Frederico Toscano

Recente produção do Barbeiro de Sevilha no Metropolitan Opera de Nova York.

Um dos mais bem-sucedidos compositores da história, Gioacchino Rossini (1792-1868) surgiu no início do século XIX como o “salvador” da ópera italiana. Lembrado sobretudo por suas célebres aberturas e pelo “Fígaro lá, Figaro cá” de seu Barbeiro de Sevilha, a importância dele vai muito além desta que é considerada a mais perfeita comédia dos palcos operísticos. Ele rejuvenesceu a opera buffa e a opera seria e também, com seu amor pelo estilo vocal virtuosístico conhecido como bel canto, tornou a por a voz no centro do palco da ópera italiana. Com sua música contagiante, empolgante e rápida, Rossini queria atingir não apenas a elite culta, mas também o povo simples.

O que logo distingue Rossini é a exuberância de sua música. A profunda admiração dele pelo compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) – “meu ídolo e meu mestre”, como disse certa vez – levou alguns dos primeiros críticos a considerá-lo “demasiado germânico”. Mas esse tipo de ressalva logo seria esquecido, ante os ritmos saltitantes, a colorida orquestração, as melodias irresistíveis e as árias floreadas: seu som era, acima de tudo, italiano. Rossini compôs 35 óperas em duas décadas, deixando uma identidade musical tão própria e única que é conhecida simplesmente como rossiniana. O inovador “código rossiniano” influenciou profundamente o mundo da ópera durante todo o século XIX, notavelmente a produção de Vincenzo Bellini (1801-1835), Gaetano Donizetti (1797-1848) e Giuseppe Verdi (1813-1901).

Como tantos compositores, Rossini nasceu em família de músicos. Muito cedo se revelou como pianista, violinista, cantor e compositor. Aos 25 anos já criara óperas-sérias, como a magnífica Tancredi, e suas quatro comédias mais famosas: Il barbiere di Siviglia (“O barbeiro de Sevilha”), L’italiana in Algeria (“A italiana na Argélia”), Il turco in Italia (“O turco na Itália”) e La Cenerentola (“Cinderela”). Muito solicitado na Itália, compôs para os teatros de ópera de Veneza, Milão, Roma e Nápoles. Era estimulado por excelentes solistas, capazes de dar conta de suas árias de coloratura (com linha melódica vocal muito ornamentada), da complexidade dos ensembles, dos andamentos rápidos, das notas agudas, e dos súbitos crescendos (passagens com elevação progressiva do volume sonoro). Um verdadeiro atletismo musical!

Em 1824, famoso em toda a Europa, Rossini se mudou para Paris, cidade de intensa vida musical, sustentada sobretudo por compositores estrangeiros. Tornou-se diretor do Théâtre-Italien, passando a escrever em francês. Após estrear Guilherme Tell (1829), que traz a abertura mais conhecida de Rossini, decidiu se aposentar aos 37 anos, com grande fortuna e prestígio internacional. Quase dois séculos depois, suas óperas continuam encantando e atraindo multidões.

Uma das maiores óperas cômicas, composta em apenas duas semanas, O barbeiro de Sevilha é um delicioso espetáculo, repleto de maravilhosas árias de coloratura e ensembles, números de tagarelice em alta velocidade, esplêndidos personagens bufos e sucessivas cenas humorísticas. Como a grande ópera de Mozart As bodas de Fígaro, foi adaptada de uma peça teatral do dramaturgo francês Pierre-Augustin Caron de Beaumarchais (1732-1799) de enredo movimentado e inteligente.

Fígaro está para Beaumarchais como Falstaff para Shakespeare: um personagem tão atraente em suas travessuras que, depois de surgir em Le barbier de Seville, seria ressuscitado pelo autor em Le mariage de Figaro (1784) e La mère coupable (1792). Mozart adaptou a primeira destas duas últimas peças em As bodas de Fígaro, e 30 anos depois Rossini abordaria Le barbier de Seville. Curiosamente, hoje as duas óperas são mais conhecidas que as peças originais.

Na verdade, a obra-prima de Rossini requer virtuoses vocais que também sejam excepcionais atores cômicos. Mas a estreia no dia 26 de fevereiro de 1816, em Roma, foi um fracasso retumbante, pois o jovem compositor foi considerado arrogante por ousar se equiparar a uma popular ópera homônima de outro compositor da época, Giovanni Paisiello (1740-1816), cuja torcida organizada foi perturbar a apresentação de Rossini. Por cautela, ele batizou inicialmente a sua ópera com outro título: Almaviva, ossia L’inutile precauzione (“Almaviva, ou A inútil precaução”). Depois de algumas récitas, contudo, sua versão teria êxito como Il barbiere di Siviglia, e desde então o sucesso é inabalável. O mesmo aconteceria mais tarde com La traviata e Carmen, que fracassaram na estreia para depois serem aclamadas como obras-primas.

