08 de fevereiro de 2018
O Diário do Pina viajou ontem para o Poço da Panela. Vestiu fantasia, colocou máscara e foi brincar. Aqui na minha terra, no carnaval, não se dança, não se samba: se brinca. Comprei uma máscara nova quando começaram as prévias do carnaval deste ano, na mão de uma artista, Guya. De papel maché, deixa de fora os olhos e das narinas para baixo. É relativamente confortável, comparada às de Lula Vassoureiro de Bezerros, de outros carnavais.
Estive na casa dele, já se vão duas décadas. Morava em uma casa de taipa, também seu ateliê, em bairro afastado. Na periferia, para lá do cemitério, que, já naquela época, a bem dizer, estava dentro da cidade. A população cresceu, não respeita nem o campo santo. Era um domingo de sol e não foi difícil encontrar sua casa sem saber o nome da rua. Pois Lula Vassoureiro, artesão de tantas máscaras, àquela época já havia ido aos Estados Unidos com tudo pago.
A máscara de Guya é pintada de fundo preto, com pequenos círculos em dourado por fora, azul ou roxo por dentro, cada um com um ponto negro ao meio, como fossem olhos. Apontando para o céu, a máscara possui duas antenas de arame pintadas de dourado. Saem cruzadas do alto da cabeça e se abrem em espiral.
Ao colocar a máscara no rosto, percebi algo inusitado: essas antenas de arame têm poderes mágicos, como o das ciganas que leem mãos e predizem o futuro.
Ah! Me esbaldei no frevo. Adoro carnaval. Pelo croqui do local das mesas, que me havia sido enviado por whatsapp pela secretária encarregada das vendas, escolhi uma de pista. Pra que? O palco cresceu, banda boa, pastoras também. Porém o espaço de dança minguou.
Chegamos no ensaio da orquestra. A banda da rua nem começara a concentração. Nossa mesa na frente, acompanhamos o “show de garçom”, conforme se diz para os que chegam no horário marcado. Pois se sabe muito bem de nossa tradição de chegar depois.
Acabada a banda de rua, principiada a de palco, leitores amigos, vocês não imaginam onde ficou nossa mesa: encravada no salão de dança! O que não fez a menor diferença porque também nós, Clara e eu, já tínhamos tomado umas tantas cervejas e comido uns tantos amendoins torrados e cozinhados, deixamos as nossas cadeiras enfiadas embaixo da mesa e caímos no frevo. Cansadas, bastava afastar umas bundas, puxar a cadeira e voltar a sentar.
Um baile maravilhoso. Fui até uma beirinha do palco e fotografei o estandarte visto de cima, a orquestra, as lindas pastoras vestidas de cor de rosa, os foliões dançando no salão. Uma festa linda!
Vi Joana quando o baile estava em plena animação. A moça mais bonita da festa. Sem dever a nenhuma das outras ricamente fantasiadas.
Confesso que em vários momentos do baile, distanciei-me da música, do ruído das pessoas cantando, falando alto para serem ouvidas, das garrafas de cerveja se batendo em isopores que invadiram o salão. Mas isso foi depois. Antes, abrindo o carnaval, o presidente do bloco interrompeu o ensaio do Maestro Duda para avisar que neste ano, pela primeira vez, a bandinha de rua não iria fazer o percurso costumeiro porque os ambulantes haviam tomado quase todo o espaço das ruas em volta. Dizia isso em lamento que passou rápido. Anyway, vamos nos divertir.
A bandinha ficou tocando em frente à Igreja de Nossa Senhora da Saúde, sem seu tradicional desfile pelas ruas Visconde de Araguaya, Antônio Vitrúvio, um pedacinho da Luiz Guimarães, voltando para a concentração pela Estrada Real do Poço.
Para não me repetir, remeto os leitores para a crônica “É Carnaval” que publiquei em 25 de janeiro deste ano no blocomomentear.wordpress.com. Aproveito o ensejo para apresentá-lo aos leitores da “Revista Será?”. É um filhote desses Diários do Pina, porém com mais intimidade e frequência: tenho publicado dois a três textos por semana.
No Poço da Panela repetiu-se, com outras roupagens, o que aconteceu em Shopping Centers de São Paulo em anos atrás. As antenas da minha linda máscara de Guya captaram: a periferia está chegando cada vez mais perto. De pouco adianta o confinamento dos ricos.
Nesse bloco, eram mais pessoas fora do que dentro. Ficamos numa ilha de fantasia. Na história do Brasil já aconteceu isso uma vez, na passagem do Segundo Reinado para a República. E estavam todos numa ilha.
E eis que adentram a ilha da fantasia, ao alcance de minhas antenas, dois legítimos representantes do continente. Um moreno, cerca de vinte e cinco anos, isopor de cerveja “raine”, a preferida pelos da ilha. Às tantas, consegue um apito, o mesmo usado por vendedores de cuscuz nas ruas do Recife, para que os foliões saibam em que lugar se encontra e também para facilitar sua locomoção.
Porém a grande estrela da festa foi a morena que aparece aí na foto. Chama-se Joana Barbosa, tem quinze anos, mora em Casa Forte, tem facebook e uma tatuagem na coxa direita. Com a agilidade de menina moça, bateu todos os recordes de venda. Mal esvaziava o isopor, ia buscar mais. Não vi com quem, talvez a mãe.
No pedacinho de salão onde foi engolida nossa mesa, Joana trouxe para dentro do salão ilhado um pedacinho de quem estava no sereno, como se dizia das festas de antigamente. Os rolezinhos de São Paulo invadiram espaços fechados, de propriedades definidas. Os daqui, ainda estão na rua, espaço público por excelência. Botem as barbas de molho, senhores advogados.
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