Luiz Otavio Cavalcanti

Cristovam não é mais senador. Que pena. Mas ele continua carregando o senso público próprio da boa cidadania. É o que mostra seu artigo Onde Erramos.

A consideração inaugural de Cristovam me parece correta. Bolsonaro não ganhou a eleição. Nós a perdemos. Bolsonaro é um desconcerto. Ele trouxe duas ausências: ausência de forma, na dispensada solenidade do cargo, recebendo ministros, no Palácio, com camiseta de clube. E ausência de conteúdo. O governo não tem plano coordenado. Tem três políticas setoriais: a da economia liberal de Paulo Guedes (não sabemos até que ponto é também do presidente); a do combate à violência e à corrupção do ministro Sérgio Moro; e a da infraestrutura do ministro Tarcísio Freitas.

Ocorre que o discurso do governo, na área de costumes, leva a nação ao atraso. E, na política externa, à desconstrução de imagem de uma diplomacia feita de profissionalismo, autonomia e resultados. Nos últimos cem anos.

São subtrações que desatualizam o pensamento brasileiro. Que desconectam a cultura brasileira de valores da modernidade. Que nos prende a um passado revogado.

Utopia e colapso.

Cristovam tem razão. Nenhum país avança sem uma utopia. Pode até ter outro nome. Pode ser esperança. Uma esperança concreta, como a de filósofos franceses, especialmente Emanuel Mounier. Ou a esperança de combatentes intelectuais, como Hannah Arendt. Mas, uma utopia que anime as pessoas. E descubra horizontes ancorados em valores humanistas.

Nenhum país avança sem equilíbrio fiscal. Esta é a lição das economias europeias. Que vem sendo reiterada. O primeiro alerta veio, nos anos 60, com a derrota da social democracia na Alemanha de Willy Brandt, na Suécia de Olof Palme e na Áustria de Bruno Kreisk.

O segundo alerta veio nos anos 2000. Com o colapso grego, que se estendeu à Espanha, à Portugal, à Turquia, à Itália. E só foi estancada com recursos do Banco Central Europeu.

Ou seja, fiscalidade é premissa para todo projeto social. Por isso, é preciso apoiar a reforma da Previdência.

Estado e avanço tecnológico

Não integra nossos erros o sequestro do Estado. Sequestro político e institucional. O sequestro político foi efetuado sob a supervisão de um grupo de Partidos. De esquerda e de direita. Que se beneficiou eleitoralmente em conluio com a infâmia empresarial.

O sequestro institucional é praticado por corporações que colocam seus interesses acima dos propósitos do Estado. Remuneração acima do teto é só um dedo do iceberg acima do nível da água.

Robert Michels construiu a lei de ferro da oligarquia nos Partidos Políticos. O cenário institucional brasileiro mostra perfil semelhante. Os interesses oligárquicos, no Estado brasileiro, criaram elos inter- institucionais. Consorciando setores dos três Poderes. Que se apoiam mutuamente. E cristalizam privilégios comuns.

O reverso dessa medalha é a menoridade orçamentária da ciência e tecnologia. Produtividade é filha da escolaridade. Por isso, a produtividade no Brasil é um quarto da produtividade na Coreia do Sul. O operário brasileiro estuda metade do tempo do operário sul coreano.

Humanismo e centro

O mundo avança. É o que Cristovam chama espírito do tempo. As coisas mudam. E a inteligência brasileira parece assustada. Perplexa. Uma parte dos centros de reflexão está tomado no apelo Gramsciano. E outra parte está entregue à mediocridade fundamentalista. Ou criamos espaços para valorizar o humanismo ou estamos condenados a sectarismos que conduzem a guerras religiosas.

O humanismo no século 21 tem nome: chama-se Republicanismo. Os valores republicanos estão na Constituição: probidade, moralidade, publicidade. São tão antigos quanto as ações na Grécia de Péricles. Ou os discursos na Roma de Cícero. Não se trata de inventar nada. Trata-se de recuperar o conceito da ética pública. Vestida numa utopia política.

Num mundo dividido pelos extremos, a virtude está no meio. Já dizia o filósofo. E, como se sabe, o centro é móvel. Brizola, nos anos 60, estava na ponta. Nos anos 80, estava no centro esquerda. Fernando Henrique, nos anos 60, foi cassado e exilado como representante da esquerda. Nos anos 90, foi considerado de direita.

O que significa isso? Que os extremos sempre erram na dose. E que o equilíbrio do centro reforça a lógica da institucionalidade. Pois o fato social e o fato político convergem para a institucionalidade. É o equilíbrio na ação de que fala Talcott Parsons.

Liberdade e igualdade

Penso que os movimentos recentes da direita, aqui e lá fora, replicam o medo. Afogado na sociedade líquida, de que fala Zygmunt Bauman. Medo do desemprego e da violência. Que a esquerda não foi capaz de evitar.

Por trás da exasperação atual, é preciso defender dois valores: a liberdade e a igualdade. É o legado de nossos antecedentes. Eles lutaram por um mundo mais livre e mais justo. Ou seja, um mundo com liberdade e igualdade.

É legado e é proposta. Mas, como política é ação, é necessário um carisma.