Naturalmente, não sou versado em polícias militares ou forças de qualquer caserna. Nem desejo aqui, como diz um antigo ditado popular, que “Pague o justo pelo pecador”. Decerto, os justos escasseiam, e os pecadores abundam como ervas daninhas. Falarei dos pecadores e de um escândalo. Mas antes quero lembrar, a modo de irônica epígrafe, o verso do meu tio afim, o poeta pernambucano (satírico, romântico e rapidamente modernista) Austro-Costa. É de sua autoria a letra do Hino do Batalhão de Polícia de Rádio Patrulha de Pernambuco, cuja música, muito bonita, é de ninguém menos do que o compositor e Maestro Nelson Ferreira. Não sei em que circunstâncias se deu a parceria no início da década de 1950, mas o fato é que ambos eram muito queridos no Recife de então.

No convencional idealismo dos hinos, o bom Austro imagina um “coro” em que octassílabos cantam: “Sentido! Alerta, patrulheiros! / Pelo dever de bem servir, / Juntemos, sempre, companheiros, / A urbanidade ao pronto agir!”. As exclamações, claro, lembram a vibração e o entusiasmo do ofício do bom policial. Aqui cabe um parêntese, que faço a bem do enriquecimento do vocabulário dos mais jovens. Explico-me. A palavra “urbanidade” quase não se usa mais, porém exalava (e exala com bom perfume) os sentidos de “civilidade”, “cortesia” e “boas maneiras”. Bem, como disse no início, não sou versado em assuntos de qualquer caserna e, portanto, encerra-se, com o hino de Nelson Ferreira e Austro-Costa, toda a minha proximidade com as polícias militares. Proximidade lírica, já se vê. Retenho, todavia, a palavra “urbanidade”.

À urbanidade quero contrapor aqui uma “antiurbanidade”. Eis o caso. Na mesma semana, a passada, em que a Polícia Federal revelou que o agora preso golpista Silvinei Vasques (agora, felizmente, um ex-policial da PRF) tinha fotos de Hitler no seu celular, além, claro, fotos do clã Bolsonaro, nessa semana, a PM de São Paulo comemorou os 53 anos das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a conhecida Rota, à qual a mídia governista se refere como uma das “unidades mais respeitadas da Polícia Militar”. Nem vou comentar (pois, repito, sou um leigo em tal matéria!) que o nome da unidade, com um ostensivo adjetivo, salvo melhor juízo, não é exatamente um primor de… urbanidade!… Ou de bom gosto.

Também não vou comentar a presença de Bolsonaro nas comemorações do aniversário da Rota, evento no qual foi “ostensivamente” chamado de “eterno presidente do Brasil”. Não comentarei igualmente que, na mesma solenidade, o Governador Tarcísio de Freitas condecorou os policiais envolvidos na operação policial que resultou em oito mortos no Guarujá… Trata-se, na “vida como ela é”, do chamado “excludente de ilicitude”… Mas sou um leigo e só aprecio balas que contenham glicose. Assim, aqui me conformo em tratar apenas de “urbanidade”, ou melhor, de “antiurbanidade”.

A cereja do bolo, desculpem (amarga, mas cereja), vem agora. O aniversário da Rota culminou com um espetáculo público escandaloso, “ostensivo” e nada civilizado. Como se tivessem soltado touros selvagens, saíram em comboio, do quartel, velozes e furiosas, várias viaturas a fazer evoluções arriscadas pela Avenida Tiradentes, no centro da capital paulista, a ponto de quase capotarem, de subirem nas calçadas e atropelarem (o que de fato aconteceu) duas pessoas! Dizer que todos os pedestres e motoristas que por ali estavam correram risco de morte é dizer o óbvio. Nada justifica tal barbárie, nada justifica essa falta de… urbanidade, de resto paga pelo nosso bolso. As câmaras de TV registraram tudo, o âncora do jornal local soltou um suspiro, e, claro, tudo vai ficar por isso mesmo. A matéria da televisão ainda mencionou que houve um governador que havia proibido esse tipo de “comemoração”, mas o atual mandatário, bolsonarista como é, gosta de emoções fortes… 

Comentei o caso com meus botões, aliás discretos e nada ostensivos, que saíram de suas casas para me sussurrarem: “Mas, Paulo, eles estão certos… Não são chamadas Rondas Ostensivas? É claro que querem fazer jus ao nome!”. E acrescentaram, em voz ainda mais baixa: “Atropelaram gente do povo, do povo, entenda. Os figurões ficaram a salvo dentro do quartel”.