“Quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora ?”.
Carlos Drummond de Andrade.
Quem sugeriu a emenda parlamentarista que colocou Jango na presidência da República, em 1961, evitando a crise militar? Minas Gerais. Com Tancredo Neves. Quem personificou a solução política que redemocratizou o país em 1985? Minas Gerais. Com Tancredo Neves.
Minas formou uma escola política. Principalmente com o antigo Partido Social Democrático – PSD. Com Tancredo Neves, Amaral Peixoto, Ulysses Guimarães, Juscelino Kubitschek, Agamenon Magalhães, Valter Jobim, Negrão de Lima, Nelson Carneiro.
A declaração do governador de Minas, Romeu Zema, é minúscula e preconceituosa. Pobre de história. E de política. Porque fica mais difícil se eleger contra o Nordeste. Mas vamos aos argumentos.
Primeiro: os recursos cambiais que viabilizaram a industrialização paulista vieram da exportação do açúcar do Nordeste. Foi a cana de açúcar da Mata nordestina que gerou os saldos de recursos que ajudaram a importar as máquinas da indústria que tornou São Paulo o estado mais desenvolvido do país.
Segundo: quando o então presidente mineiro, Juscelino Kubitschek, precisou de recursos orçamentários para concluir Brasília, telefonou para o então governador pernambucano, Cid Sampaio, e propôs um entendimento. Pernambuco apoiava JK e o governo federal criava uma autarquia para desenvolver a Região. Era a SUDENE. E por que JK pediu a Cid? Porque Cid era da UDN. E, na ocasião, cinco governadores nordestinos eram da UDN. JK só fixou uma condição: que o chefe da SUDENE fosse Celso Furtado. Os governadores nordestinos toparam. Concluiu-se Brasília. E criou-se a SUDENE. Com apoio do Nordeste.
Terceiro: em 1984, o regime militar tinha um candidato a presidente: Paulo Maluf. A eleição era indireta. O candidato da oposição era o mineiro Tancredo Neves. Só havia um jeito de derrotar Maluf no colégio eleitoral. Por meio da formação de uma frente de governadores do Nordeste. Sob inspiração de Roberto Magalhães, no palácio do Campo das Princesas, reuniram-se José Agripino Maia (RN), João Alves (SE), Luiz Gonzaga Mota (CE), Hugo Napoleão (PI). E decidiram apoiar Tancredo Neves. Tancredo elegeu-se com a contribuição decisiva do Nordeste.
Quarto: é essencial olhar a história. A integridade territorial do Brasil foi uma obra de construção política. De unidade. E não de desunião. Como advoga Zema. A unidade política foi costurada no Império por um grande brasileiro de São Paulo: José Bonifácio. Que ajudou a enfrentar, na primeira metade do século 19, as revoltas regionais na Bahia, em Pernambuco e no Maranhão. A política de conciliação do Marquês do Paraná, na segunda metade do século 19, só foi possível por causa da paz (e da unidade nacional) conseguida por Bonifácio.
O governador mineiro está na contramão de seu estado, Minas. Cujos líderes mais admirados ajudaram a articular a Federação. Na contramão do país, que é, hoje, o resultado de obra política de integração nacional. E na contramão da Constituição federal que estabelece o mandamento de se atuar em favor da unidade federativa, pressuposto da soberania da nação.
O ex-presidente da República, Tancredo Neves, mineiro, com a argúcia do bom político, disse: “Ninguém vai ao Rubicão para pescar”.
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Cheiro de preconceito. Por Meraldo Zisman
By Chumbo Gordo 10 meses ago
… O preconceito é uma catinga. Péssimo odor exalado pelo corpo suado; inhaca; catinga de roupa usada; um tecido com fedor de comida estragada…
Em se tratando de discriminação, tenho mais de cinco mil anos de experiência, e observo, com apreensão, a mídia tornar-se – mais uma vez – preconceituosa contra o nordestino.
Contrariamente aos da minha região, sou alto, possuo olhos azuis e o que restou da minha vasta cabeleira se apresenta mais próximo do castanho. Quando fiz a residência médica no Rio de Janeiro (em 1959), as pessoas achavam engraçado um sujeito alto e louro falar como um nordestino. Duas primas minhas cariocas, inclusive, estranhavam aquele sotaque. Uma delas dizia: “Se não abrir a boca, vão até pensar que você é daqui do Rio ou de São Paulo. Credo! Você fala arrastado… Parece até com o porteiro do edifício, o cearense”.
Também aturei “brincadeiras” dos colegas do hospital, das primeiras namoradas cariocas e durante minhas poucas noitadas no Rio. Vez por outra, ouvia alguns frequentadores do bairro boêmio da Lapa dizerem uns para os outros: Lá vem aquele doutorzinho galego que fala nordestino!
Eu trabalhava com afinco e o Chefe da Especialidade demonstrava interesse para que eu permanecesse como seu assistente. Quando estava tudo acertado, veio visitar o Serviço de Pediatria o Professor Antônio Figueira, Catedrático de Puericultura no Recife. Reconhecendo-me, falou baixinho: “Volte para Pernambuco, lá é sua terra! O Recife precisa de gente como você, gente nova e bem treinada!” E eu voltei!
Quando saiu publicada na revista Veja uma matéria sobre o Homem Guabiru (o nanico nutricional), que versava sobre o livro Nordeste Pigmeu, de minha autoria, fui convidado por Jô Soares para ser entrevistado em seu programa. No entanto, recusei o convite: não me apetecia fazer gracinhas com a região em que nasci. No presente, requentando um assunto já tão antigo, quando a mídia volta a culpar o nordestino pelos males do país, como judeu que sou, além de ser ainda nordestino, volto aos meus cinco mil anos de experiência em discriminação e advirto os leitores: basta, somente, um pouquinho de cheiro de fumaça, para eu sentir a presença de preconceito.
E como o preconceito cheira mal!
O preconceito é uma catinga. Péssimo odor exalado pelo corpo suado; inhaca; catinga de roupa usada; um tecido com fedor de comida estragada.