A especulação – legítima, mas muito duvidosa – segundo a qual a consolidação da social-democracia na Europa Ocidental teria sido uma resposta do capitalismo à presença ameaçadora da vizinha União Soviética – “o espectro do comunismo rondando a Europa” – é extremamente injusta e ignora alguns fatos históricos fundamentais. É injusta porque desconhece (ou menospreza) a existência ativa dos partidos social-democratas europeus que, desde Marx e Engels, seus fundadores, e bem antes de Lênin e Stálin, difundiam as ideias e lutavam pelo socialismo. Mais injusta ainda porque subestima a força e a organização da classe operária dos países europeus, principalmente da Alemanha, muito mais industrializada que a Rússia, com uma história de ideias socialistas, grandes pensadores e brilhante intelectualidade socialista.
No último Hebdomadário da Corte(Revista Será?), Luciano Oliveira pergunta se a “socialdemocracia europeia teria podido existir sem o medo da brutalidade do regime de Stalin”. Ao contrário do que parece insinuar Luciano com a pergunta, a brutalidade de Stálin, que começa no final dos anos 20, contribuiu para afundar a República de Weimar da Alemanha, dirigida pelo Partido Socialdemocrata alemão nos primeiros anos após a derrocada do Kaiser Guilherme II (pouco depois da revolução russa que, em fevereiro de 1917, derrubou o tsar Nicolau II). Na verdade, durante a República de Weimar (1918 a 1933) e ao longo dos anos que antecederam a vitória de Adolf Hitler, o Partido Comunista, submetido à orientação autocrática de Stálin, empurrou a frágil república para o abismo e rejeitou uma aliança com o Partido Socialdemocrata, abrindo caminho para o nazismo. Em grande medida, o temor que o stalinismo despertava na classe média e na burguesia alemã ajudou Hitler a explorar o “ovo da serpente” na Alemanha, e em nada fortaleceu a social-democracia.
Mas a República de Weimar fracassou, e foi esmagada pelo nazismo por vários outros fatores, entre os quais as draconianas condições do Acordo de Versalhes que inviabilizou a recuperação da economia alemã após a guerra. Neste sentido, o Plano Marshal, implantado depois da segunda Guerra Mundial, com fluxo de recursos dos Estados Unidos para a Europa devastada, mostrou um aprendizado com o desastre provocado pelo Trabalho de Versalles, que criou o ambiente favorável à emergência do nacionalismo ressentido dos alemães, principal insumo do nazismo.
O Partido Socialdemocrata da Alemanha também foi incompetente para enfrentar a grave crise econômica, e lidar com a fragmentação política do país nos primeiros anos da República de Weimar. E tolerou a atuação brutal das milícias de direita dos Freikorps,na repressão à insurreição de esquerda dos Espartaquistas (dissidentes do Partido Socialdemocrata), em 1919, que culminou com o assassinato dos líderes revolucionários Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Este incidente deixou profundas marcas emocionais, que contaminaram as divergências políticas dos social-democratas com os comunistas, herdeiros de Rosa Luxemburgo, mas submetidos a Stálin, apesar de a líder alemã-polonesa ter sido uma critica dura da ditadura do proletariado, mesmo antes do stalinismo hegemônico.
Depois da segunda guerra mundial, a social-democracia não liderou a reconstrução dos países europeus, mas ampliou rapidamente sua influência política, com base nos sindicatos e no parlamento, aprovando as reformas que deram origem ao modelo social-democrata. Nas primeiras eleições para o Congresso da Alemanha Ocidental, em 1949, o SPD-Socialdemokratische Partei Deutschlands já alcançou quase 30% das cadeiras. Nesta fase da história europeia, longe de ser modelo de desenvolvimento, o stalinismo (presente na vizinha Alemanha Oriental) deve ter contribuido mais para a rejeição do socialismo que propriamente induzido a adoção de reformas sociai
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