“Porque se derrubou a Bastilha, um telegrama; porque se deitou uma pedra na rua, um telegrama; porque o Deputado F. esticou as canelas, um telegrama. Dispêndio inútil. Toda a gente sabe que isto por aqui vai bem, que o deputado morreu, que nós choramos e que, em 1559, D. Pero Sardinha foi comido pelos caetés”. Com observações assim o prefeito eleito de Palmeira dos Índios, Graciliano Ramos, produzia relatórios ao Governador das Alagoas. O prazo de “3 meses para levar um tiro”, dado pelo populacho para que batesse as botas, não se cumpriria. Nenhuma espingarda funcionou. E a calma continuou a reinar, por ali.
São textos que falam dos “funcionários da administração anterior, que faziam política ou não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários, cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em contas”. Referem contas, minuciosamente anotadas, “724$000 foram-se para uniformizar as medidas pertencentes ao município, os litros aqui tinham mil e quatrocentas gramas, fui descaradamente roubado em compras de cal para os trabalhos políticos”; “2.886$180 foram gastos com instrução, mas não creio que os alunos aprendam ali grande coisa; obterão, contudo, a habilidade precisa para ler jornais e almanaques, discutir política e decorar sonetos”.
Temos um mosaico que se vai formando, aos poucos, a geografia física e a geografia humana. “O caminho que vai a Quebrangulo tem lugares que só podem ser transitados por automóvel Ford e por lagartixa”. Ou “a iluminação que temos, pérfida, dissimula nas ruas sérias ameaças à integridade das canelas imprudentes que por ali transitassem em noites de escuro”. Ou “uma senhora e uma criança, arrastadas por um dos rios que se formavam no centro da cidade, andavam rolando de cachoeira em cachoeira e danificaram na viagem braços, pernas, cabelos e outros órgãos apreciáveis”.
Só que os relatórios trazem, mais, o perfil desse grande escritor. Um crítico que respondia cumprimentos de “bom dia”, dizendo “por quê?” Um homem reto. De vida sem arranhões. Prefiro os Relatórios de Graciliano ao apresentado nessa quarta. Em que figuras muito conhecidas por seus passados controversos, réus por corrupção, se exibem como se fossem pessoas limpas. E se apresentam, agora, como se estivessem acima de qualquer suspeita. E não estão, esse o problema. De forma nenhuma estão.
Claro que o relator da CPI é mais do que suspeitoso. Mas há que reconhecer que prestou um bom serviço ao país.
Triste situação esta nossa, em que se precisa contar com tais figuras para arregimentar forças para o combate a uma espécie de “gênio do mal”.
A lembrança de Graciliano foi inspirada. Minhas reverências.