A avalanche de notícias de violência, corrupção, vandalismo e saques em diferentes partes do Brasil, barbaridades fúteis e inomináveis (pai matando filho, turba linchando pessoas, torturas entre pessoas, crianças amarradas no fogo), tudo isso é assustador e inquietante. Além disso, temos greve de serviços essenciais, como a Polícia Militar, levando ao caos nas cidades e intensificando violência e degradação. Sintomas de uma sociedade destituída de valores, esgarçados pela degradação das relações sociais e carente de confiança e esperança. O que está acontecendo com o Brasil? Por que essa degradação dos costumes e dos comportamentos na sociedade? Não existe uma resposta única. Até porque tudo indica que é o resultado de vários fatores, numa combinação perversa de desigualdades de oportunidades e de condições de vida, desagregação das famílias, consumismo e individualismo desenfreados, imediatismo e total desconfiança nas instituições, desconfiança principalmente nos políticos, no Congresso e nos partidos políticos que vivem encastelados e alienados da crise nacional. O que pode explicar que motoristas e cobradores de ônibus em greve destruam de uma tacada só 700 veículos, destruindo o seu instrumento de trabalho e fonte do seu emprego e fator decisivo para a já precária situação da sociedade consumidora? Indignação diante do não atendimento das suas reinvindicações? Será? Pode ser até compreensível. Mas justifica-se tão desproporcional ação destrutiva? Ou será que, para além dos protestos e reivindicações justas, existem outros grupos com pulsão violenta e interesses destrutivos? O Brasil é hoje um país despedaçado. Que futuro podemos esperar ou construir?
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Caros editores: O comentário abaixo não discute o editorial acima, do qual não discordo. Minha intenção é apenas acrescentar um outro ângulo para tentar compreender com o leitor um problema cuja solução ignoro:
Consumo versus civilização
Definindo civilização nos termos mais simples e neutros, o ser civilizado é aquele que respeita as leis de funcionamento da sociedade em que vive. Ninguém nasce civilizado. Internalizamos essas leis através de um longo e complexo processo de socialização que começa na família e passa para a escola, a religião e outras instituições socializadoras. No Brasil, nenhuma delas funciona efetivamente. A sociedade de consumo, na qual somos o que consumimos, ameaça ainda mais esses controles sociais. Os que têm vivem no shopping, templo desse novo mundo. Os que não têm sitiam o shopping e extensões da rede de consumo empilhados em favelas. Esses mundos antagônicos definem a paisagem potencialmente violenta da cidade brasileira. Quando a polícia cruza os braços, os que têm fecham as portas para proteger-se do saque desencadeado pelos que não têm e são de ordinário contidos apenas pelo medo da polícia e dos automatismos cotidianos da vida social. Os que têm fecham as portas e os que não têm começam a arrombar as que podem. Foi o que vimos e tememos nos dois dias de greve da polícia.
Não há efeito sem causa. E ela se chama Lula.
Concordo com o editorial e é inegável a doença que tomou conta da nossa sociedade. Costumo dizer que assistimos atualmente “Todo o mundo roubando todo mundo e chamando os outros de ladrão”. É a psicopatia de um corpo social podre, em que o crime e os pequenos delitos são banalizados para acobertar os bandidos de gravata. Houve um tempo que a palavra de ordem de Millôr Fernandes era encarada com graça. Virou realidade, pois a lei agora é: LOCUPLETEMO-NOS TODOS. Assustei-me com uma nota oficial do CDL-Recife, dirigida ao Sr. Governador do Estado, em que sua preocupação única era a possível perda de clientes e consequente redução de seus apurados. No blogue de Jamildo fiz uma postagem que reproduzo abaixo com inteira pertinência ao edital:
“O CDL Recife precisa descobrir que estamos no planeta Terra, na cidade do Recife do Estado de Pernambuco e, sobretudo, que o centro do sistema planetário não é o umbigo dos comerciantes. Essa nota dirigida ao Governo do Estado que acabam de divulgar é uma vergonha e uma exaltação ao egoísmo que comanda a violência que tomou conta do nosso mundo. Saibam que POVO, mesmo como concepção abstrata, é muito mais que os seus clientes que eventualmente estão se afastando de suas lojas e, por consequência, reduzindo os seus apurados; é muito mais que a possibilidade de redução dos seus lucros. Quando se lida com gente, meu caro Catão, é DIFERENTE como disse o poeta. Prioritariamente, temos que atentar para a segurança física de todo cidadão; para a locomoção dos maltratados usuários dos transporte coletivos que penam duas horas pra chegar aos seus locais de trabalho usando ônibus infectos, imundos, quentes, com metade da lotação em pé (cinto de segurança é exigência para os afortunados); e se atrasarem, vocês os patrões os demitem sem contemplação; para os pedestres que, sem a proteção dos carros blindados, são alvos fáceis dos “tiros perdidos”; enfim, como toda COISA DE POBRE, ninguém se preocupa com uma população submetida à uma desigualdade que nos envergonha como sociedade dita civilizada. Pelo menos, até para salvar as aparências, num momento aflitivo como esse, esqueçam seus próprios interesses e pensem na humanidade inteira e na população que está sofrendo.
