Clemente Rosas

Marco Maciel.

IV – Marco Maciel

Nos anos 1961-62, tempo de minha breve experiência de política universitária, só havia uma UEE (União Estadual de Estudantes) em oposição à UNE: a de Pernambuco, presidida pelo liberal Marco Antônio Maciel. Todas as demais, controladas pela JUC (Juventude Universitária Católica), pelo PCB ou por estudantes independentes, eram “situacionistas”.  Marco Antônio, como o chamávamos, era católico, mas derrotara José Geraldo Wanderley, outro católico apoiado pela JUC e pelo PCB, já em política de “frente única” esquerdista.

Liberal convicto, como se conservou toda a vida, era um candidato difícil de vencer.  Em tempos juvenis de exaltação e radicalismo, não tinha inimigos, e tratava os adversários com perfeita lhaneza.  E assim continuou depois, na política profissional, sem jamais perder uma eleição: deputado estadual, deputado federal, governador, vice-presidente da República, senador.  Só não foi bem sucedido na terceira candidatura ao Senado, que marcou o fim de sua carreira.

Após 1964, sendo de família “pessedista” (o pai foi prefeito do Recife, pelo velho PSD), e sem pecha de esquerdismo, tornou-se secretário de Estado no governo de Paulo Guerra, o vice que assumiu com a deposição de Miguel Arraes.  Para todos nós – investigados, presos, foragidos, emigrados ou simplesmente desempregados – isso era pecado imperdoável.  Não queríamos conversa com ele.

Mas os anos se passaram, e em 1979, aos primeiros lampejos da “abertura lenta e gradual” anunciada pelo general Ernesto Geisel, Marco Antônio, ainda de forma indireta, foi escolhido Governador de Pernambuco. E foi buscar no IPEA jovens técnicos pernambucanos para compor o núcleo de poder do seu secretariado: Everardo Maciel, Jorge Cavalcante, Joel Holanda e outros.  E a eles encomendou um detalhado plano de governo.

Em auditório da Federação das Indústrias de Pernambuco, antes da posse, o eleito foi pessoalmente apresentar aos empresários o seu plano.  E como executivo de empresa, em meu “exílio interno”, fui ouvi-lo.  Ao final, como fora estabelecido, formulei por escrito uma questão qualquer.  E ele, ao ler o papelucho, manifestou-se:

– Vejo aqui uma pergunta de Clemente Rosas, que foi meu contemporâneo de política estudantil, como também o irmão dele.  E tenho muita alegria com este reencontro!

Devo confessar que esta simples atitude me conquistou, e dissipou todas as minhas prevenções.  Meu irmão, militante do PCB e participante do governo Arraes, após anos de vida clandestina, vivia exilado em Portugal, e não gostava nada dele. Foi uma demonstração de seu espírito liberal, “à outrance”, que eu iria conhecer de perto, pouco tempo depois.

E foi assim que, resolvido a encerrar minha experiência no setor privado, e pela mão de alguns amigos, habilitei-me a servir ao seu governo.  Fiz questão de declarar aos meus entrevistadores minha vida pregressa e minhas preferências políticas, mas isso não constituiu obstáculo.  O momento político era de abertura, todos diziam.  E se alguma restrição houvesse, o governador, com ótimas relações com o general Golbery, resolveria o caso.

Nomeado para uma diretoria do CONDEPE (Instituto de Desenvolvimento de Pernambuco), em pouco tempo fui destacado para assessorar o chefe do governo em suas relações com a SUDENE, a agência regional de desenvolvimento. Estudava as pautas das reuniões do Conselho Deliberativo da autarquia, preparava as intervenções dele, viajávamos juntos quando as reuniões ocorriam fora do Estado.  Ao final da gestão, nomeou-me superintendente do CONDEPE.

Jamais me fez, nem me fizeram seus auxiliares, qualquer cobrança de natureza partidária ou ideológica.  Trabalhava compulsivamente, e quase não dormia. Seus secretários viviam em plantão permanente: dois motoristas, revezando-se de 12 em 12 horas, garantiam o deslocamento de suas casas para onde ele estivesse.  De temperamento ascético, quando, no Carnaval, resolvia “descansar” na praia de Porto de Galinhas, era pior: inquietava-se, convocava algum para despacho, e o infeliz atravessava as cidades de Olinda e Recife, conflagradas pela folia, em carro oficial, levando vaias:

– Olha o chapa branca!  Vergonha! Mamata!

Eleito senador, e transferindo-se para Brasília, ainda o ajudei em alguns discursos, sem qualquer retribuição, mas fui tomando distância.  Era natural. Surpreendia-me, no entanto, quando ele telefonava para cumprimentar-me, nos meus aniversários.  Até que a terrível doença lhe devastou a mente. Talvez porque, na minha opinião de leigo, ele tenha exigido demais do seu cérebro, sem lhe dar o necessário descanso.

Mas, por toda uma vida dedicada ao seu país, sua região e seu Estado, pode ser considerado hoje uma unanimidade nacional, título talvez perdido, lamentavelmente, por aquele cantor de tantos méritos.