O STF-Supremo Tribunal Federal deu um passo atrás na história da civilização, que emerge com o Iluminismo, com a recente autorização para a introdução de disciplina religiosa nas escolas públicas do país. Numa clara negação das regras republicanas do Estado laico, previstas na Constituição (desde a constituição de 1891), a decisão da alta corte permite que as escolas públicas do Brasil ofereçam ensino religioso confessional específico, ou seja, de uma determinada crença religiosa, a ser escolhida pelo poder público. O ministro Luis Roberto Barroso, voto vencido na sessão do STF, foi enfático ao declarar que o ensino religioso “viola a laicidade, porque identifica Estado e Igreja, o que é vedado pela Constituição”. Vale ainda lembrar que, para oferecer aulas de religião (como qualquer outra aula), o Estado deve pagar professores e utilizar instalações, assumindo o custeio das escolas, numa forma de financiamento público de uma determinada crença.
Além de quebrar a laicidade do Estado brasileiro, a decisão viola o princípio do respeito à diversidade religiosa, na medida em que permite que as escolas ofereçam aulas em uma única doutrina. Alegar que ninguém será obrigado a matricular-se nestes cursos religiosos é de uma ingenuidade surpreendente para ministros da mais alta corte de justiça do país. Eles devem saber que estamos falando de crianças e jovens que ainda não têm uma formação, e que são facilmente doutrinadas pela religião “oficial”, sem alternativas disponíveis.
Por trás desta lamentável resolução existe ainda uma questão semântica, que tem sido desconsiderada pelos ilustres ministros: não se ensina religião. O ensino, esclarece Aurélio Buarque de Holanda, é a transmissão de conhecimento, nada a ver com religião que, antes de tudo, é doutrina, dogma, fé. Falar de “ensino de religião” é um equívoco, porque estamos tratando de catequese ou doutrinação, e não de conhecimento. Por isso, é surpreendente, para não dizer decepcionante, o voto de minerva da presidente do Supremo, ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha, afirmando que não vislumbrava, “nas normas, autorização para o proselitismo ou catequismo”. Como assim, ministra? A propagação de uma religião, na igreja, na rua, ou numa sala de aula é, por excelência, proselitismo e doutrinação, sem qualquer desconsideração por esta prática. É lamentável que a instância jurídica responsável pela guarda da Constituição desrespeite tão gravemente os seus fundamentos republicanos.
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