Nunca esqueci o dia em que minha esposa e eu levamos nosso filho e um amiguinho seu, L. R., ambos na casa infantilíssima dos seis anos de idade, ao Instituto Ricardo Brennand (IRB), um equipamento cultural de Primeiro Mundo incrustado no bairro da Várzea, no Recife, e composto de museu, biblioteca, coleções antigas de armas brancas, de diversos objetos de alto valor artístico e histórico e de um acervo permanente e deslumbrante do pintor holandês Frans Post (1612-1680), tudo isso abrigado num castelo “medieval” pousado num belo jardim salpicado com várias obras de arte.

Logo à entrada do vasto jardim do IRB, uma réplica imensa de “O pensador”, de Rodin, não parece dar as boas-vindas aos visitantes. Encurvado sobre si mesmo, a mão sob o queixo como se ajudasse a sustentar a própria cabeça, o gigante do jardim continua ali a sua vocação de nos fazer refletir sobre as nossas por vezes tristes ponderações. Não dá boas-vindas, mas também não está lá para isso.

Longe de qualquer espírito pedagógico ou didatismo (tão cedo para falar de Rodin, considerando a meia dúzia de anos das duas crianças), deixamos que os dois meninos curtissem, a seu modo, o enigmático gigante. Eis senão quando, L. R., até então calado, disparou o inusitado comentário: “Ele parece entediado!”. Frase tanto mais singular e espantosa quanto mais a comparamos com o seu infantil emissor, cuja idade de modo algum o autorizava a empregar um adjetivo muito mais apropriado a um adulto. Mas L. R. era apenas um menino e, para sermos mais preciso, nada tinha em seu comportamento de uma criança adultizada. Ele fora certeiro na sua impressão e usara uma palavra visivelmente adequada. Não há como se deixar de ver um certo tédio na famosa escultura de Rodin, de resto também do tédio nascem os pensamentos mais sutis e a melhor literatura. Não por acaso o tédio chamou a atenção de filósofos como Schopenhauer, Nietzsche, Heidegger e, mais recentemente, do norueguês Lars  Svendsen.

O curioso episódio do IRB protagonizado por L. R. lembra dois estudos psicológicos sobre criança e linguagem citados por Morten Christiansen e Nick Chater no novo e instigante livro “O jogo da linguagem: a improvisação que mudou o mundo”. No primeiro estudo, de 1995, os psicólogos Betty Hart e Todd Risley procuraram medir “[…] quanta experiência com a linguagem as crianças americanas adquiriam em casa e se havia diferença entre crianças de diferentes níveis sociais”. O resultado foi que as crianças até os 3 anos e de melhor nível social foram expostas a quase três vezes mais termos que aquelas de baixa renda: 45 milhões de palavras. Quanto mais ouviam palavras, melhor era o vocabulário adquirido. Posteriormente (o segundo estudo), um experimento de Rachel Romeo, da Universidade Harvard, mostrou que, mais importante que a simples escuta das palavras, era “[…] a quantidade de tomadas de turno de fala em que a criança se envolvia […]”, ou seja, sua interação linguístico-comunicativa, sua efetiva participação numa boa conversa.

L. R., filho de dois bons jornalistas pernambucanos, encaixa-se bem, por assim dizer, nas luzes empíricas dos dois estudos acima citados. A frase “Ele parece entediado”, dita com tanta propriedade, era decerto a ponta luminosa de um iceberg verbal e familiar provavelmente bem vivido e dinâmico, o que não exclui, claro, o mérito próprio de uma inteligência privilegiada.

Soube que L. R., agora praticamente adulto, está estudando Psicologia. Imagino que terá muito sucesso. Afinal, o que terá sido ele, retrospectivamente, senão um psicólogo em seu fulminante diagnóstico da famosa obra de Rodin?