Luiz Otavio Cavalcanti

O Brasil é uma República Federativa. Sob regime democrático. E nas democracias, o poder moderador não está no Exército. Está na Constituição. Seu intérprete, em última instância, é o Poder Judiciário. Por meio do Supremo Tribunal Federal – STF.

É assim na tradição das democracias ocidentais: Estados Unidos, França, Itália, Suíça. Fica claro que Forças Armadas são órgão de Estado. E não de governo. Na prática, Força Armada é atemporal. Não tem vínculo com a brevidade de mandato político.

Este é o painel no qual se inscreve o marco civil dos regimes democráticos. A partir do qual se constrói o controle das instituições civis sobre a organização militar.

Aspecto importante dessa questão envolve as prerrogativas alcançadas pelos militares. Eis algumas delas: autonomia na responsabilidade pela defesa do país; o comandante em serviço ativo detém o controle de fato das Forças Armadas; participação no ministério de militares, inclusive em serviço ativo.

Em tal contexto, é evidente o elevado poder latente das Forças Armadas. Baseado no conjunto de prerrogativas militares. O ex ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, no âmbito do processo de redemocratização, em março de 1986, na reabertura do Congresso, disse: “Sou militar, mas sou ministro. E não me subtraio do dever de falar sobre a agenda política do país”.

Foi o ministro Leônidas quem declarou ao então vice presidente José Sarney, na madrugada em que o presidente eleito Tancredo Neves se internara no Hospital de Base, em Brasília: “Assuma, amanhã, seu cargo. Boa noite, presidente”.

Elemento relevante, nessa matéria, é a existência de uma cultura civilista. Ou seja, o reconhecimento de que, nas democracias, o poder civil controla os militares. Nesse sentido, o presidente Bolsonaro presta um grande desserviço à Nação. E ao regime. Porque este tema estava fora de pauta. Encerrada a ditadura há mais de trinta anos, essa questão deixara de constar do vocabulário político.

O tema foi reintroduzido pelo atual presidente de duas formas: na nomeação de generais, ministros militares, sendo um da ativa, para cargos dentro do Palácio do Planalto. E na designação de mais de quatro mil militares, da ativa e da reserva, para exercer funções em órgãos da administração federal.

Na prática, o prestigioso conforto (ao lado de preocupações) do cargo de ministro de Estado adoça o gosto do militar ao poder temporal. Por outro lado, a militarização dos quadros da administração civil cria âncora remuneratória que fascina o profissionalismo dos filhos de Caxias. Diferente do propósito de missão militar.

Há estratégia de sedução via boleto salarial ? Parece coisa prosaica. Mas não é. Tanto do ponto de vista de filosofia administrativa. Quanto de manipulação quantitativa. Nessa altura, são mais de quatro mil servidores militares em funções civis.

Enquanto isso, costuram-se frentes democráticas. Com o objetivo de valorizar o conceito e a vivência da democracia no país. Em face do discurso autoritário do presidente Bolsonaro. E de criar unidade de pensamento, entre diversas correntes políticas. Fortalecendo bloco que enfrente a ação obscurantista e teocrática da extrema direita.

A formação de frente democrática é a saída. Por três razões: ocupa espaço na mídia no período pré-eleitoral; cria clima de confiança entre os aliados; e explora possibilidades de composição política no equilíbrio de vários campos partidários.

Participamos, em 1989, de movimento em frente política para combater o então candidato, Fernando Collor. A luta eleitoral tem seu ardor. E, naquele caso, mostrava também a beleza política de movimento que unia adversários. Juntando superiormente propostas sociais para além de visões partidárias. Na busca de imagem síntese, unificadora, do país.

Foi política viva, suprapartidária. Uma peça bonita. Pintura de Portinari. Ou bachiana de Villa Lobos. Engenho político tem formas de beleza. Produz gestos que incentivam qualidade política.