“O populismo entrou na política americana no final do século 19 para nunca mais deixá-la. Ele colocou o povo, no sentido de todos, menos os ricos, contra as corporações, as quais, por sua vez, reagiram nos tribunais definindo a si como pessoas. Também colocou o povo, no sentido de pessoas brancas, contra as pessoas não brancas que lutavam por cidadania e cuja possibilidade de reagir juridicamente era muito mais limitada, já que esse tipo de luta exigia a presença de advogados muito bem pagos. O populismo também colocou o povo contra o Estado.”
Trecho do livro de Jill Lepore, sobre a história da formação dos Estados Unidos, intitulado Estas Verdades, Intrínseca, 2020.
“Porém, há outra maneira de arruinarmos a democracia. É menos dramática, mas igualmente destrutiva. Democracias podem morrer não nas mãos de generais, mas de líderes eleitos – presidentes ou primeiros-ministros que subvertem o próprio processo que os levou ao poder. Alguns desmantelam a democracia rapidamente, como fez Hitler em 1933, na Alemanha. Com mais frequência, porém, as democracias decaem aos poucos, em etapas que mal chegam a ser visíveis”.
Trecho do livro de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, sobre o risco às democracias, intitulado Como as Democracias Morrem, Zahar, 2018.
Nos anos recentes, o noticiário tem acentuado o risco de metástase das democracias. Autofagia política. Comidas pelos que deveriam alimentá-las. Nos Estados Unidos, na Hungria, na Turquia. E no Brasil.
O cenário é sério. Atestado na prática e na teoria. Certificado na desconstrução institucional de governantes autocráticos. E nos estudos de historiadores e politólogos. No caso brasileiro, o presidente da República, por palavras e atos, tem evidenciado desapreço pelas instituições republicanas. É a presença bizarra em manifestações públicas no espaço urbano de Brasília. É a interferência insólita em assuntos da Polícia Federal. É a assertividade grosseira com a Folha de S.Paulo. E outras.
Não vi tais atitudes no comportamento de nenhum dos presidentes da República, eleitos democraticamente, de meu país. Inclusive no comportamento do ex presidente Lula. Falo à vontade a respeito. Porque escrevi dois livros sobre o ex presidente. O primeiro livro, O Que é o Governo Lula ? , editora Landy, São Paulo, 2002. O segundo livro, Como a Corrupção Abalou o Governo Lula, Edilivro, Rio de Janeiro, 2005.
No primeiro, procurei explicar a importância política de eleger um presidente com o perfil de Lula. No segundo livro, frustrado com o episódio do mensalão, inventariei os fatos que resultaram nos inquéritos e prisões que a nação conhece.
Recordo tais acontecimentos porque vou votar em Marília Arraes. E fui lembrado do risco de empoderar Lula. Considero que o maior adversário da democracia brasileira não é o ex presidente Lula. É o presidente Bolsonaro.
O Brasil precisa, em 2022, de uma frente política que reúna todos os que são fiéis à democracia. Social democratas, os ligados à economia social na linha alemã. E os ligados aos sindicatos na linha do trabalhismo inglês. Liberais, os voltados ao livre mercado. E os voltados ao papel regulador do Estado. O importante é criar o futuro. Adensado na aliança de todos os democratas. Sem discriminar. Como disse Hannah Arendt, política é o agir conjunto.
Caro Luiz Otávio
Seu artigo parece insinuar que o voto em João Campos reforça o bolsonarismo, algo que não tem a menor procedência. Concordo que Bolsonaro é a grande ameaça à democracia no Brasil, mas não consigo entender por que esta evidência pode levar como conclusão a opção eleitoral por Marília. Por acaso, o PSB e João são bolsonaristas, a ponto de termos que votar nela para destruir Bolsonaro no Recife? Na verdade, o que nós estamos presenciando neste segundo turno são partidos de direita e extrema direita, como a bolsonarista Patrícia Domingues, apoiando abertamente a sua candidata.
Bolsonaro é uma ameaça à democracia, claro, mas a democracia brasileira está sendo ameaçada por uma intensa polarização política entre dois mitos populistas (Bolsonaro e Lula) e seus fanáticos seguidores. Com um detalhe importante: quanto mais o PT e Lula crescem, mais o bolsonarismo se fortalece. Uma eventual eleição de Marília no Recife ajuda a reviver e acentuar esta polarização, contribuindo para a reeleição daquele que ameaça a democracia e os valores civilizatórios. Por isso, mesmo não tendo afinidades com o PSB, voto em João Campos para não favorecer a base de um renascimento do PT no Recife que pode atrapalhar muito a derrota de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022
Caro Luiz Otávio,
Embora , como sempre, sua escrita e ideias são um deleite para nós, seus leitores, discordo do argumento central da sua reflexão. Não vejo, apenas em Bolsonaro, a ameaça para a democracia, embora ele tenha amansado quando as investigações chegaram aos seus filhos.
O fenômeno de 2018, quando a radical polarização entre Bolsonaristas e lulistas galvanizou o país, esmagando eleitoralmente o centro democrático, este sim, é a principal ameaça a democracia, pois ambos os lados não têm o mínimo escrúpulo com relação as instituições e a consolidação da democracia; o primeiro, Bolsonaro, mais tosco e direto, junto com seu núcleo ideológico, desprezam a democracia, a exemplo do seu mestre Trump, que está embaraçando a mais antiga democracia do ocidente, que são os Estados Unidos; o segundo, mais sutil, mas não menos perigoso, usa uma narrativa populista como salvador da pátria, com discursos que emocionam os incautos, sedentos de justiça social, mas, por trás coordenou uma máquina de corrupção, cujos roubos foram calculados como o maior roubo por corrupção da história do capitalismo moderno.
O desafio da nação é, em pouco tempo ter viabilizado uma alternativa de centro, quer seja de direita ou de esquerda, para romper esta danosa polarização, que defini como o “pêndulo da irracionalidade”.
Um forte abraço
Amigos Joao e Sergio, grato pelos comentarios que enriquecem meu artigo. Temos, todos, defendido que é preciso unir o pais. A Justiça que cuide de Lula. Nao sou juiz. Tolerancia e senso para construir é o que me inspira.
Quanto ao Recife, liquido, azul, Florença tropical de Albert Camus, cansei da opacidade. Da falta de criatividade.
Voto em S.Paulo e deixo aos pernambucanos a política em Pernambuco. Noto apenas que aqui em S.Paulo temos no segundo turno um candidato demagógico e irresponsável, apoiado pelos petitas e abraçado por Lula, que acha que o manto anti-Bolsonaro pertence somente a ele e está usando o argumento de que o adversário dele, Bruno Covas, é bolsonarista porque apoiado por Doria, que seria bolsonarista. Quer esconder do eleitor anti-Bolsonaro que hoje em dia Dória é um crítico importante do governo Bolsonaro. Fora que esse argumento é nada mais que uma mentira, classifico o candidato apoiado pelo PT em S.Paulo de demagogo irresponsável até pela sua tese de que uma maneira de combater o déficit da Previdência é contratar mais funcionários. Na aritmética dele você contrata por 100 – digamos – para que 14% vá para a Previdência. Não acredito que ele seja tão ruim de aritmética. Então só pode ser tentativa safada de enrolar o funcionalismo, que em São Paulo é importante base eleitoral do PT.
PS – Acrescento uma para o folclore: ouvi aqui em S.Paulo que a mãe do João Campos obrigou ele a se candidatar para atrapalhar o namoro com a Tabata do Amaral. Como? Ser namorado da Tabata do Amaral não é ponto positivo?