As manifestações públicas das últimas semanas no Brasil fertilizaram a política brasileira. Como resposta, o governo da Presidente Dilma Roussef, atrapalhado e despreparado, pariu um rato. Tudo que ela pensou como reação aos gritos das ruas contra a péssima qualidade dos serviços públicos e a corrupção na política e na gestão pública brasileiras foi um plebiscito para mudança nas regras eleitorais. Será que ela acredita que com o voto distrital puro e a lista fechada nas próximas eleições a educação pública dá um salto, a saúde pública chega ao “padrão FIFA” e o transporte público ganha qualidade a preço baixo? Será que ela acredita que o financiamento público das campanhas eleitorais acaba a corrupção política e governamental no Brasil e elimina os riscos de caixa dois e do mensalão? Difícil acreditar.
Como é difícil imaginar o eleitorado brasileiro diante da urna eletrônica tendo que escolher entre voto proporcional, distrital puro ou distrital misto, financiamento de campanha público, privado ou misto, proibição de coligações proporcionais ou outra qualquer opção, simplesmente porque não dá para perceber em que estas alternativas influenciam o futuro do Brasil e vida dos cidadãos. E se a intenção do governo é mesmo combater a corrupção que assola o Brasil, esta reforma política representa muito pouco, quase nada, mesmo considerando os múltiplos ralos de negociatas na política e na gestão pública. A forma de financiamento das eleições pode ser relevante para evitar desequilíbrio nas campanhas dos candidatos, mas está longe de ser fonte importante de combate à corrupção, a não ser quando gera as chamadas “sobras de campanha”.
O mecanismo central de corrupção é o superfaturamento de contratos e compra de serviços pelos governos nas diversas instâncias e órgãos públicos, forma endêmica e permanente de desvio de dinheiro público para partidos ou para os patrimônios pessoais dos governantes e políticos. Por isso os cargos comissionados nos governos são tão disputados pelos políticos desonestos e seus apadrinhados, por isso tantos políticos vendem seu apoio aos governos por cargos, de ministro de Estado aos escalões mais simples, desde que ordenadores de despesa. Trinta e nove ministérios e mais de 22 mil cargos comissionados na União formam uma ampla e inesgotável malha de desvio de recursos públicos. Neste sentido, o plebiscito e a reforma política, quase apenas eleitoral, são uma enganação e uma resposta ridícula ao grito dos milhões de brasileiros que invadiram as ruas e praças do Brasil.
A reforma eleitoral proposta pela Presidente não vai alterar em nada este terreno movediço de corrupção. Mais uma vez, o governo desvia o foco da questão e inventa um artifício para encobrir sua incompetência e desinteresse. O combate à corrupção requer uma reforma mais profunda a começar por uma reforma do Estado e do sistema de governo para acabar com a farra dos cargos comissionados. Excetuando o segundo escalão dos governos, todo cargo público deveria ser assumido exclusivamente por servidores de carreira com profissionalização total das atividades de direção governamental e não por indicação política. A profissionalização dos cargos comissionados evitaria a contaminação da gestão pública por pessoas despreparadas e apadrinhadas, frequentemente especialistas em superfaturamento, e impediria o mecanismo nefasto de compra do apoio político dos parlamentares com cargos de confiança.
A corrupção tem vários outros ralos, é verdade. Mas, bastaria quebrar esta relação promíscua dos políticos com os executivos e gerentes dos governos para reduzir drasticamente o sumidouro ilegal dos recursos públicos que compromete a qualidade dos serviços públicos no Brasil. Simples e rápido, sem necessidade de emenda constitucional muito menos de consulta popular. E sem esta figuração marqueteira da Presidente.
O que vem ocorrendo, no País, é um passo agendado na história. Acertado com o relógio das horas da agonia coletiva. Um gesto que vem com o amanhecer de um norte.
A praça, antes opaca, pálida, tornou-se visível. O palácio, antes auto suficiente, soberano, mostrou-se lépido, presto. A praça rugiu. O palácio curvou-se. Mas a praça é inculta, não sabe discernir.
A distância entre praça e palácio sempre foi medida por quilômetros de medo. De ambos os lados. Do lado da praça, medo que o palácio a fizesse sofrer ainda mais. Do lado do palácio, medo que a praça se descobrisse viva e apta. Mas a praça é inculta, não sabe discernir.
