Sérgio C. Buarque

Deus, no momento da criação – Capela Sistina by Michelangelo.

Angustiados com a crise brasileira e a irresponsabilidade do presidente da República, um grupo seleto de respeitáveis religiosos pediu a Deus uma audiência, para solicitar uma ajuda divina, última esperança de salvar o Brasil. “Senhor, como sabe, o Brasil está vivendo dias terríveis, muita gente morrendo com este virus destrutivo, o desemprego e a pobreza aumentando e, numa situação tão delicada, o presidente da República atua como se fosse o chefe de um clã mafioso, tumultuando até as iniciativas sérias do seu próprio governo”. Antes que os religiosos expressassem algum pedido, Deus deu de ombros e perguntou: “E daí?”  Os religiosos trocaram olhares de surpresa e decepção, mas logo o seu líder retomou a fala: “Queremos a Sua ajuda, meu Deus, para tirar este louco arrogante e debochado do poder ou, ao menos, orientar as suas decisões e seus comportamentos erráticos”.

Deus observou os compungidos religiosos e disse: “Ah! entendi, vocês querem que eu faça um milagre. Vocês colocaram esse Jair na presidência e agora, que a porcaria está feita, recorrem a mim. Não, não faço  este tipo de milagre. Não me envolvo nas escolhas e confusões de vocês. E não existe milagre possível para incluir neurônios e meter lógica na cabeça deste Messias mentecapto que vocês elegeram. Agora aguentem, ou então se mexam e o derrubem, ora!  Para isso, vocês têm instrumentos”. Deus ia levantando, dando a audiência por encerrada, quando um dos religiosos, ousadamente, protestou, lembrando que Deus é brasileiro e que tinha responsabilidade também, já que fez o milagre de salvar a vida de Jair, depois daquele atentado. “Ajude-nos agora, Senhor meu Deus, a tirar o Brasil deste profundo inferno”.

A ira divina explodiu, e Deus, apontando o dedo para o religioso afoito, quase gritando, respondeu: “Acabem de vez com esta palhaçada. Eu sou Deus e não admito que me rebaixem à condição de um reles brasileiro. Nem admito que digam que eu fiz milagre para salvar Jair da morte. Ele não morreu porque teve sorte, o agressor errou a facada e os médicos que o atenderam foram muito competentes. Ou vocês acham que eu tenho tempo pra me envolver nesse mesquinho detalhe técnico?”.

Desolados, os religiosos se levantaram e começaram a descida para a terra. Ainda ouviram o irritado murmúrio de Deus: “Só um milagre mesmo, para tirar o Brasil desse atoleiro. Mas o que não falta neste país é político exibindo auréola divina e prometendo milagres”.