No final da tarde quente de verão, entrei na cidade histórica carregando um sonho e, junto com ele, uma imprecisa inquietação. Um vento forte soprava do sul levantando uma poeira densa que filtrava a luz declinante do sol e produzindo um belo espetáculo da natureza. As pessoas se atropelavam descendo do ônibus em busca das malas sem perceber o efêmero cenário de luz e sombra que nos recebia. Eu estava tão encantado com a disputa dos jatos luminosos com a massa de areia em suspensão, tentativa de penetrar e empenho em deter os últimos raios do sol, que não desci do veículo até ouvir os gritos do guia turístico, iraniano que falava um espanhol quase incompreensível.
Recebi a chave dos aposentos na recepção mas não segui para o elevador como a tumultuada multidão de turistas. O guia me olhava sem entender minha fleuma. Aproximou-se de mim para perguntar alguma coisa, mas, antes que abrisse a boca, eu me antecipei de forma enfática: “Quero falar com o rei”. Como ele não entendeu e me olhava com uma cara assustada, repeti mais uma vez a minha intenção de encontrar o rei antes de qualquer coisa, antes de me alojar e de me banhar. Não nos entendíamos no assunto e menos ainda na língua. O guia descompensou e meteu-se a falar iraniano. “Que rei? Que rei é esse?”, eram as únicas palavras compreensíveis do limitado domínio do espanhol por um homem nervoso e confuso. O hotel inteiro parou para observar aquela cena estranha num idioma mais raro e impreciso.
Depois que o guia levantou os braços e foi embora, me senti perdido. E como a recepção do hotel também não me ajudasse no encontro pretendido com o rei, subi aos aposentos com uma grande decepção, adiando minhas pretensões. Ali estava a cama, larga e aconchegante. Embora não a tenha escolhido, sabia que tinham providenciado, por decisão real, a melhor alcova em que descansaria e amaria. Tirei a roupa e me deitei sentindo a maciez e o perfume do leito. Fechei os olhos e dormi alisando a coberta de seda bege de listras cinza, uma combinação repousante e suave.
Quando acordei, bem tarde, estava convencido de que já não precisava encontrar o rei. Mesmo com tantas responsabilidades e compromissos, que dificultavam o encontro, ele providenciara as melhores acomodações e ordenara que me dessem a mais bela e aconchegante cama do hotel. Confiante e sem pressa, me dirigi ao bar do hotel onde, tinha certeza, encontraria a mulher que desejei e esperei ao longo de toda minha vida para o momento sublime do amor naquela cama ampla e perfumada.
Ocupei a mesa da direita, em posição perfeita para acompanhar os movimentos das pessoas e descobrir a sua entrada no bar. Naquele momento, via apenas uma mulher no recinto, bela e elegante, porém acompanhada de um jovem iraniano. Ela não percebia a minha presença e parecia totalmente voltada para o seu parceiro.
Quando tomava a segunda dose de uísque, nervoso com a demora, entrou a mulher mais linda e sensual que tinha visto e dirigiu-se para o balcão sem olhar para os lados e, portanto, sem me procurar nem me ver. Branca de cabelos negros e olhos de cor de avelã, tinha um corpo talhado pelo grande escultor, e vestia uma saía comprida com um corte lateral que expunha as pernas enquanto caminhava. “Seria ela?”, pensei. “É ela, é ela que eu amei toda minha vida mesmo sendo este o primeiro momento que a vejo”. Me aproximei, sentei no banco ao seu lado e tentei uma conversação com as poucas palavras em inglês que conseguia expressar. Quando nos olhamos, eu segurei de leve seu colar e senti um jato quente descendo pelo corpo e tive a impressão que seu corpo latejou nas principais áreas erógenas. “Eu vim de muito longe, do outro lado do mundo, para encontrar você. Sem conheça-la, eu a amo desde sempre e desejo com ardor o seu corpo e a sua mente. O rei a entregou a mim e a deusa Ishtar me trouxe até você”.
