Aécio Gomes de Matos

Cena do filme J’accuse – de Abel Gance de 1919.

Tive um grande desprazer ao ler um abaixo assinado, subscrito por 25 pessoas ligadas à Universidade Federal de Pernambuco, classificando de fascistas todos os que não comungam de uma visão maniqueísta sobre a pureza do PT e dos seus principais líderes.

Acusam todos os que não se alinham às suas posições como sendo intolerantes, movidos pelo ódio, hostis, racistas e preconceituosos. Reclamam dos que não estão na sua linha política, acusando-os pela falta de respeito aos direitos humanos; pela intolerância religiosa; pela intolerância quanto às diferentes identidades de gênero, pela censura previa às artes e a atos acadêmicos.

Por fim, acusam de parciais e intolerantes todas as instituições do Estado responsáveis pela apuração, denúncia e julgamento dos mais diversos atos de corrupção que dominam a cena da politica brasileira no momento atual.

Contrapondo esses argumentos às diversas referências da filosofia, da sociologia e da política que estão na base da minha formação intelectual e da minha militância política ao longo das cinco últimas décadas, posso me dar conta que algo está errado nas premissas daquele abaixo assinado.

Em primeiro lugar, a dialética, reconhecendo a contradição como base da democracia, rejeitaria esta posição positivista que distingue os puros seguidores do petismo do resto dos brasileiros, julgados genericamente como fascistas e cruéis perseguidores daqueles que são defensores de uma verdade absoluta, personalizada numa única figura política, que seria o Lula.

Em segundo lugar, associado a este sentimento de pureza, os assinantes daquele manifesto julgam seus opositores como cegos ignorantes que se submetem, ingenuamente, a clichês e pensamentos estereotipados.

Finalmente, na perspectiva política, este tipo de manipulação intelectual a que dizem estar submetidos seus opositores, parece considerar que somos todos ignorantes teleguiados ou oportunistas, tirando proveito dos governos que estão no poder e de suas políticas, nos locupletando de cargos e verbas públicas. Seremos isso mesmo? Seremos fascistas e corruptos?

Não seria possível refletir sobre essas questões sem um olhar histórico sobre a realidade que estamos vivendo no Brasil: uma economia em frangalhos, um Estado falido e instituições corrompidas. Na prática, é preciso esclarecer, esta situação é fruto de um modelo populista que se instalou nos governos do PT. Este modelo, que se demonstrou bastante efetivo no curto prazo, foi um verdadeiro desastre na sua continuidade até os dias de hoje. De fato, o distributivismo que beneficiou a renda das camadas mais pobres a curto prazo, foi desprovido da mínima consistência macro econômica. O resultado, visto nos dias de hoje, é desemprego, a perda de renda dos mais pobres, a fragilização da economia, o endividamento desmensurado do Estado. A generalização da corrupção, como falência do modelo, não pode ser dissociada do modelo de ocupação dos cargos de gestão pública com base num único indicador que foi e continua sendo os interesses partidários.

Os modelos populistas típicos dos anos 30 nos países latino-americanos (Vargas, no Brasil, Cárdenas, no México e Peron, na Argentina) se travestiram nas últimas décadas com uma fantasia dita bolivariana, comandada pela Venezuela (hoje, um país falido) e seguidores no Peru, Equador, Bolívia, Nicarágua e Argentina. Não seria possível esconder a simpatia e a cooperação dos petistas com esses governos, inclusive pelos empréstimos do BNDES que financiaram obras importantes em todos esses países, incluindo Cuba. Todas permeadas pela corrupção.

Olhando a história, este populismo que está por trás dos que nos acusam hoje de fascistas, encontraria semelhança nos modelos típicos do totalitarismo europeu que dominaram países desenvolvidos como a Rússia (comunismo), a Alemanha (nazismo) e a Itália (fascismo), todos centrados em figuras idolatradas como Stalin, Hitler, Mussolini. Eis o primeiro ponto de uma semelhança que não termina aqui: o Brasil tem o Lula e milícias mobilizadas em todos os recantos do Pais impondo um pensamento único, com a depreciação dos que lhe parecem opositores, considerados antagonistas.

É nesses termos que precisamos caracterizar quem é fascista. Se não bastassem a semelhança histórica deste movimento que encontra respaldo até em alguns intelectuais da universidade pública, há que se considerar que o foco principal dessa militância termina sendo as instituições democráticas em si e, no momento atual, aquelas que têm funções ligadas ao sistema judiciário. Isto, sobretudo, porque é o Lula que está na pauta dessas instituições, sendo julgado.

Não estamos aqui para defender governantes corruptos nem a pureza de determinados policiais, promotores ou juízes. Não temos grandes expectativas dos políticos que estão no poder, nem na legislação vigente e seus compromissos com as elites. O nosso compromisso é com as instituições e suas autoridades, que precisam ser preservadas, como único meio de se manter a república e a democracia. Os governantes, esses podem ser mudados, os legisladores também, mas instituições como a justiça não podem ser atacadas na sua integridade, sem comprometer a própria democracia.