Luiz Otavio Cavalcanti

Não quero abreviar riscos. Nem ocultar sol autoritário com peneiras convenientes. Mas as barbas de Noel sugerem assumir reflexão isenta. O hiato de fim de ano merece pensar largo e desapaixonado. Para que possamos enxergar com nitidez o que vem no horizonte.

País em construção

É preciso sair um pouco da conjuntura. Do curto prazo. Da volatilidade vã. É necessário lançar um olhar para o perfil das estruturas econômicas. Revisitar época em que os gestores sabiam o que era planejamento. E utilizavam eficientemente instrumentos do planejar. Para calibrar políticas de médio prazo. Aproveitando os recursos naturais da nação. E apropriando oportunidades de investimento.

Pois bem. Neste momento, a visão estrutural de longo prazo aponta para o Brasil três possibilidades importantes: a primeira, de ordem fiscal; a segunda, de cunho agrícola; e a terceira, de feição energética.

A possibilidade fiscal está na continuada baixa da taxa de juros. Ela alivia o custo da dívida pública. Só este ano, a redução dessa despesa será de R$ 68,9 bilhões. Em 2020, a diminuição será de R$ 120 bilhões. Em 2021, alcançará 109 bilhões. E, em 2022, R$ 119 bilhões. Ou seja, até final do atual governo, o alívio na conta da dívida será de R$ 418 bilhões. Quase meio trilhão de reais.

A possibilidade agrícola está no espetacular desempenho da safra de grãos. Agronegócio. Há dez anos, o país produzia 135 toneladas de grãos. Nesse período, o crescimento da produção do conjunto de commodities foi superior a 80%. Este ano, a agricultura brasileira produzirá 240 milhões de toneladas de grãos. É um dos dois maiores produtores mundiais. Com qualidade superior à soja norte americana. Por conta da contribuição científica dos pesquisadores da EMBRAPA.

A possibilidade energética está no equilíbrio da matriz de recursos energéticos brasileira. Política energética constitui, hoje, dimensão estratégica. De qualquer país com nível de boa governança regional e/ou mundial. A China, por exemplo, investe, somente este ano, US$ 200 bilhões em energia eólica.

O Brasil conta com 60% de recursos de hidroeletricidade; 12 % de energia eólica; 30% de outras fontes. E recebe investimentos importantes de grupos nacionais e multinacionais. Trata-se de vantagem competitiva. Num mundo onde custo de energia é diferencial.

Política em desconstrução

Um dos traços da sociedade pós industrial é a concretização de novo modelo social. A esfera econômica já não dissemina um conceito redistributivo. As fábricas deixaram de ser lugares de encontro primacial dos fazeres produtivos. Reuniam operários, engenheiros, diretores, gerentes. Hoje, engenheiros estão em estúdios. Empregos estão distribuídos nas atividades terciárias. A ocupação industrial está terceirizada. A robotização avança.

Entre os séculos 11 e 13, o poder político se liberou progressivamente do poder religioso. Liberado da tutela religiosa, o poder político fixou aliança com o poder econômico. Foi a era mercantilista. No século 19, o poder econômico se liberou do poder político. Foi a vez da proclamação do liberalismo, da consolidação do capitalismo, da afirmação da sociedade anônima, do reconhecimento das Bolsas de Valores.

Ao longo do século 20, fica claro o divórcio entre o econômico e o social. É o que Alain Touraine chamou de morte do social. A vertente política de corte social democrata reagiu. E pregou o social liberalismo. A esfera social continuou sufocada. No colapso fiscal da social democracia de Willy Brandt, Olof Palme e Bruno Kreisky.

A desigualdade entre as classes aumentou. A pobreza mantém graus inaceitáveis na América Latina, na África e até nos Estados Unidos. As periferias urbanas são um retrato em preto e branco da realidade. Então, nos subúrbios, surgiu novo pacto entre população pobre e espaços evangélicos. Repactuando o social e o religioso.

Aí está uma das versões desse elo: o Bolsonarismo. E o renascer de um tipo revogado de política: o Estado régio. Modalidade antiga de Estado em que o chefe de governo caracterizava sua atuação por traços corporativos. Acentuando redução de pena dos sentenciados, de multa dos transgressores, de prisão.

Limites do sonho

A economia dá uma chance ao Brasil. Mas a política limita esta chance. Porque tanto Bolsonaro, quanto Lula, já compreenderam que suas viabilidades estão na polarização. Daí o discurso radical de Lula ao sair da prisão. Quanto mais polarizado for o país, mais força eleitoral eles terão. Quanto mais racionalidade for introduzida no debate, menos força eleitoral eles terão. Porque são ambos primários. Do ponto de vista de lógica política mais alta. Mais conectada com valores, com conceitos, com qualidade da política.

Na prática, o que se observa, com o passar do tempo, é que Bolsonaro é cada vez mais assemelhado a Lula. E vice-versa. No pensar. E no fazer. Vejam certas características:

Uma: ambos praticam a velha política de grupo. Muda só a corporação. O ex capitão atua como líder sindical ? Ou o ex sindicalista joga como coronel ?

Duas: ambos exercitam a prática do nepotismo. A diferença é que Bolsonaro diz, às claras, que quer filé para os seus. E Lula oscula, em transações filiais, contas milionárias. Lulinha é zero o quê ? E Renanzinho vira zero zero ?

Três: ambos se alinham em discurso nacional populista próprio dos anos 30. Que cabe naturalmente na fala fascista de Mussolini.

O sonho brasileiro passa por liderança contemporânea. Antenada com o futuro. Que priorize educação, escolaridade e produtividade. Desligada de feitio demagógico. Voltada para o senso pedagógico do governar. Com decência.