Vamos ao resumo da ópera. Em Sevilha, na Espanha, os músicos do conde Almaviva fazem serenata para a bela Rosina. Vem passando o barbeiro Fígaro, que louva a própria habilidade em sua célebre ária (vídeo abaixo) e comunica ao conde que Rosina é pupila de Bartolo. Rosina deixa cair da varanda uma carta perguntando o nome de seu pretendente e prometendo escapar do tutor, que quer se casar com ela pelo dinheiro.

O conde quer ser amado pelo que é e não pelo título, e diz se chamar Lindoro. Fígaro sugere que ele entre na casa de Bartolo disfarçado de soldado bêbado. Enquanto Rosina escreve a “Lindoro”, Basílio, o professor de música, alerta Bartolo que ela é cortejada em segredo pelo conde. Mas Fígaro diz a Rosina que seu primo “Lindoro” está desesperadamente apaixonado por ela e espera uma carta. Ela já tem a carta. Fingindo-se de bêbado, o conde diz que foi alojado na casa de Bartolo. Como Bartolo protesta, o “soldado” confidencia a Rosina que é “Lindoro”. Convocado por Bartolo, um oficial vem prender o “soldado”, que discretamente se identifica como o conde. Ninguém mais entende muito bem o que está acontecendo.

No ato seguinte, o conde reaparece disfarçado de Don Alonso, substituindo o adoentado. Revela então que, ao visitar o conde, encontrou uma carta de Rosina. Bartolo guarda a carta e chama Rosina para a aula de canto. Ela reconhece “Lindoro” e, quando Bartolo adormece, os dois planejam fugir:

Basílio chega de repente, muito bem de saúde, mas “Alonso” o suborna para que desapareça. Fígaro faz a barba de Bartolo, enquanto “Lindoro” combina uma fuga com Rosina. Avisa que Fígaro já tem a chave da janela e que ambos lá estarão, à meia-noite, para buscá-la. Bartolo ouve a conversa, expulsa Fígaro e o conde:

Bartolo diz a Rosina que “Lindoro” brinca com seus sentimentos, e para provar o que lhe diz, mostra-lhe a carta em que “Lindoro” expõe os planos para sequestrá-la e entregá-la ao conde. Para vingar-se, Rosina aceita casar com Bartolo. Cai uma chuva torrencial, quando o conde e Fígaro entram no quarto de Rosina. Rosina quer expulsá-los, mas o conde logo se identifica e explica-lhe que “Lindoro” jamais existiu. Chega o juiz de paz para celebrar o casamento de Rosina com o conde. Bartolo chega com um policial, para prender Fígaro e o conde, mas Almaviva identifica-se e Bartolo dá-se finalmente por vencido. Fígaro, o conde e Rosina comemoram, terminando a ópera com um final feliz:

Em 1898, numa carta ao crítico francês Camille Bellaigue (1858-1930), Verdi comentou: “O Barbeiro, com a sua abundância de ideias musicais, a sua verve cômica, a verossimilhança de sua declamação, é a mais bela opera buffa que existe.” Verdi sabia muito bem o que estava dizendo.

Encerramos esta breve viagem pela apaixonante música de Rossini com um fato curioso na vida do mestre italiano, famoso também por seu senso de humor e dons culinários. O barão James Mayer de Rothschild (1792-1868), em cujas propriedades era produzido um excelente vinho, enviou a Rossini, como sinal de sua admiração, algumas uvas especialmente grandes, bem desenvolvidas. Em sua carta de agradecimento, o compositor escreveu: “Por melhor que sejam suas uvas, não gosto de tomar meu vinho em forma de comprimidos”. O barão entendeu muito bem a mensagem, e mandou que entregassem ao apreciador várias garrafas de seu melhor Château Lafite.

A atmosfera muda completamente no próximo artigo da série, pois mergulharemos numa trágica história de amor proibido, ciúme e traição. É a vez do Romantismo italiano com Norma de Bellini, um monumento ímpar da arte do canto. Cavalo de batalha e sonho de consumo das cantoras líricas, Norma é recheada de belas e intensas melodias, mas marcadas por extrema dificuldade de interpretação, tanto cênica quanto musicalmente. Durante o século XX, apenas um seleto e privilegiado número de vozes foi capaz de desempenhar a protagonista com sucesso. A célebre soprano Maria Callas (1923-1977) foi a dona do papel no período pós-guerra. Um desafio para poucas, e Bellini não foi piedoso.