Primeiro foi Hobbes, no séc. XVII, falando em uma “assembleia de homens que reduzem suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade”. Em seguida Locke, definindo a base teórica do pensamento ocidental contemporâneo, com a compreensão de que “os homens são iguais e independentes.” Depois Rousseau. Pensando a liberdade, na sociedade, inseparável da solidariedade. Com “todos se tornando iguais por convenção e direito” Depois, as ideias iluministas. Com restrição nas prerrogativas do poder. E a história recente da civilização acentuou, cada vez mais, o compromisso entre igualdade e participação. Um espírito que, no Brasil, pode ser encontrado mesmo em Proclamação de D. Pedro I (junho de 1822), a favor de “uma independência moderada pela unidade nacional”.
Ocorre que passa o tempo e os problemas vão se acumulando. Com a industrialização, foram articuladas em um único sistema econômico regiões que antes se vinculavam sobretudo com o exterior. E passamos a viver uma complexa transição estrutural, com a reacomodação nas relações entre os centros de poder. Tanto de natureza econômica, como política. Grave porque a mudança, naquela opção anterior, não se preocupou, verdadeiramente, com a formação de um mercado interno. Enfraquecendo, consideravelmente, os vínculos de solidariedade entre as distintas regiões do país. Pior é que o processo de modernização hoje em curso, definitivamente, não se ancora na integração das economias regionais. Agravando a concentração de riqueza e renda.
Já vivíamos o esgotamento do ciclo nacional-desenvolvimentista. E é tempo de buscar novos caminhos. Problema, agora, é que esse mega problema do coronavírus sugere que sair da crise vai corresponder, no fundo, a encontrar uma nova identidade nacional. E primeira questão que se aponta, em um processo assim, é a oposição entre irracionalidade coletiva e racionalidade específica, que constitui a essência do Dilema do Prisioneiro de que falava Max Weber. Como os atores exercitam suas mútuas desconfianças, isso impede, ou limita severamente, a afirmação da vontade coletiva. Levando a uma situação de intensa competição, com instituições ainda não inteiramente consolidadas e regras em constantes mudanças, que leva o país inevitavelmente para a situação de um macro-dilema do prisioneiro. Em que todos, a partir de seus próprios interesses, priorizam o comportamento individualista. Sem ser capazes de produzir estratégias de ação coletiva. O que se opera em níveis diversificados. Nas classes sociais economicamente privilegiadas, que não aceitam aumentar sua contribuição para a superação de desigualdades. Nos cartórios privados, que se esforçarão por manter suas possessões. No corporativismo dos que se preocupam, somente, com a preservação dos seus privilégios.
A Espanha saiu da crise, na morte de Franco e a volta da monarquia, com o “Pacto de Moncloa”. Em que as questões da transição foram definidas democraticamente. Perguntei ao Primeiro-Ministro Adolfo Suarez o que seria mesmo, por dentro. E a resposta dele foi exemplar: “O Pacto foi a negociação do Pacto”. O sentar, na mesma mesa, governo, empresários e trabalhadores. Para definir uma nova pauta para o país. Seria bom que algo assim pudesse acontecer por aqui, para sairmos de vez dessa crise. Isso é possível? Fernando Pessoa disse (Sobre Portugal) que “É difícil distinguir se o nosso passado é que é o nosso futuro, ou se o nosso futuro é que é o nosso passado”. Deus queira que seu vaticínio valha só para seu país. E que, no Brasil, ainda sobreviva um resto de esperança.
José Paulo Cavalcanti Filho.
Caro DrJosé Paulo, com esse governo está muito difícil qualquer pacto. Mais por ele do que com os demais atores.