Editorial

Choveu muito e de forma concentrada. Em apenas dois dias, choveu o equivalente a quase 20 dias da precipitação pluviométrica esperada para todo o mês de Julho. Mas o castigo da natureza não pode ser responsabilizado pela trágica morte de 13 brasileiros e por centenas de famílias desabrigadas, vítimas de deslizamento de barreiras na Região Metropolitana do Recife. Desastres como estes têm razões socioeconômicas e denunciam um histórico descaso com as desigualdades sociais e, particularmente, com a gestão das cidades.  São o resultado cruel e desolador da persistente pobreza e da profunda injustiça social, que se manifestam de forma direta na precariedade das condições de vida de milhões de brasileiros, nas cidades do Brasil. Responsáveis somos todos os brasileiros que, ao longo dos anos, toleramos esta situação, e principalmente osgovernantes que, por décadas, não souberam ou não quiseram combater as desigualdades e enfrentar o desmantelo de uma expansão urbana desordenada, caótica e carente de infraestrutura.Empurrada para as áreas de risco e sem alternativas habitacionais, a população também tem uma parcela de responsabilidade nos desastres, pelo seu descuido com a vegetação e pela movimentação descontrolada do solo, que podem alterar a estrutura das barreiras. É inaceitável e vergonhoso que, em pleno século XXI de grandes avanços tecnológicos, e com tanto conhecimento acumulado sobre a natureza, chuvas mais intensas saiam derrubando barreiras nas cidades e provocando tanto sofrimento e dor nas famílias. E é intolerável que milhões de brasileiros continuem vivendo sob o risco permanente de um desabamento que os venha esmagar com toneladas de areia e pedra, sempre que chuvas mais intensas e concentradas se precipitem sobre a cidade. Não basta a ação preventiva da Defesa Social para reduzir os riscos, menos ainda a assistência social depois da calamidade. O Brasil precisa de decisões politicas e investimentos estruturadores que, no médio prazo, levem efetivamente à redução da pobreza e das desigualdades sociais, e de medidas drásticas e competentes de reestruturação e ordenamento urbano.