Os jornais de João Pessoa talvez tenham estampado magros obituários. O funeral transcorreu sem muitas lágrimas. E assim, discretamente como viveu, ao cabo de longa e penosa enfermidade, morreu Maria Luíza, a fada da minha infância.
Alguns dos que me leem talvez não façam ideia do que representa uma criatura assim para o coração de uma criança. Não falo de mães, que até podem ser duras e cruéis, seja por uma concepção antiquada de disciplina, seja pelo simples descarrego das frustrações da vida doméstica sobre aqueles seres mais fracos que elas.
Aliás, o dogma da santidade materna tem sido ousadamente questionado por intelectuais e artistas da minha terra. O talento multiforme de W. J. Solha concebeu um quadro em que aparece uma figura de mulher tendo no braço um menino com expressão aflita. Ultimando o braço, uma garra de animal predador. Título da obra: “O Braço Esquerdo de Mamãe”. E o memorialista Cláudio Rodrigues teve a coragem e a inteireza de narrar as atrocidades a que foi submetido por uma genitora emocionalmente instável.
Falo daquelas pessoas adultas que, por circunstâncias várias, assumem o papel de companheiras, conselheiras, animadoras das crianças, oferecendo-lhes carinho e compreensão. Uma professorinha, uma tia, uma madrinha, uma parenta qualquer. Estas acabam por ocupar, no coração dos pequenos, um lugar que poderia ser exclusivo das suas mães.
No meu caso, a musa inspiradora era apenas irmã da mulher de um dos meus tios. Filha de um aventureiro alemão com uma doce morena baiana, quiseram os fados que vivesse vários anos na casa da minha avó, a matriarca sob cujo teto tantos se abrigaram, em momentos difíceis: genros desempregados, afilhados de minha tia solteirona, netos comunistas fugindo à repressão. E em nossas longas férias à beira do mar de Praia Formosa, à sombra das árvores, ocupava-se em entreter meia dúzia de irmãos e primos, contando histórias e organizando brincadeiras infantis. De uma beleza serena e constante brandura, sua simples presença me encantava. E o mais sutil olhar de reprovação doía mais que o pior castigo.
Um dia, eu a perdi. Casou-se, tomou distância. A cerimônia foi na ampla sala de visitas da mansão de sua protetora. Não teve filhos, criou vários sobrinhos, viveu placidamente ao lado do marido, compondo um dos casais mais harmoniosos de que já tive notícia. Até que a terrível doença lhe roubou a beleza do corpo, a lucidez do espírito, e enfim a vida.
Mas afinal, por que quis contar essa história, que parecerá sem qualquer valor a tantos? Não sei. Até mesmo porque este registro, tão pessoal e tão vago, logo se apagará. Transcrevo apenas, a propósito, as palavras finais do livro “A Ponte de São Luís Rei”, de Thornton Wilder, lido na adolescência, relido agora: “Também nós seremos amados por um momento e depois esquecidos. Mas basta esse amor; todos os impulsos do amor voltam ao amor que os criou. Nem a memória é necessária no amor. Há a terra dos vivos e há a terra dos mortos, e a ponte – o Amor – constitui a única sobrevivência, a única significação”.
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