Deixa flutuar invisível em volta do corpo, mariposa, borboleta, beija-flor, sussurro da imagem choramingando a pele sem tocá-la, o verdadeiro desenho estando na alma, que o corpo teima em disfarçar. Essa brincadeirinha de esconde-esconde entre corpo e alma é mistério indecifrável apenas para os desatentos, eis que os homens de espírito nada constroem no corpo, mas desenham sobre a superfície da alma todo o tempo, e é nela que se instala a memória dos sentimentos. Percebe que a arte não está na melodia da sonata, nem na conjugação das palavras, sequer nos traços ou cores perenizados na tela, mas na abertura da alma para a recepção do som cortante dos fios do espaço, na tradução interior do ritmo das palavras, no devaneio do olhar que talvez, por um átimo, toque o espírito do pintor ancestral, criando, porém, mais e mais do que ele próprio jamais sonhara. A completa, rica, abrangente e cósmica alma que habita teu corpo se liquefaz em instrumento de tradução do mundo, do amor e da arte, teu maior repositório de lembranças e sensações vividas, não a substituas por expressões visíveis, ainda que delicados e coloridos desenhos. Que não passam de ilusões de imortalidade, pois, afinal transformados em cinzas, nada deixarão sobre a terra, ou na memória dos outros. Fotografias do corpo? Guardados do coração, respondo. Não há coisa alguma que possas colocar sobre o corpo e que reste para sempre, o desenho irremovível é apenas escamoteio da perenidade, efeito produzido pelo ilusionismo, é uma promessa de prazer e durabilidade que se revelará, em algum momento, dolorosa, efêmera, esperança vã, decepção, desilusão. Depois, é reprodução, não teu próprio sentimento. Pensa em construir e reconstruir, fora de ti, preservar ou reconstruir as coisas externas, o mundo, deixar a marca nos outros, o bem fazer, a compaixão, o socorro à pobre vítima de atropelamento, ainda que seja um gatinho, lutar pelo lugar dos filósofos, dos bailarinos, dos pedreiros, superar os obstáculos, enfrentar a desigualdade. Perseguir a imortalidade da alma, isto sim, é um objetivo digno do mistério da vida. “Pequena alma terna flutuante, hóspede e companheira de meu corpo, vais descer aos lugares pálidos duros nus, onde deverás renunciar aos jogos de outrora…”. Nunca assimilei a troca do cultivo da alma pela tatuagem, mutilação, emblema cosmético, a mediocridade da superfície, o querer mostrar, a exposição, sem falar nas muitas possibilidades de doença, pois não é doente, ou ficará doente, o corpo cheio de badulaques, como a sonda ou o saco excretor? A epiderme quer a virgindade. “Quero ficar no teu corpo como tatuagem”: observa, ficou o verso, ninguém precisou ver a tatuagem. É, nestes tempos superficiais, deve-se procurar a essência. Mas vá entender…
Sobre o autor
João Humberto de Farias Martorelli
Nascido em 26/09/55. Formado pela Faculdade de Direito do Recife. Colou grau em 18/08/77 (Turma Torquato Castro – foi laureado e orador da turma). Foi membro efetivo do Conselho de Recursos Fiscais do Município do Recife (1981) e Procurador Judicial da Prefeitura do Recife (1981/2001) com atuação na Procuradoria Fiscal (ambos os cargos, ingressando por concurso público). Foi também Secretário de Assuntos Jurídicos da Prefeitura do Recife, no período 01/01/86 a 02/05/88 e Conselheiro Federal da OAB, Seccional Pernambuco, no triênio 98/2000. Ex-Conselheiro e Ex-Presidente da Causa Comum. Membro da Associação Internacional de Juristas Democratas. Membro do Conselho Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (até 2005), sediado em São Paulo, Vice-Presidente da Regional do CESA/PE. Chairperson do Comitê de Legislação da AMCHAM (2003). Fundador de MARTORELLI ADVOGADOS, Escritório de Advocacia Empresarial com atuação em todo o Nordeste, com 30 Anos de atuação. Vários artigos publicados em coluna quinzenal no Jornal do Commercio e um livro em edição privada, “O Cofre é o Coração”, reunindo alguns dos artigos. Presidente do SPORT CLUB DO RECIFE (2014).
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Meu caro João Humberto Martorelli.
Depois de ler e, confesso, reler seu artigo e, por meu modesto mode de pensar; concluo que ele, realmente, deixou a tatuagem, tão falada, sem aparecer o desenho, na parte externa.
Trovabraço.
Excelente artigo, Martorelli, tão bom na filosofia quanto na literatura.