Clemente Rosas

Coin de table  by Henri Fantin-Latour (1872).

Coin de table by Henri Fantin-Latour (1872).

Les faux monnayeurs. É o título de um livro em que o escritor francês André Gide faz duras críticas à hierarquia da Igreja Católica do seu tempo.  O rótulo me ocorre agora, com a leitura do artigo do Senador Cristovam Buarque – Esquerda e “Exquerda” – publicado recentemente em nossos jornais.  E cabe bem àqueles a quem é dirigido.

O Senador é um exemplo para todos os políticos do país – proclamado até pelos poucos que a ele podem equiparar-se – e tem sido incansável em sua luta pela educação, pela moralidade e por um desenvolvimento includente e não predatório.  Pode cometer equívocos, e, na modesta opinião deste seu amigo, o fez, recentemente: ao não antecipar sua posição final no julgamento da admissibilidade do “impeachment” da Presidente deposta, e ao aprovar a manobra vergonhosa do “fatiamento” da pena de perda do mandato e dos direitos políticos, contrariando o claro texto da Constituição da República.  Mas, nos dois casos, tais equívocos não resultaram em danos à sociedade, apenas em algum desconforto para ele próprio: no primeiro, foi alvo de ataques dos dois lados em disputa; no segundo, teve que explicar-se, invocando as motivações éticas e humanitárias da sua posição.  De qualquer modo, é inquestionável que sua trajetória de vida pública tem sido límpida, impecável, olímpica.  E é em sua homenagem que repercuto aqui o seu trabalho, explorando o tema.

O Senador começa por revisitar o conceito de esquerda, no quadro das profundas transformações da sociedade do século XXI, em relação à do século XIX.  E restaura os seus querigmas: a fraternidade, a solidariedade, a motivação moral na chamada “vita activa”, a meta de um futuro de saciedade para todos, sem exploradores nem explorados.  Confrontando essas concepções com a postura dos que, sem ver o mundo mudar à sua volta, repetem hipocritamente antigos “slogans”  e cuidam apenas dos seus interesses corporativos e pessoais, conspurcando o ideário e enxovalhando as velhas bandeiras do socialismo, classifica essa contrafação com um neologismo: “exquerda”.

No caso específico da Proposta de Emenda Constitucional nº 241, que restringe os gastos públicos, permitindo apenas a sua atualização monetária anual, referida por ele como “a PEC do óbvio” – pois ninguém pode gastar mais do que ganha, uma vez esgotada a capacidade de endividar-se – Cristovam verbera a atitude dos que a combatem, com o falso argumento do prejuízo às áreas de educação e saúde.  Muito pelo contrário, observa ele, no quadro de uma soma de recursos estável é que se pode verificar – e cobrar – o cumprimento da prioridade que todos proclamam para esses setores.  Não se trata de “aumentar” dotações, a serem mal pagas com moeda corroída pela inflação, mas de remanejar, para a área prioritária, recursos de áreas não prioritárias, como publicidade, mordomias, viagens, privilégios, suntuosidades.

Para a administração pública brasileira, chegou a hora da verdade.  Sob pena de descrédito internacional, de insegurança para os empreendedores e de frustração para os assalariados, que veriam reduzir-se o seu poder de compra com o retorno da inflação, não pode o Governo Brasileiro agir irresponsavelmente, como tem feito por tantos anos.  Do professor Ignacy Sachs, polonês de origem, brasileiro de coração e naturalizado francês, ouvi uma expressão designativa do tipo de moeda que tivemos nos tempos anteriores ao Plano Real, e que agora nos arriscamos a voltar a ter: “monkey money”.

Alertemo-nos, portanto, contra os pregoeiros de soluções simplórias, cujo vezo é tergiversar, escamotear a realidade e abstrair circunstâncias objetivas, sem qualquer preocupação com a propositura de alternativas viáveis.  Vendedores de ilusões, têm como único objetivo desgastar o Governo, no vão propósito de voltar ao poder, de que tanto abusaram, ao longo de treze anos.

É de se esperar que os cidadãos ingênuos contra quem tentam praticar essa verdadeira fraude, em algum momento iluminado do futuro, venham a repudiá-los.  São moedeiros falsos.