Cristovam Buarque >

Felizmente, apesar do clima de violência na nossa guerra civil, ainda não nos acostumamos a todo tipo de crime. Ainda bem que nos chocamos com certos crimes de grande brutalidade, embora assistamos alheios às cem mil mortes por ano no trânsito ou por assassinatos, centenas de mortos por falta de atendimento médico e às vítimas da seca.

Sem crimes como esses não nos despertaríamos para a maldade de bandidos, nem para o sentimento e desejo de buscar alternativas mais radicais, não apenas para reduzir a criminalidade, mas também para nos vingar em nome das vítimas. Este sentimento de vingança tem o lado positivo de mostrar nossa irmandade para com as vítimas e seus familiares.

É por isso que é natural o sentimento de mudar a Constituição para impor pena de morte, ou mudar o código civil para reduzir a maioridade penal destinada a punir adolescentes, mesmo os piores criminosos, com menos de 18 anos. Nesta semana, um crime bárbaro, cometido por um menor, que completou 18 anos alguns dias depois, trouxe, mais uma vez, o assunto da redução da maioridade.

Este fato choca. Primeiro, porque os bandidos adultos estão usando, cada vez mais, menores de idade para cometerem crimes, sob a proteção da imunidade da idade. Segundo, porque eles sairão da prisão de menores sem qualquer registro do crime em sua ficha oficial. Terceiro, porque em um país onde se vota aos 16 anos conceder impunidade ao criminoso com apenas alguns dias antes de completar 18 mostra uma incongruência da lei.

Mas não é porque alguns cometem crimes bárbaros na véspera dos 18 anos que se justifica reduzir a maioridade penal para todos os milhões de jovens brasileiros que, desviados do caminho, quase sempre pelo abandono que a sociedade lhes impõe, cometem crimes menores. Até porque tratá-los como bandidos vai levá-los a se transformarem em bandidos. Além disso, reduzir a maioridade penal para qual idade? 16, 14, 12 ou menos? Se o problema é a manipulação por criminosos adultos, eles não vacilarão em reduzir a idade dos que lhes servem. Talvez consigam menores ainda menores, com mais facilidade do que atualmente.

A redução da maioridade penal não é a solução, por mais que se justifique defendê-la em momentos de raiva como estamos vivendo. A solução estrutural, no longo prazo, será a redução da menoridade e o aumento da maioridade escolar: reduzir a idade em que se entra na escola e aumentar a idade de quem sai da escola. E escolas de verdade, em horário integral, com ocupação plena do tempo, com educação integral e oferecimento de alternativas profissionalizantes para todos os alunos no ensino médio.

Mas isso ainda não resolverá dois problemas atuais: o uso de menores por bandidos e o risco de deixar solto depois dos 18 anos certos menores de alta periculosidade, conforme o crime ou os crimes que cometeram.

O primeiro problema se resolve passando a considerar crime hediondo o uso de menores para cometer crimes, qualquer que seja a gravidade deles.

Sem diminuir a maioridade para todos a segunda questão é tratar diferentemente os menores conforme o crime. Se todo menor deve ser menor, nem todo delinquente menor deve ter o mesmo tratamento. Para isso não precisa reduzir a maioridade penal de todos, basta atribuírem poderes a um grupo de juízes para que definam tratamento diferenciado conforme a tipologia do crime e as características específicas do menor que o cometeu, como a proximidade que ele está dos 18 anos.

Esta combinação permitiria ao Brasil manter sua conquista civilizatória de não tratar criança como adulto, sem cair na irresponsabilidade de passar a mão na cabeça de qualquer criminoso apenas porque tem menos de 18 anos.

Tudo isso, sem esquecer que no Brasil os menores são todos tratados como adultos ao negar-lhes o direito à educação na idade certa.
*Cristovam Buarque é professor da UnB e senador pelo PDT-DF