Tb não discordo dos comentários. Entendo que há uma orquestração em muitas dessas ações, no sentido de expor segmentos da sociedade. O que faz sentido é que estamos reféns de um comércio onde o lucro é elevado (drogas), onde seus associados possuem uma logística que fazer muita empresa grande repensar, uma estrutura de poder superior a tudo o quanto se imagina nos quartéis, leis específicas que impõem o medo, estruturação de pessoal onde as opções “b”, “c”, … estão disponíveis a qualquer momento, tal o grau de mobilização. Com nossas leis frouxas, e o baixo nível de comprometimento de “algumas autoridades” fica fácil a esse polvo estender seus tentáculos em todos os espaços vazios ou não de uma sociedade sem rumo e sem sentido. Quais são nossos líderes? Quais são os políticos honestos e competentes? Quem são os governadores verdadeiramente interessados no povo que os elegeu? Quais são nossas verdadeiras crenças? Não iremos ter respostas para tudo e, em algumas talvez a quantidade de dedos em uma mão seja o suficiente para a contagem. O “rei está nú” e ninguém percebe. Não podemos nos esquecer que muito do que se tem hoje é reminiscências de um passado não muito distante. Antigamente trocava-se votos por dentaduras ou alpercatas. Hoje, o “dinheiro de plástico” assegura pelo menos 35 milhões de votos. Assim, para que mais. A culpa não é somente do governo. Como a ensaísta bem o escreveu, o colapso é muito amplo e difícil será a solução única.
Não vivi os anos 40, mas dos anos 50 lembro de alguma coisa, pois embora menino, sempre fui meio enxirido no mundo. Os anos 60 foram diferentes, e prefiro não falar deles.Pois bem, embora com muitas outras mazelas, pelo que sei, li e vivi, este Brasil Despedaçado que o Editorial nos fala, nunca se manifestou naquela época – havia mais civilização do que atualmente, aproveitando a deixa do Fernando. Mas tambem não existia quase nenhum consumo, pois não tínhamos industria, e por aí vai. Teríamos ali estas leis de funcionamento da sociedade? Havia este respeito por elas? Acho que sim. Então o que mudou? O que as destruiu? Ou as subverteu?
A resposta, acredito, está no período de redemocratização do país: governo Sarney, Collor, FHC e, principalmente, Lula e Dilma. Renegar o período ditatorial representou o afrouxamento das regras, das leis, quase todas elas. Hoje, 10 gatos pingados fecham uma estrada como a BR 101 tocando fogo em pneus, em nome de uma causa qualquer e a policia leva mais de 5 horas negociando, negociando, negociando, Na greve dos policiais desta semana, ninguem falou (você é louco??) que greve de policiais militares é ilegal, proibido pela Constituição. Assim, vivemos em um autentico Morro do Alemão carioca.
Penso que a violência latente, observada na sociedade brasileira atual, decorre de três fatores principais: 1) a falta de valores humanísticos, exaltada pela competição entre as pessoas que são estimuladas pela sociedade de consumo. Na qual cada um vale pelo que tem. E não pelo que é. Vale o luxo, a grife.
2) o estabelecimento no Estado brasileiro de práticas clientelistas, acentuadas no patrimonialismo, em que cada corporação estatal é voltada para beneficiar cada vez mais seus próprios membros. Alguém já disse que o Senado Federal é o céu. No recente movimento da Polícia Militar de Pernambuco poucos lembraram que a Constituição brasileira proíbe policial militar fazer greve;
3) a pregação do ex presidente Lula incentivando a luta de classes. Há um subproduto político nesse tipo de discurso que é a exasperação de conflito entre ricos e pobres. O acirramento de demandas sem limite legal. Em detrimento do clima de coesão social que deve prevalecer na comunidade. Falta governo educador, pedagógico. Uma pedagogia social que acentue a importância de valores. E não a conquista de poder.
Até agora, não vi ninguém aí falando do lucro, do luxo desmesurado que aparece nas páginas das revistas. Lucros acintosos de ricos que chegam ao Forbes num país onde tem gente analfabeta e sem ter o que comer em casa! É muita desigualdade! E acho que é isso que está despedaçando o país. Antes havia também, mas também havia o freio de uma igreja que pregava a conformação, as delícias no reino do céu. Hoje, as pessoas querem gozar aqui e agora. E aí?
Gostaria, por ora, de agradecer. Intensamente. Pelo nível do que aqui vem sendo veiculado. Tanto por editores quanto por quem comenta. Sou coleguinha com 4 décadas de carreira e 12 anos diretos de Praça dos Três Poderes (karma do qual curei-me recentemente, Amén). Estou enfastiada de mediocridades, além de carente&ávida por pensares/pensamentos.
Reporto-me ao que acabo de ler de um filósofo contemporâneo: “Você tem um problema, mas não é o problema.Desde que reconheça sua dimensão além dele.” O Brasil PRECISA de quem o/se enxergue!!!!!
Por ora, vocês ressuscitam minhas esperanças. Obrigada.
Caríssima Dalce:
Somos muito gratos pela sua generosa mensagem que nos anima a continuar com a publicação desta revista que se pretende a despertar a dúvida e questionar o senso comum cheio de mediocridades, como você diz. Sentimos, por outro lado, uma grande responsabilidade em manter este nível e atender à sua expectativa de qualidade e visão critica. Grande abraço e continue escrevendo seus qualificados comentários.
Os Editores
Obrigada pela consideração da resposta simpática e rápida!! Fico torcendo pra que sigam no rumo. E contem com meus comentários. Tô doidin por algo para Ler&Aproveitar.