A democracia e as instituições democráticas construídas nas últimas décadas, com sacrifícios e delicadas negociações, são um valioso patrimônio político e social dos brasileiros, o que torna inaceitáveis e condenáveis as manifestações (coletivas e individuais) e declarações ditatoriais recentes em favor de um impeachment da Presidente recém-eleita e o chamado aos militares para um golpe de Estado e implantação de uma ditadura militar. Se, por um lado, elas não podem ser ignoradas; por outro lado, porém, não parece razoável superestimar o alcance e as ameaças que possam representar estes grupos isolados e pouco organizados de radicais de direita sem influência política na sociedade. A eleição mostrou que os brasileiros estão divididos em duas grandes forças políticas, com muitas nuances internas, é certo, que, para além das divergências, respeitam as instituições democráticas. É verdade que o Brasil vive atualmente um momento delicado de desconforto e desconfiança da sociedade em relação aos políticos e descrédito nos poderes Executivo e no Legislativo, insatisfação com a qualidade dos serviços públicos e indignação com as denúncias de corrupção. Mas a situação social e política do Brasil não pode ser comparada à completa desagregação econômica, social e política que vivia a República de Weimar nas primeiras décadas do século passado, retratada por Ingmar Bergman como o “ovo da serpente”. Apesar das fundadas desconfianças da sociedade, as instituições democráticas do Brasil estão sólidas e estáveis; a economia tem problemas, porém está muito longe da crise pré-Plano Real; e as grandes lideranças políticas, mesmo ainda convivendo com um ranço autoritário, estão vacinadas contra a ditadura. As declarações em favor de um golpe são condenáveis. Nas condições sócio-políticas atuais do Brasil, não passam de um ovo de lagartixa.