Estava no meio deste discurso sedutor quando percebi que ela sorria, não um sorriso de contentamento com a declaração amorosa, mas um sorriso de ironia, como se me considerasse louco ou ridículo. Então, ela tocou no meu braço e falou no meu idioma: “Você é brasileiro, não é?” O jato subiu pelo corpo, agora frio, gelado. De imediato não entendi. Como ela poderia falar português tão bem e, mais grave, como poderia saber que eu era brasileiro? Antes que saísse completamente do torpor ela me explicou que tinha vindo no mesmo ônibus. E ainda completou dizendo que me observou na viagem, curiosa e interessada pelo jovem bonito e misterioso que não desgrudava de um livro de Manuel Bandeira.
Quando recuperei o fôlego, sorri também e conversamos sobre nossas motivações nesta viagem. Brasileira e arqueóloga, ela estava em Pasárgada para visitar os monumentos históricos do império persa, principalmente a sepultura de Ciro, o grande rei do vasto território dominado pela Pérsia cerca de 500 anos antes de Cristo. Ela não escondeu sua atração pelo companheiro de viagem e eu estava agora deslumbrado com a elegância e a beleza dos seus movimentos, os lábios largos e grossos, e os seios se insinuando sob o tecido. Conversamos muito, entre doses de uísque e de gim tônica. Falamos das nossas vidas e dos nossos sonhos, exploramos nossas ideias sobre literatura, política e filosofia. Nos beijamos ali mesmo no balcão do bar, acariciei seus cabelos e voltei a olhar nos seus olhos. Eu estava embevecido e, ao mesmo tempo, surpreso que tenha viajado tanto para encontrar e escolher uma brasileira.
Subimos no elevador nos olhando e sorrindo com o inusitado encontro. O destino tinha nos levado, por diferentes motivações e interesses, no encontro em Pasárgada, a descobrir o amor e entregar-nos aos desejos mais profundos. No apartamento, ainda de pé, tirei lentamente seu vestido, soltei o soutien, afastei a cabeça para admirar os belos seios com o bico rosado e endurecido pelo desejo. De leve, muito leve, beijei-os, enquanto descia a mão direita em busca da vulva, encontrando a cobertura dos pelos púbicos já umedecidos pela excitação. Nossos lábios se encontravam com tanta fúria que quase nos derrubaram, as pernas tremendo de emoção e prazer. Com o movimento, nos jogamos na cama com a coberta de seda que absorvia o perfume dos amantes e, já sem roupa, nos penetramos com suavidade e doçura em movimentos ritmados e sincronizados. Me senti como morrendo numa convulsão explosiva de múltiplos hormônios.
Continuamos deitados conversando, falando das nossas histórias, dos amores e desamores, algumas dores e muitas alegrias. Filosofamos e refletimos sobre nossos projetos de vida. Acariciei seus cabelos, sussurrei palavras amorosas. Rimos com o estado de plenitude. E, sem sequer sentir, adormecemos. Nem sonhei e desconfio que ela tampouco. A realidade superava qualquer fantasia e carecia de sonhos.
Quando acordei na manhã seguinte, ela já não estava do meu lado. Eu sabia que tinha partido para sua pesquisa e que não voltaria antes que eu mesmo me fosse. Senti um vazio, profundo vazio, com a sensação de que nunca mais a veria. Vim de tão longe para encontra-la e logo perdê-la. É verdade, realizei meu sonho em Pasárgada, amando a mulher desejada na perfumada cama que escolhi. Meu destino agora é conviver com esta ausência do amor a que o rei me condenou. O rei, que me concedeu a realização dos desejos, me castigou para sempre com esta carência e esta incompletude humanas.
Simples o comentário, meu caro Sergio C. Buarque.
Invejei a viagem. Ainda que foi para Pasárgada…