Elimar Pinheiro do Nascimento

Independentemente do julgamento que fizermos sobre o processo de impeachment já utilizado no País por duas vezes em menos de 30 anos, o assunto veio à ordem do dia quando, no domingo, 19 de abril, o Presidente apoiou uma manifestação que defendia o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, em frente ao Quartel General do Exército. O tema foi reforçado, em seguida, quando o Presidente pretendeu humilhar o, até então, Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, comunicando-lhe a mudança do chefe da Policia Federal, pelo simples motivo de que a corporação não lhe estaria  prestando as informações sigilosas sobre processos contra os seus familiares e aliados. Um claro abuso de autoridade e desrespeito às instituições democráticas. Antes, preparou a mudança, certificando-se, em conversas palacianas, do apoio do Centrão, que conta com cerca de 200 cadeiras na Câmara dos Deputados. Em troca do que, ainda não sabemos, mas podemos imaginar.

Em face dessa conjuntura, a pergunta sobre a viabilidade do impeachment tem cabimento.

Os dois casos anteriores de impeachment no Brasil mostram que pelo menos cinco condições devem ser preenchidas para que o processo, traumático, tenha sucesso: 1) estar o Presidente com índice de aprovação inferior a 10%; 2) ter na oposição a maioria da mídia; 3) perder o apoio da maioria dos grandes empresários; 4) perder a batalha das ruas e, finalmente, 5) ter a maioria esmagadora dos congressistas na oposição (2/3). Este último critério, aliás, só é preenchido depois que os anteriores se cumprem. Collor de Mello caiu depois de ter, nos 12 meses antes de sua queda, 48 das 52 edições das capas da revista Veja com reportagens de críticas e denúncias à sua gestão. Dilma precisou fazer um estelionato eleitoral, haver uma operação extraordinária de combate à corrupção no governo petista, que se alastrou por mais de dois anos antes de sua queda, e uma recessão econômica extraordinária no primeiro ano de seu segundo mandato, em 2015, para cair. Claro que uma crise econômica sempre favorece a perda de apoio popular e empresarial do Presidente, o que poderá ocorrer no segundo semestre deste ano. Porém ainda não se sabe a quem a população culpará pelo recesso econômico.

Vejamos em que medida as condições, aparentemente indispensáveis a um impeachment, estão preenchidas ou em vias de o serem.

Pesquisa do jornal Folha de São Paulo, de 27 de abril, mostra que a maior parte dos brasileiros (48%) são desfavoráveis a um processo de impeachment. Apenas 45% são favoráveis. O mais importante, contudo, é que, nesta mesma pesquisa, 33% aprovaram o governo de Bolsonaro. Aprovação que era de 30% em dezembro de 2019. A reprovação de seu governo é de apenas 38%. Ou seja, Bolsonaro, apesar de todos os feitos, mantém o apoio de 1/3 dos brasileiros. Dilma, às vésperas do impeachment, tinha 7%. Portanto, a condição de perder, de maneira esmagadora, a luta da opinião pública não está preenchida. Ao contrário, o Presidente mostra ter um contingente de apoio de grande fidelidade. Minoritário, mas expressivo e, sobretudo, capaz de lhe levar ao segundo turno, que ele imagina ser contra o PT, o que lhe daria possibilidades reais de vencer.

Em relação à mídia, Bolsonaro adotou uma postura inteligente, diferentemente de Dilma e Collor. Primeiro, manteve ativa sua potente comunicação via internet, além de dezenas de comunicadores que o apoiam, não se sabe muito bem por que.  Segundo, tem tentado enfraquecer e desacreditar o canal de TV que lhe é mais crítico, e de maior audiência no País, a TV Globo, enquanto alimenta outros canais, particularmente a Record, grupo reconhecidamente evangélico e conservador. Seus ataques constantes ao Grupo Globo, que se somam às críticas dos petistas, têm como único objetivo desclassificar seu noticiário. Dessa forma, ele mantém fiel a si uma parte da mídia e veicula suficientes informações para alimentar as narrativas em seu favor, mantendo a opinião pública dividida.

Não há indícios claros, por enquanto, de perda do apoio da maioria dos grandes empresários. Pelo menos, desconheço informações consistentes neste sentido. E, inteligentemente, Bolsonaro mantem seu ministro da economia, sua ponte mais segura com os grandes empresários.

Quanto às ruas, apenas os bolsonaristas a ocupam, com muito barulho, muitos carros e pouca gente, como a manifestação de domingo 27, em Brasília. As pessoas que dele discordam, que são maioria no País, porém não absoluta, têm receio da pandemia e se manifestam apenas por panelaços nas janelas, e nas redes sociais. Fazem um pouco de barulho, mas em locais bem definidos e sem o poder de imagem que tem uma avenida paulista repleta de gente. Sem dúvida, como afirma Marcus André, a pandemia atrapalha.

Finalmente, com o aceno ao Centrão, Bolsonaro se prepara para uma eventual, e cada vez mais improvável, batalha congressual, sobretudo após o fato de Lula ter dado ordens para o PT não assinar o pedido de impeachment, que deputados começaram a preparar na semana passada. Não interessa ao PT a saída de Bolsonaro, pois com ele tem chances de ir ao segundo turno. De toda forma, o apoio do Centrão pode ser extremamente útil a Bolsonaro, caso os processos que correm no STF, inclusive o das denúncias de Moro, progridam de maneira desfavorável aos seus interesses. Questão que Bolsonaro tratou de reduzir, ao nomear, como seu novo Ministro da Justiça e Segurança Pública, um amigo do Presidente do STF, o ex-dirigente da AGU e forte candidato ao STF André Mendonça, que ele denominou de “terrivelmente evangélico”.

Assim, a permanência de Bolsonaro está assegurada. Pelo menos por enquanto, pois em política as conjunturas mudam com rapidez. Mas a probabilidade é pequena, e no momento, inexistente.