Santos Dumont

Santos Dumont

 

Adriano Batista Dias

14 julho 2023.

Dia 20 de julho de 2023 o nascimento de Alberto Santos Dumont completa 150 anos. Uma forma de relembrá-lo é compará-lo com Thomas Alva Edison, este sem dúvida, o maior inventor e inovador de que se tem notícia, colocando suas principais contraposições e semelhanças. Santos Dumont filho de um brasileiro, engenheiro por escola de elite na França, construtor de ferrovias e o mais bem sucedido empresário agrícola no Brasil de seu tempo, com mãe brasileira tendo o mais elevado nível típico de instrução feminino da época. Abandonou a Escola de Engenharia de Ouro Preto, mas teve, na Europa, reconhecidamente bons professores particulares de mecânica, eletricidade e meteorologia, o que precisava para sua ideia de participar do desenvolvimento da aviação; Alva Edison, filho de um canadense, diligente em oficios manuais e de uma canadense de mediana educação formal para os padrões da época. Teve forte apoio da mãe em sua educação, abandonou a educação formal na escola primária e, devorador de livros de ciência, foi um exitoso autodidata.

O ambiente que cercou Santos Dumont incluia as ceias em casa, ocasião em que o pai trazia para as conversas os grandes temas que corriam no mundo e as questões nacionais de então. Fato certamente contribuiu a que tenha escolhido um caminho como inovador, a questão da aviação, e tenha se preparado para cursá-lo. Alva Edison seguiu o caminho de aproveitar, na escolha do que aplicar sua energia criativa, as circunstâncias favoráveis que fossem surgindo. Desenvolveu o telégrafo, criou o fonógrafo, o telefone, a lâmpada de filamento, entre outras invenções/inovações suas, que foram importantes componentes moldadores do mundo atual.  O primeiro, um dos sete herdeiros de uma herança que abarcava a então mais valiosa fazenda de café no mundo, com mais de uma centena de quilômetros de via férrea, para transporte interno, via, diante si, a desnecessidade de esforço dirigido à sobrevivência. Opostamente, a sobrevivência do segundo dependia continuadamente de seu esforço produtivo. Mas, ambos viam o lugar na sociedade ser edificado com o êxito de suas engenhosidades criativas. O lucro não era o determinador de suas escolhas nas atividades produtivas. Um queria continuadamente estar no centro das atenções da mídia da Cidade Luz, Paris, cidade de maior prestígio mundial no imediato pré Primeira Guerra Mundial. O outro, do outro lado do Atlântico, queria dominar o espaço das inovações com potencial para se firmarem trazendo grande progresso. Como no mundo das inovações, sempre há sempre irremovível espaço para o não dar certo, ambos experimentaram reveses. Santos Dumont não conseguiu decolar seu inovador helicóptero. Alva Edison não conseguiu desenvolver satisfatoriamente o sonar que lhe fora encomendado. 

O não sistemático rompimento do equilíbrio entre atividade produtiva, leituras humanísticas, lazer físico e vida social faziam exemplar a vida do inventor/inovador brasileiro. Muitas vezes criticado por ter sido um “riquinho”, como se pudessemos decidir nossa ancestralidade, poderia ter seguido o clássico caminho de usufruir os prazeres permitidos pela riqueza material e uma módica aplicação de energia para reproduzi-la. A aplicação de suas energias foi a de se empenhar em produzir inovações na área de atuação escolhida, a aeronáutica. Saia de seu ritmo  de distribuir o dia incluindo uma saudável caminhada e uma talvez não tão saudável estada, enturmado com a elite local, num fino restaurante, quando havia urgência em concluir suas inovações. Já nosso inventor/inovador norteamericano, como padrão típico seu, concentrou suas horas de atividade em atividade inovativa e leitura científica/tecnológica, em detrimento de lazer e vida social e de leitura geral.

A vida foi, de acordo com o ambiente em que viveram e a educação que receberam, vista segundo óticas diferentes entre os dois inventores/inovadores. A desconsideração da necessidade de formar lar era patente em Santos Dumont. Morreu solteiro. A constituição do lar como necessária à vida de um adulto fazia parte da visão de mundo de Alva Edison. Casou duas vezes, dado o falecimento de sua primeira esposa. Curiosamente os, juntamente com Santos Dumont, os destacados pioneiros da aviação norteamericanos, os irmãos Wright e Samuel Pierpont Langley morreram solteiros. Para Santos Dumont e os irmãos Wright, como pilotos de prova de suas precárias aeronaves, havia o perigo real de deixarem viúvas e órfãos. Pierpont Langley terceirizou a pilotagem de sua aeronave, havia apenas o perigo moral do fracasso. E, assim aconteceu. Sua aeronave, nada de decolar, mergulhou por duas vezes nas frias águas do Potomac. 

