Em tempo de coronavirus dá pena ver, junto a especialistas, analfabetos e otoridades em geral se exibindo, como espantalhos, nas televisões. Vaidades, vaidades. Segundo Malraux (Antimemórias), ela “é tão forte quanto a morte”. Para aparecer, vale tudo. Lembro do amigo Fernando Lyra. Um dia, chega no escritório. Meu pai o cumprimenta e, sem ninguém esperar, diz: “Vai ter meu voto porque, diferente de seus coleguinhas de Brasília, você não é estulto”. Fernando agradece o elogio. E ficamos conversando. Na saída, já longe do velho, me pergunta: “Afinal, o que quer dizer mesmo estulto?”. Explico ser parvo, tolo. Ao chegar no gabinete dele, com aquele vozeirão, se dirige às mais de 30 pessoas que ali estão: “Quem aqui sabe o que quer dizer estulto?”. Silêncio geral. E ele completa: “É que vocês todos, diferente de mim, e como comprovou o doutor José Paulo, são estultos”. Saudades de Fernando Lyra.
Recordo esse episódio para referir que muitas outras expressões poderiam ser também usadas em situações similares. Como Acanaveado, que quer dizer atrapalhado. Analpabesta, ignorante. Bandalho, desagradável.Biltre, traiçoeiro. Burlão, sem valor. Engrimanço, apenas um peralvilho. Já peralvilho, diz-se de quem passa por nós de nariz para o alto. Fementido é falso. Filibusteiro, tipo dado a trapaças. Pícaro, malandro. Pirrónico, quem gosta de contradizer os demais. Safardana, sem escrúpulos. Sevandija, quem vive às custas do outro. Totó, só alguém ingênuo. E Cagão, diferente do que se possa pensar, só alguém vaidoso. Todas, convenhamos, palavras que gostaríamos de dizer a tantas Excelências no Planalto.
Algumas outras expressões podem ser também lembradas. Como Andar com o rei na barriga. Sinônimo de soberbo, orgulhoso. Lembrando as rainhas de antigamente que, grávidas, andavam com os futuros reis em suas augustas panças. Rufião. O termo vem do latim rufus, que significa ruivo. Sibilino é quem fala de forma enigmática. Na Antiguidade, a Sibila era uma sacerdotisa de Apolo que emitia profecias numa linguagem tão vaga, e tão metafórica, que nela cabiam todas as interpretações Vira-casacas, aquele que muda de partido. A origem dessa expressão é curiosa. Conta-se que o rei da Sardenha, Carlos Manuel III (1701-1773), fazia e desfazia alianças com frequência. Ora se aliava à França, ora à Áustria, ora à Inglaterra. Variando, também, as cores da sua casaca de gala. Para que pudesse coincidir com as cores daquela nação momentaneamente aliada. Por fim, Puxa-saco. Trata-se de expressão bem brasileira, só faltava essa. Oficiais do Brasil colonial, quando eram deslocados para outro quartel, levavam seus pertences num saco. Chegando no destino, havia sempre quem, na busca de gorjetas, lhes puxassem o saco para o transportar nas costas.
Indo além, poderíamos também usar expressões mais rebuscadas. Nascidas na Literatura. Como Conselheiro Acácio. Evocando romance de Eça de Queiroz, O Primo Basílio. Trata-se de um político fraco de ideias e imaginação, mas com falar eloquente, dando ideia de uma profundidade que não tem. Ferrabrás. De origem literária antiga, remonta a canções de gesta medievais francesas, nomeadamente a Chanson de Roland (Século XI). Em que um mítico rei árabe, o Fierbras (em francês, fier-à-bras), demonstra ser só um arrogante. Sacripanta é pessoa vil. Vem de personagem do escritor renascentista italiano Ludovico Ariosto (14-1533), o senhor Sacripante (em Orlando Furioso). E Lapalissiano evoca a expressão Verdade de La Palisse. O que corresponde a uma afirmação certa, mas tão evidente que seria desnecessário dizer. Vem de poema, sem autor conhecido, que diz: O senhor de La Palisse/ Pereceu frente a Pavia (uma comuma italiana)/ Pouco antes de morrer/ Podem crer, ainda vivia. Daí decorrendo conhecido provérbio português, Roma e Pavia não se fizeram num dia.
Uma boa contribuição para reduzir a estultice de nossos políticos, “et alii”.
Meus cumprimentos ao autor, sempre imaginativo.
Que texto simpatico!!