Clemente Rosas

Para Fernando Dourado, que nos ensinou como é ser pernambucano

“Meu filho, nunca pergunte a alguém, que você acaba de conhecer, onde ele nasceu.  Para não causar a ele, eventualmente, o constrangimento de ter de dizer que não nasceu na Paraíba!”

Esta recomendação de uma senhora mãe de um político paraibano dá bem a medida do alto valor que meus conterrâneos atribuem à sua terra.  O epíteto de bairristas, injustamente depreciativo, não cabe apenas aos pernambucanos, como aqui se pode ver.

O poeta, romancista, ator, pintor e teatrólogo W. J. Solha, paulista de Sorocaba que se assume paraibano há mais de meio século, deu-se ao trabalho de elaborar uma lista de figuras paraibanas de destaque nacional: na política, na literatura, nas artes, e tudo o mais.  E o resultado é surpreendente.  Não conseguiria aqui reproduzi-la, mas ele, como leitor e eventual comentador da Revista Será?, se agora me lê, bem que poderia nos passar a valiosa informação, o que fica desde já requerido.

A proximidade com Pernambuco, no entanto, de certa forma nos prejudica.  Meus conterrâneos vão estudar lá, casam-se, e vão ficando.  E acabam ocupando posições importantes nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário desse Estado.  E aí vem a conversa de “pernambucanos de coração”, como já ouvi em relação ao nosso Ariano Suassuna.  Nada disso!  O coração paraibano não carece de transplantes!

Creio que o protagonismo da “pequenina e heroica Parahyba” começou na Revolução de 30, embora, séculos antes, minha terra já tenha visto nascer André Vidal de Negreiros, grande figura da guerra contra os holandeses.  Em 1930, ao lado de gigantes como Minas e Rio Grande do Sul, nos insurgimos contra a República Velha, aristocrática e carcomida, contribuindo para acertar o passo do país na marcha mundial pela modernidade.

Esse movimento, no entanto, deixou na sociedade paraibana profunda fissura, que ainda permanece, quase um século depois.  Certamente porque houve sangue, e tragédias pessoais difíceis de esquecer.  Além dos mortos na tomada do quartel do 22º BC (hoje 15º RI) – o General Lavanère Wanderley, três oficiais pernambucanos e alguns praças injustamente esquecidos – por um destacamento de civis comandados pelo tenente Agildo Barata, tombaram também figuras notórias e dignas como João Pessoa, João Dantas e João Suassuna, sem deslembrar o suicídio de Anayde Beiriz.  É por isso que o autor do “Auto da Compadecida” nunca conseguia referir-se à capital do Estado pelo seu nome atual.  Seu pai e seu primo estavam entre as vítimas.  E o poeta Otávio Sitônio, neto de José Pereira, o proclamador do “Território Livre de Princesa”, ao assumir sua cadeira na Academia Paraibana de Letras, declarou-se combatente temporão daquele município rebelde, de efêmera existência.  E hoje me pergunto: quando, enfim, viraremos essa página de ressentimentos?

A Paraíba não tem um hino, para ser cantado em momentos solenes, como “a terra dos altos coqueiros”.  O único, até bonito, que foi composto, na intensa comoção popular que se seguiu ao assassinato de João Pessoa e resultou na mudança do nome da capital, é de louvor ao falecido, não ao Estado.  E é de tal maneira hagiológico, que fala na esperança de ressurreição do morto, algum dia, pela pátria brasileira…

Mas temos duas canções que valem como hinos.  Uma delas é o baião “Paraíba, Mulher Macho”, imortalizado por Luiz Gonzaga, que fala de seca e evoca, de passagem, o episódio de Princesa.  A outra é o samba “Meu Sublime Torrão”, do paraibano Genival Macedo, autor de várias músicas populares de sucesso.  É esta que diz que a nossa “terra amada” “sorri, num recanto bonito do Brasil”, e pode ser chamada de sua “namorada”.  Digo, portanto, com ele:

Lá, eu nasci, me criei

Fiz canções e amei

Sempre tive inspiração

Lá, no Nordeste imenso

Tem um fulgor intenso

Meu sublime torrão

Como escreveu Fernando Pessoa, o Tejo não é mais bonito que o rio da aldeia dele, simplesmente porque não é o rio da aldeia dele.  Tenho o mesmo sentimento em relação à Paraíba.  E para ela voltei, após mais de cinquenta anos em Pernambuco, com a veleidade de poder dizer, como o Ministro José Américo da Almeida: “aqui, ninguém me perguntará quem sou”.