O brasileiro agiu em desacordo com o sistema capitalista, que tem nas patentes e direitos de propriedade intelectual a crença da universalidade em produzir progresso.  Preferiu se abster de receitas de licenças para maximizar a capacidade de suas inovações em contribuir ao desenvolvimento da aviação. O incentivo à imitação, principalmente dando-lhe segurança jurídica a custo nulo, foi a marca registrada de Santos Dumont, o que contribuiu aos avanços iniciais da aviação terem, em geral, sido na Europa. Introduziu a modelagem abstrata prévia dos objetos a serem construidos, produzindo o menor balão livre de uso individual, o Brésil. Usando uma seda mais leve, de menor, mas suficiente resistência, reduzindo a duas as mãos de verniz aplicadas na seda, além de outras inovações que usava conforme resistência suficiente provada em testes laboratoriais, voltava para a base, em cada vôo, contido numa maleta; Lançou a quilha triangular trelaçada, para os  dirigíveis, que passou a ser padrão para os do tipo câmara flexível. Na aviação com mais pesados-que-o-ar foi o primeiro, no mundo, a voar  com ailerons, pequenas asas móveis apoiadas nas pontas das asas, dedicadas a proprocionar controle lateral da aeronave; concordou com a publicação das plantas executivas de sua inovação, o ultra-leve Demoiselle, o mais voado modelo nos primórdios da aviação. Nesta área obteve apenas uma patente. Para abri-la ao público. Obtida num processo judicial que moveu contra a empresa francesa que produziu, para Santos Dumont, o primeiro motor conhecido de dois cilindros opostos, desenhado pelo inventor/inovador para motorizar seu Demoiselle e teve os desenhos registrados, por engano ético, como se tivessem sido elaborados pela contratada para construir a primeira unidade do motor. Perdeu o Registro para Santos Dumont numa querela judicial por ele interposta. 

Alva Edison registrava patente de seus inventos e de seus auxiliares, chegando a mais de mil patentes nos Estados Unidos e mais de mil patentes em outros países. Um comportamento de literalmente quatro décadas de atividade, plenamente dentro da lógica que o tornou o grande pioneiro na maneira de atuar própria a acelerar o progresso tecnológico do capitalismo, a institucionalização da inovação por entidades congregadoras de grupos dedicados a tal mister. 

Na verdade Santos Dumont, no seu período de década e meia de atividade como inovador, sustado por uma desapontadora neuropatia, apontou a uma situação que fere a universalidade da patente como suprema indutora de progresso tecnológico. Quando uma área desponta em seus primórdios, com forte incerteza, uma proporcionalmente enorme área de parâmetros ainda desconhecidos, a serem dominados por tentativas descentralizadas de vários agentes, a patente pode funcionar como inibidora de inciativas. Era o caso da aviação, em seus primórdios. A instituição patente, foi usada pelos Wright para tentar auferir renda, mesmo de todos os que adotavam outra solução para o controle lateral das aeronaves, a solução apresentada por Santos Dumont. O resultado foi o parco desenvolvimento da aviação nos Estados Unidos, que tiveram seus aviões, na Primeira Guerra Mundial, pilotados por pilotos treinados em aviões europeus. Só com a quebra da patente dos Wright, o país começou a desenvolver sua aviação.

Por não ser norteamericano e por contestar a universalidade da patente como promotora do desenvolvimento tecnológico Santos Dumont paga o preço de ser constestado como o primeiro a realizar um vôo sustentado. Virou o primeiro a voar (um vôo sustentado) na Europa. O impulso que os Wright davam, em 1903, no seu Flyer, ladeira abaixo, não é levado em conta. Sem este impulso e sem o aproveitamento das fortes rajadas em Kitty Hawk, não havia como decolar o insustentável vôo com o impotente motor. Mudaram-se para o interior e perderam os morrotes de Kitty Hawk. E tiveram que construir uma catapulta para dar o impulso para as decolagens de seus insustentáveis vôos. Com persistência conseguiram superar a impotência do motor, dobrando sua potência e fazendo-o sufiente para decolar e manter vôo sustentável. Foi quando o apresentaram na Europa, em1908. O brasileiro, inovador, até a França de Macron cede hoje à pressão do mais forte, retirando-lhe agora, o que proclamara em 1906. Rebaixaram o primeiro vôo sustentável que houve em seu solo à categoria do primeiro vôo na Europa, como se o continente estivesse, então, mais atrasado na aviação. Quando nele havia outros aeroplanos em planejamento e construção ainda em 1906. No Brasil, também, há quem prefira aderir à norma de Goebbels, uma mentira dita e redita com firmeza, e numerosa repetição, vira verdade.