofrer o tipo de agressão que ocorreu.