A guerra do crime organizado no Equador é mais uma demonstração da escala global do tráfico de drogas. O país foi introduzido na rede global do narcotráfico depois que as facções criminosas do México, da Colômbia e do Peru passaram a disputar as rotas logísticas e ocupar posições no território equatoriano. A proporção desta etapa do crime organizado, mobilizando bilhões de dólares num intenso e lucrativo comércio mundial, leva a uma disputa direta de poder com o Estado democrático constituído, e ao domínio de parcelas dos territórios nas cidades e no campo. A violência dos ataques criminosos nas cidades, especialmente Guayaquil e Quito – queima de ônibus e carros, vandalismo, e mesmo sequestro de policiais, além da espetaculosa ocupação de uma emissora de televisão com transmissão ao vivo – foi uma resposta ao plano de segurança do novo governo, com o decreto de Estado de Exceção e a perseguição de Adolfo Macías, líder da facção Choneros (a maior das 22 presentes no país).
Escala global, domínio de territórios nos países e influência nas instituições do Estado são características do crime organizado e suas múltiplas facções em conflito. Em vários países, o crime organizado ganha força com as milícias com cada vez mais interação com o narcotráfico. O que está ocorrendo no Equador não é muito diferente do que tem vivido o Brasil há anos, com ciclos de explosão de violência e avanço discreto e persistente do crime organizado nas cidades, ou na selva amazônica, com o garimpo. Chamou a atenção esta semana a notícia de que uma facção criminosa estaria cobrando 500 mil reais para “licenciar” as obras de construção de um parque na Zona Norte do Rio, que iria beneficiar precisamente as comunidades das favelas dominadas pelo crime.
A rede global do narcotráfico (concorrente ou associado às milícias) forma uma ampla cadeia de negócios, que vai da produção à distribuição, no atacado e no varejo, passando pela logística e os diversos meios de transporte – carros, ônibus, caminhões, barcos e aviões – e articulada com o tráfico de armas e o fornecimento de insumos para as várias etapas. Esta cadeia de valor gera o rico patrimônio das organizações criminosas, e deixa no caminho bilhões de dólares de suborno de policiais, políticos e juízes. Por outro lado, ocupa milhões de pessoas nos países, com a distribuição de renda que se espraia nas comunidades e dinamiza a economia local. Por isso é tão difícil enfrentar o crime organizado, se não forem geradas outras oportunidades de emprego e renda nas tais comunidades, o que depende do crescimento da economia e, mais que isso, da educação e qualificação profissional da população de média e baixa renda. Como já foi dito em outro editorial desta Revista, a penetração e a dominação das comunidades no Brasil pelo crime organizado (no Equador não deve ser diferente) é o resultado de uma crise estrutural da sociedade, da ausência do Estado na oferta de serviços públicos, especialmente educação, e da quase estagnação da economia brasileira por várias décadas.
Um editorial sensato. Ao mesmo tempo, sempre que leio sobre a “guerra contra as drogas” fico pensando por que não se incluem os consumidores, sobretudo os consumidores de alta renda na análise do problema. Eu considero que cada consumidor, admita ou não, é cúmplice desse horror.