Luciano Oliveira

Jornaleiro.

Chega! Por essa semana chega de RPB – Realidade Política (cada vez mais policial) Brasileira! Um dia eu disse a minha filha que, quando passasse para o outro lado do Grande Mistério, ela deveria providenciar para mim o seguinte epitáfio: “Aqui jaz Luciano Oliveira. A realidade o matou”. E como a realidade brasileira, neste momento, é capaz de matar um cristão em uma semana, vou me dar sete dias sem correr o risco de ter um enfarte fulminante.

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A MONOTONIA DO MUNDO

Hoje é sexta, mas amanhã é sábado,

Pé-de-quiabo.

Depois é domingo,

Pé-de-cachimbo.

E tudo recomeça

Na próxima sexta,

Porque não existe

Semana bissexta!

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Mas o mundo não é só monotonia, nem só desgosto, nem só tristeza. Lembram daquela história do copo que não se sabe se está meio vazio ou meio cheio d´água? Pois é: como nuns dias chove, mas noutros dias bate o sol (parafraseando Chico), quem gosta de inverno fica feliz quando chove, e quem gosta de verão fica feliz quando faz calor. O mais curioso é que, do ponto de vista da vontade, nós não somos capazes de decidir se vamos gostar mais de uma coisa ou de outra. Esse problema já atormentava Santo Agostinho (que segundo Hannah Arendt teria sido o primeiro “filósofo da vontade”). O autor das Confissões, tendo vivido uma juventude na concupiscência, depois que se converteu ao cristianismo católico aderiu radicalmente ao desprezo pelos prazeres da carne e passou a afastar qualquer pensamento que lhe lembrasse os pecados pretéritos. Mas ficava atormentado com o fato de que, quando dormia, sonhava com mulheres e acordava com ereções (deve ter também acordado várias vezes depois de expelir “poluções noturnas”…). E concluiu que a faculdade da vontadenão era capaz de nos impedir de pecar. Vem daí a famosa “teoria da graça”: se somos incapazes, malgrado nossa vontade mais firme, de evitar cometer pecados, só a graçade Deus, gratuita e sem explicação (pois seus desígnios são insondáveis), pode nos salvar!

Segundo Max Weber na Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, essa teoria, maluca para nós (mas não para Calvino), terminou desembocando, dezenas de séculos depois, no mundo em que Engels, proprietário de fábricas em Manchester, escreveu A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra.

Entrei pela perna do pinto e saí pela perna do pato. Acho que me perdi. Mas me acho. As reflexões acima vêm a propósito de que, como dizia, não podemos, por vontade própria, gostar mais de sol ou de chuva. Mas podemos, pela razão, antever, se gostamos mais do primeiro, que mais dia, menos dia, choverá; e se gostamos mais da segunda, que um dia o sol voltará a bater. E com isso seremos menos infelizes – ou mais felizes, como o leitor preferir. Acho que a mesma coisa ocorre com o debate sem fim, e aparentemente sem solução, entre o pessimista e o otimista. Por temperamento, somos uma coisa ou outra, e a vontade parece-me impotente para decidirmos ser diferentes. Mas podemos, pela razão, nos desentranhar daquilo que mais profundamente somos e, fazendo um exercício de reflexão, verificar que o mundo, como uma realidade objetiva – tão objetiva quanto o copo com água –, fornece-nos elementos para verificar que tanto o otimismo quanto o pessimismo são igualmente razoáveis. Eu sou, por temperamento, um pessimista, e acho que o mundo em que estou vivendo fornece abundantes exemplos para me justificar. Mas, num esforço de pensamento, encontro também elementos que abalam minha vocação schopenhaueriana. Dois exemplos. Um: já pensaram viver num mundo sem anestesia? Pois bem: a anestesia como a conhecemos existe apenas há pouco menos de dois séculos. Dois: já pensaram no fato de que é uma bênção viver numa época em que o Youtube permite a um sujeito como eu assistir, na hora que quiser, a Leonard Bernstein regendo a Sinfonia Titãde Mahler?

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Se Elimar Nascimento ler este “hebdô” perceberá que a tese defendida acima é uma piscadela ao famoso dito de Gramsci (hum… essas minhas leituras!…) sobre o “otimismo da vontade e o pessimismo da razão”. Nem que seja por um efeito de contraste, já que a minha posição é exatamente oposta à de um autor que era venerado na época em que comecei minha carreira acadêmica, e que hoje é amaldiçoado por gente do quilate de Olavo de Carvalho, padre Paulo Ricardo e Silas Malafaia. Não sei se o senador Magno Malta, por superávit de “inguinorança” pode entrar nesse time… Mas, pôxa!, lá vou eu adentrando a RPB que quis evitar… É melhor parar. THE END.