Mídia digital

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“A grande vantagem da democracia é que ela possui sólidos mecanismos de autocorreção. Que limitam os excessos de fanatismo e preservam a capacidade de reconhecer nossos erros e tentar outros cursos de ação”.

Yuval Harari, em Nexus (Companhia das Letras, São Paulo, 2024, pg. 313).

 

A crise atual tem duas causas. A primeira causa é a desregulação das redes de informação. Porque a falta de fiscalização faz com que as bigs plataformas digitais abriguem a mentira. Vide a X. É uma causa de origem institucional.

A segunda causa é a autodestruição dos Partidos conservadores. Parte dos antigos Partidos liberais. Assaltados pela extrema direita. Assolados por populismo carismático. Carregando, no disfarce de ventre alugado, projetos autoritários. Vide Trump. É uma causa política.

No primeiro caso, o assunto foi resolvido, na Europa, por meio do Regulamento Geral de Proteção de Dados – GDPR. Em vigor desde 2018. No segundo caso, a questão é resolvida no voto.

Verdade é algo que representa aspectos da realidade. Na noção de verdade, a premissa é que exista uma certeza universal. Mas, verdade e realidade são coisas diferentes. Porque a realidade apresenta aspectos diversos. E uma explicação singular nunca consegue representar a realidade em sua totalidade.

Para ser fiéis aos fatos, as redes de informação precisam de dois elementos: trabalhar a verdade e criar uma ordem institucional, uma regulação social. De modo a sancionar a realidade fática. Portanto, a informação necessita de uma ordem regulatória para prosperar como verdade.

Regulação é jurisdição. É instância sancionadora. É nexo. Entre fato e verdade. Entre realidade e acolhimento institucional. Pois a verdade está no fato ocorrido mais a existência de reconhecimento. Atestada por meio de uma jurisdição. Instância que ilumina a verdade, a legitima, a protege. E reconhece a verdade como tal.

Porque a verdade é um pouco mais complexa do que mero fato. Nu. É o fato vestido. Legitimado. Sancionado. Institucionalmente.

Portanto, a veracidade tem berço: é o nexo entre fato e jurisdição. Entre realidade e reconhecimento. Como no GDPR europeu. A jurisdição da verdade abrange três etapas:

  1. A lei que disciplina o funcionamento das plataformas digitais;
  2. O exercício da liberdade de postar o que é permitido por lei; e
  3. A instância jurisdicional e/ou judicial que dirime os conflitos no âmbito de uma sociedade democrática baseada na lei.

Na sociedade contemporânea, onde operam plataformas digitais, reconhecer a verdade não é simples. Porque depende de lei, de jurisdição e de espírito democrático. Sim. Redes sociais atuam numa democracia. Num ambiente em que há opiniões diversas, correntes contrárias. Além de oportunistas.

No cenário democrático, há duas características: a pluralidade de fontes de informação, com uma imprensa livre, liberdade e responsabilidade de opinião. E a mutualidade, ou seja, a existência, ao mesmo tempo, de vigilância do governo sobre os indivíduos e vigilância dos indivíduos sobre o governo.

Trazendo os conceitos para a vida política nacional, a disputa, no fundo, não é entre Elon Musk e o Supremo Tribunal Federal – STF. É entre o populismo autoritário, instrumentalizado por Musk, e o regime democrático brasileiro.

O caos social e político só interessa a quem não tem compromisso com o regime democrático. E usa até a palavra liberdade de modo vão. O itinerário das redes sociais inclui a manutenção de uma simetria entre verdade e ordem. Como escreveu Yuval Harari, “o sacrifício da verdade em favor da ordem tem um custo: a mentira. E o sacrifício da ordem em favor da liberdade tem um preço: a anarquia”.

Quem não simpatiza com Alexandre de Moraes, sim, tem o direito de fazê-lo. Embora lembrando que o que está em jogo é algo mais relevante do que a brevidade de um governo. É a perenidade da democracia. Cuja existência foi abalada por militantes e inocentes úteis. No dia 8 de janeiro de 2023.