O medo da praça resulta de anos de humilhação, desorganização e de esquecimento. O medo do palácio vem de certa impunidade, da arrogância que não presta contas e do conforto. Mas a praça é inculta, não sabe discernir.
A praça precisa de ônibus seguro e barato, de saúde à mão e salas de aula dignas. Mas tem estádios de futebol, teleféricos e concurso de miss. O palácio tem plano de saúde grátis, imunidade e combustível pago pela praça. Mas a praça é inculta, não sabe discernir.
A praça tem que fazer concurso, sentir o suor do fazer cotidiano e bater o ponto. O palácio cultiva cargos comissionados, usa cartões corporativos e flana na Disney. Mas a praça é inculta, não sabe discernir.
A praça finalmente esgota a paciência. E mira o futuro construído hoje. O palácio enxerga a nuvem que se aproxima. Vê retirado o gozo de governar sem nada perceber. A praça perdeu o medo e vestiu a roupa de domingo. Os palácios acordaram para acudir.
E, aí, vem um sol ? Para crestar a lama e limpar o chão tropical.
Essa opinião expressada pelo jornalista é a mais pura verdade dos fatos que estaõ acontecendo no Pais. O governo sentindo-se acuado pela svozes das ruas tenta de toas as maneiras esconder a sua incompetência.
Tenho certeza de a opinião em apreço coincide com a idéia de grande parte dos brasileiros.
Dilma quer consertar uma crise sistêmica e de paradigma com gestos de marketing primário.
É que ela e seus partidários se prevalecem da ignorância da grande maioria do povo brasileiro e investem num marketing primário e míope para angariar votos. A infelicidade nossa, é que deu e está dando certo.
Meu caro Sérgio: Assino em baixo! Só para exemplificar. O Poder Público que tanto se “preocupa” com a segurança e integridade física do cidadão que utiliza transporte individual e a “preocupação” é tanta que obriga os seus usuários ao uso de cintos de segurança, porque não tem essa “preocupação” com os sofridos usuários do transporte coletivo”? Há muito tempo entendí que coisa de pobre só vale para as campanhas eleitorais. Na prática prevalece a nossa classe média (privilegiada)e o entender de Justo Veríssimo: Pobre que expluda!… abraçõ sempre inconformado de Ivan Rodrigues
Grande Sérgio! Em comentário feito em minha página de facebook hoje (tentando definir algum norte, em meio ao cipoal de indicações e posições políticas em que nos vimos repentinamente envolvidos), fiz referência ao artigo publicado no JC de ontem e encampei a posição por vc assumida, no artigo e no texto acima. Disse o seguinte:
“Em artigo publicado no JC de ontem (09), intitulado “Os ralos da Corrupção”, o amigo economista Sérgio Buarque dá uma dica importante: fala dos 22 mil cargos comissionados, à disposição apenas do governo federal, e do potencial maléfico que eles conduzem, porque preenchidos, quase invariavelmente, à base de favores e negociações, no mínimo, obscuras. Que tal começar então pela determinação de restringir os tais “cargos de confiança” ao 1º e 2º escalões das máquinas administrativas em todos os níveis (federal, estadual, municipal)? Os milhares de outros cargos de nomeação existentes país afora (particularmente os destinados aos chamados “ordenadores de despesas”), seriam preenchidos por funcionários de carreira, de acordo com a competência revelada no trato da área para a qual estivessem sendo designados.
Estaria tudo resolvido? Claro que não. Mas se estaria dando um golpe, talvez fatal, na sangria desatada de fraudes em que se constitui a relação de agentes nomeados “por favor”, com aqueles agentes externos que os “favoreceram para a nomeação”. O mais viria depois: com um controle externo bem mais rigoroso dos processos de licitação e principalmente com a punição bem mais rigorosa daqueles que transgredissem às regras estabelecidas. Mas esse mais é outra história, que haveremos de cuidar depois.”
Não se vislumbra nada parecido nas reformas até aqui anunciadas. Aliás, parece mesmo uma grande utopia – consideradas as vontades políticas postas em ação no tabuleiro da política nacional, no curso da nossa História. Mas não custa nada insistir. Nem que seja para acompanhar o velho jargão popular: “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Abração…